domingo, 7 de fevereiro de 2021

A Retirada dos Dez Mil - Xenofonte

 Livro A Retirada dos Dez Mil

Xenofonte


O tradutor da obra faz grandes elogios a Xenofonte por seu caráter civilista, militar, apaixonado pela ação e aventura, e dedicado às letras. O tradutor se emociona com a obra a ponto de compará-la à Ilíada de Homero.

Pela tradução se percebe a leveza de sua escrita em temas tão ásperos como a guerra e a política. Sua narrativa é clara, portanto de fácil leitura, apesar das ilimitadas informações sobre os conflitos entre os povos, e dos nomes pouco usuais de personagens, fatos e costumes.

Na primeira parte do livro trata do conflito na sucessão do rei Dario da Pérsia, que se materializa  na luta de Ciro para ocupar o trono no lugar de seu irmão, Artaxerxes, filho que estava sempre ao lado do rei e era o mais velho. Ciro então se alia com vários povos para tentar ocupar o trono, inclusive a soldados gregos. Xenofonte faz esta narrativa com detalhes, semelhante ao estilo de Tucídides, só que com uma escrita mais leve, sem utilizar os longos parágrafos do texto de Tucídides.

Xenofonte, Tucídides e Heródoto se completam nas informações e detalhes históricos e políticos, e nas narrativas de conflitos envolvendo os gregos e os persas. A democracia nas relações militares é tema constante do texto, além da presença de superstições, como em Heródoto.

Xenofonte, como Heródoto e Tucídides, pratica uma História Global, pois em sua narrativa destaca cada mínimo detalhe do que presencia nos costumes e práticas dos povos encontrados, além de observar o comportamento da natureza como as aves, os animais, os rios e o relevo dos locais percorridos, mesmo que esses detalhes se relacionem à sobrevivência dos soldados em guerra. Veja texto abaixo:


Xenofonte, em seus relatos, faz leves comentários sobre os fatos narrados, mas sem perder o foco da narrativa, que é predominante em sua obra.

Xenofonte participa das batalhas ao lado de Ciro, pois era um ateniense compondo os aliados gregos no exército de Ciro. Veja texto abaixo.
Xenofonte faz amplos elogios à pessoa de Ciro (este Ciro é o mais novo, o antigo foi o que tem maior nome e participação na História) como comandante militar e a sua formação humana e de caráter. Inclusive Xenofonte escreve um livro sobre a educação de Ciro. Mostra como os filhos da nobreza governante eram preparados para o exercício do poder na Pérsia. Veja texto abaixo.



Xenofonte relata com detalhes os conflitos e traições dentro de sua narrativa política. A desconfiança era comum nas relações entre os grupos em conflito; como se vivessem em constante instabilidade política e militar, e isto era uma verdade, mesmo que implícita. Um tratamento cordial podia gerar, imediatamente, uma ação homicida.

Em meio aos conflitos armados, Xenofonte faz uma breve biografia dos comandantes militares do exército grego, inclusive conta sua história até a entrada no exército, e sua relação com Sócrates. Em sua biografia revela sua crença nos deuses da época, inclusive a crença do filósofo Sócrates nos oráculos. Xenofonte não era militar, mas teve de assumir posto de comando no exército pela ausência de comandantes aptos, e por seu discurso de incentivo aos soldados de sua pátria diante dos obstáculos enfrentados em situação extrema de sobrevivência.

Interessante notar no relato de Xenofonte sua intensa participação na obra A Retirada dos Dez Mil como comandante do exército grego, situação que não acontece com Heródoto e Tucídides em suas Histórias. Com a morte dos principais líderes dos gregos pela traição do comandante persa, são eleitos novos comandantes para o exército que iriam liderar os soldados gregos, e Xenofonte, apesar da pouca experiência militar, é escolhido para o comando, pois suas ideias em defesa dos ideais gregos de retorno à sua terra foram fundamentais para sua escolha. Passa então, ao lado de outros militares, a comandar a retirada dos dez mil. Mas sua liderança sempre foi pautada pela deliberação dos soldados e líderes gregos, como sempre foi na história militar helênica. Xenofonte se destaca como um grande líder militar na frente de batalha, valorizando e respeitando a cultura grega, inclusive prestando obediências aos deuses de sua nação, ação que parece contraditória para um filósofo, mas o filósofo Sócrates também o fazia. É, acima de tudo, um homem de seu tempo.

Na retirada dos dez mil, os gregos tiveram de enfrentar o exército persa e também os povos que encontravam no caminho, pois os retirantes precisavam se abastecer de alimentos e artigos necessários para sua sobrevivência no retorno à pátria, mas nunca retiravam utensílios essenciais dos povos encontrados. Alguns destes povos enfrentaram o exército grego, inclusive provocando baixas militares sérias em seu exército. Utilizou o exército grego de guias escravizados nos combates com os povos encontrados no roteiro de fuga, quando estes não aceitavam a função, eram sacrificados.

Na retirada, os gregos não enfrentavam obstáculos só no combate aos povos que encontravam no caminho; mas a todo momento defrontavam-se com condições climáticas adversas como a neve, e a falta de condições de sobrevivência dos soldados, pela ausência, muitas vezes, da alimentação básica para mantê-los vivos. Estas condições eram negociadas com os povos existentes na rota de fuga dos gregos.

Em alguns momentos os comandantes do exército grego discordavam das posições adotadas por seus pares e procuvam uma conciliação que não atrapalhasse a marcha. E sempre chegavam a um acordo, certamente pelas condições adversas que o exército enfrentava. Valia mais a sobrevivência do que a opinião individual.

A partir do Livro Quinto os soldados gregos buscam uma fuga marítima, pois estavam cansados das caminhadas, principalmente em regiões íngremes, e para isto, tentam conseguir navios por amigos e através do saque. Enquanto não conseguem navios realizam ataques a povoados para conseguir alimentos. Na decisão do uso de navios, citam a epopeia de Ulisses como motivação.

Interessante notar a presença de mulheres, crianças e soldados com mais de quarenta anos na retirada; todos estes foram enviados para a Grécia pelos navios existentes, pois não conseguiram navios que comportassem todos os soldados. Ao longo da retirada o exército grego foi perdendo soldados, portanto a guarnição já não contava com os dez mil iniciais, pois já tinham perdido mais de mil soldados no trajeto pela guerra, fome e condições climáticas adversas até conseguirem alguns navios para o transporte de seus componentes. Então uma parte fez o trajeto por terra e outro por mar.

Outra informação interessante na narrativa de Xenofonte é a cobrança do dízimo do dinheiro arrecadado para doar para aos deuses e deusas. Esta já era uma tradição no tempo do autor.

No livro de Xenofonte são constantes os conflitos entre os comandantes e entre os soldados e seus comandantes, mas a solução sempre surgia com as reuniões e justificativas constantes, portanto, os discursos são frequentes no texto livro.

Em A Retirada dos Dez Mil, Xenofonte refere-se à Guerra do Peloponeso, fazendo uma ligação de seu livro com o texto de Tucídides. Veja texto abaixo.


O livro termina inesperadamente, pois pensei que os soldados iriam entrar em Atenas ou Esparta após a retirada. Mas não, o autor apenas relaciona os governantes das províncias atravessadas pelos gregos, o total do percurso, avanço e retirada, e o tempo de duração da Retirada dos Dez Mil. Também é um projeto de escrita de historiador. Um bom livro de História Antiga com um ótimo historiador na pesquisa e escrita.

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