terça-feira, 17 de maio de 2022

O Poeta da Paixão

 


Livro O Poeta da Paixão

Vinícius de Moraes

Inrodução:

No Prefácio, o autor mostra a dificuldade dos escritores, e principalmente dos historiadores, em reconstituir o passado em sua integridade, e aí entram também aqueles que pretendem retratar a vida de uma pessoa, como os biógrafos. Mostra como em determinada época as biografias eram tratadas como simples fofocas sobre os biografados. Mas insiste em seu trabalho de fazer uma biografia de Vinícius de Moraes o mais perto de sua realidade pessoal, especialmente no conhecimento do poeta - um ser humano em busca de sua realidade de vida através da arte da poesia. Não quer ser um simples narrador do herói e de suas aventuras amorosas e profissionais, mas um investigador dos segredos mais profundos da alma humana em sua caminhada pela estrada da vida, sempre com suas nuances de convivência.

Desenvolvimento da Biografia

O autor começa o livro relatando os detalhes da infância de Vinícius: seu nascimento, suas moradias, sua descendência, suas amizades na família, etc. Escreve quase um romance histórico, pois é cativante sua escrita; leve e objetiva. Mostra suas primeiras produções poéticas e seus primeiros "amores" ainda na adolescência. Destaca como Vinícius utilizava os poemas de seu pai como inspiração para suas primeiras obras. Dos primeiros relacionamentos faz, inclusive uma evolução em seus contatos no futuro, como seu encontro com a primeira namorada da infância em seu show depois de 56 anos. Dos anos de escola, herda sua preocupação mística dos primeiros versos, pois estudou em escola de Jesuítas. No período escolar participou de todos os eventos culturais promovidos pelos professores. Aprende a tocar violão, e com 14 anos já cria um conjunto musical. Começa um conflito entre o mundo religioso e o que ocorria em sua vida diária de adolescente., sendo que a realidade do Rio de Janeiro vai passar a dominar a maior parte de sua obra. Tem como primeiro e único guru o romancista Octavio de Faria, que terá de abandonar para definir os caminhos de sua poesia.

Nos relatos do livro sobre a vida de Vinícius nos anos 1920-30, mostra com detalhes a vida da juventude estudantil universitária da época, contextualizando os fatos ocorridos com as posições adotadas pelas autoridades e intelectuais. Vinícius ainda mantém sua origem religiosa, ainda muito influenciada pela Igreja Católica e os padres Jesuítas. É um estudante de Direito de acordo com os ideais da direita, em oposição ao Movimento de Esquerda nascente em decorrência da divulgação das ideias comunistas, das quais existiam alguns intelectuais seus seguidores. Começa nesta época a se definir como poeta publicando dois livros iniciais com ampla influência mística e religiosa.

Ao mostrar as influências de intelectuais, principalmente romancistas e poetas na formação literária de Vinícius, o autor traça um perfil político e social da primeira década do século XX. Refere-se aos artistas e suas tendências ideológicas como o Comunismo e o Fascismo, principalmente. Vinícius termina por se envolver com nomes do Fascismo no Movimento Integralista, mas a ele não se filia. Revela mais tarde, sua tendência política de esquerda. Se envolve com nomes que adotam um Catolicismo radical, mas também não tem um envolvimento efetivo, mesmo que tenha estudado em Colégio Jesuíta. A escrita do autor é leve mesmo em questões teóricas, o que dá prazer na leitura.

O autor faz uma evolução e análise das características da obra poética de Vinícius, não só a partir das obras publicadas, mas de rascunhos (às vezes sem muita qualidade), doados para a Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, pela família do poeta. Começa utilizando poemas escritos no período de seu envolvimento com a Igreja Católica, portanto analisa sua fase mística e religiosa. Pega alguns poemas e poesias e faz um estudo literário da obra. Interessante notar que algumas poesias eram bem elaboradas, mesmo sofrendo algumas críticas do autor do livro, mas revela já. um sentido de vida que corresponde a sua visão de felicidade que percorre toda sua vida.

Um bom estudo é feito sobre as relações entre Vinícius e Octávio de Faria. Suas trocas de correspondências, levam Vinícius a perceber que o romancista tinha outras intenções além de amizade, e numa época em que o homossexualismo ainda era tabu na sociedade brasileira e mundial. Os livros de Octávio de Faria na coleção Tragédia Burguesa revelam em suas histórias os traumas do autor com a questão sexual, que não chega a assumir. Seus personagens sofrem este trauma, chegando ao suicídio por não conseguir resolver esta situação, em uma de suas histórias. A relação entre os dois amigos é revelada na coleção de romances, mas não de forma explícita, mas muito provável. A amizade termina depois de uma longa carta (1932) de Octávio de Faria a Vinícius, pois a mesma não teve uma resposta conforme as intenções de seu autor. Consequentemente a carreira de Vinícius toma rumo próprio.

Vinícius, durante toda sua vida, conviveu com grandes nomes da literatura no Brasil. Foi privilegiado por passar sua juventude e fase adulta em uma época de grandes transformações culturais e artísticas. Com apenas 24 anos já tinha publicado 4 livros. Em sua fase produtiva conviveu com grandes nomes da poesia, do romance e da crônica, como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos; e os arquitetos Oscar Niemayer, Lúcio Costa, e pintores como Portinari. Certamente estes intelectuais deixaram suas marcas na obra de Vinícius. Quando entra para a Bossa Nova sofre críticas de algumas pessoas que acham a música, quase uma banalização da poesia. Sua fase em Oxford foi muito produtiva, talvez pela solidão necessária do artista. Casa-se com Tati e vive seu primeiro amor real, sem a visão mística da paixão. Nos Estados Unidos apaixona-se pelo cinema e o Jazz.

Os estudos de Língua e Literatura Inglesas é interrompido pelo início da Segunda Guerra Mundial. Vive uma aventura de fuga da Europa junto com a esposa Tati. Lá se encontra com o escritor Oswald de Andrade. Chegando ao Brasil se prepara para o Concurso no Itamarati e se envolve com muitos escritores e artistas, não só do Brasil como de outros países como Pablo Neruda e Orson Welles. Suas amizades envolviam artistas de várias áreas, e não só da Literatura. É um período de muitos encontros, sendo que algumas amizades permanecerão por toda sua vida, como dos mineiros Hélio Pellegrino, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende, além do capixaba Rubem Alves. São contadas várias histórias interessantes de sua volta ao Brasil, principalmente como resultado de seus encontros nas famílias de amigos e nos "bares da vida".

Uma viagem ao Nordeste com o escritor americano Waldo Frank revela ao poeta um Brasil real, sem o conforto e riqueza do Rio de Janeiro e outras cidades brasileiras. Esta viagem "gerou um novo Vinícius, mais apegado às coisas do chão.". O poeta chega a afirmar que saiu do Rio de Janeiro como homem de direita e voltou como homem de esquerda. Além do conhecimento da realidade social nordestina, começa a conviver com sua cultura espiritual, talvez daí sua volta para a Bahia para um bom período com o povo e a cultura baianas. Relação que provocou grandes obras musicais, chegando até a criar o Afro samba, que o autor não cita. A partir daí produz várias músicas de sucesso com temas nordestinos, como Tarde em Itapuã, Canto de Ossanha, entre outras. Um novo artista surge para o poeta sempre em transformação. É um amante da liberdade e da busca sem medos de novos caminhos.

O autor agora começa a narrativa dos nove casamentos do poeta, tendo início com a união mais longa que é com Tati (Beatriz Azevedo). Depois de algum tempo, Vinícius casa-se só na Igreja com Regina Pederneiras, mesmo estando casado com Tati. O casamento dura apenas um ano, pois Regina termina a relação. Vinícius entra em depressão e chora a separação, mas depois volta para Tati, que continua apaixonada. O estudo continua realçando o lado místico de Vinicius, com seus pesadelos, sonhos e presságios, além dos presságios de amigos como Fernando Sabino, que previu o acidente com o avião que ia do Rio de Janeiro a Buenos Aires. Vinicius muda-se para os Estados Unidos com a família e se envolve com muita gente famosa do cinema e da música, principalmente do Jazz. Neste período sua produção literária é muito limitada.

Agora é a vez do terceiro casamento de Vinícius (Lila Boscoli). Uma mulher culta que tem Vinícius como seu ídolo na poesia. É mais nova 18 anos que o poeta, este tem 38 anos e ela fazendo 20. Mas é um amor que é pura paixão. O poeta dedica poesias maravilhosas em sua homenagem, afinal era muito nova e tinha muita semelhança com a cultura de Vinícius, e vinha de uma família de artistas e intelectuais. Neste período Vinícius passa por várias aventuras em sua vida, por ser um "descobridor" de novos ambientes, e um dos preferidos é a convivência em Belo Horizonte com seus amigos escritores mineiros, e por um trabalho sobre o Aleijadinho que é chamado a colaborar, e para isto tem que conhecer as várias cidades históricas de Minas, onde o escultor produziu suas obras. Vinícius é múltiplo e numeroso em sua obra e em sua vida. Não dá para conhecê-lo, apenas amá-lo, como diz o autor de sua biografia.

Interessante notar como Vinícius, apesar de ser um funcionário de Carreira do Itamaraty vive sem dinheiro, mesmo pagando pensão de seus dois filhos com a ex-esposa Tati. Certamente não administrava bem sua renda - coisa de artista. Li inclusive, que mesmo quando ele era já famoso, inclusive internacionalmente, seu dinheiro era escasso, pois gastava em excesso, e chamaram a esposa de Tom Jobim para administrar suas rendas, sendo este último um amante de um bom capital. Por causa de suas dívidas, teve de trabalhar em vários jornais, inclusive em uma coluna de conselhos sentimentais e com nome de mulher que ele criou - Helenice. Só saiu quando foi servir na Embaixada Brasileira em Madri. Com sua nova esposa, Lila, tem duas filhas: Georgiana e Luciana.

O livro mostra o lado humano de Vinícius, com seus traumas, desilusões, manias e também, seus sonhos. Revela seu lado carente de atenção quando faz de tudo para estar acompanhado de amigos e amigas. Até sua mania de desmaios quando não queria fazer alguma coisa ou quando não gostava de alguma situação. Fato que nunca tinha visto falar ou sendo publicada, que são duas tentativas de suicídio quando estava desanimado com a vida, mas sempre teve muita sorte de encontrar pessoas que o socorressem. Quem conhece um pouco da vida do poeta não pode imaginar uma situação dessa, pois sempre foi bem sucedido na vida; sendo valorizado e possuído bons cargos públicos. O lado humano é permanente nesta sua biografia, talvez pelo fato do autor ter utilizado muitas fontes inéditas.

O autor dedica um capítulo sobre a produção da peça teatral Orfeu da Conceição, que depois vira filme, e do início da parceria de Vinícius com Tom Jobim, elemento essencial para a realização musical da obra. Começa pelo contato com uma francesa sobre a produção de um filme, que é descoberto pelo poeta em seus arquivos de dez anos atrás. Obra abandonada pelo autor e que viu a chance de utilizá-la nessa ocasião. Inicia os trabalhos de recuperação da obra. Nessa fase encontra colaboradores de todos os níveis artísticos, inclusive de Niemayer na produção do cenário. Nesta narração insere fatos marcantes na vida de seus parceiros, inclusive envolvendo situação financeira. Esta obra marca o início de uma nova fase em sua vida e de Tom Jobim. Viram artistas internacionais.

A capacidade musical de Vinícius é valorizada, principalmente como compositor. O autor afirma que a história da música popular brasileira pode ser dividida em antes e depois de Vinícius, pois até meados do século XX a música brasileira possuía boa qualidade nas melodias, mas as composições eram fracas. Vinícius traz a poesia romântica para a música, além de sua modernidade através de sua participação na Bossa Nova - símbolo de qualidade musical, mesmo que esta não seja tão popular. O texto do livro mostra sua relação com músicos de sua época, principalmente com Antônio Maria, seu amigo compositor e jornalista. Neste período a paixão por Lila já está no final, e o poeta faz uma bela poesia de despedida, e um novo amor irá surgir em sua vida, provavelmente seu maior amor - Lucinha Proença.

O autor dedica boa parte do livro à relação entre Vinícius e Lucinha Proença. Volta na história quando Lucinha tinha apenas 15 anos e participa de um encontro quando o poeta já era casado. Depois que os dois estão casados, e com os casamentos à beira do fim, é que novamente se reencontram e nasce uma grande paixão. Lucinha Proença vai ser o quarto casamento do poeta. Seus encontros são planejados e literalmente viajados dentro do Brasil e fora do país. Mas nasce realmente uma paixão correspondida já na maturidade dos dois amantes na década de 1950. Nas relações artísticas do período vale ressaltar o surgimento de Baden Powell na vida de Vinícius, fato que vai marcar sua vida para sempre e a produção de grandes sucessos, além do estilo Afro samba; uma marca baiana de Baden. Interessante notar nos círculos de amizades intelectuais de Vinícius a presença de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir em sua residência no Brasil.

Vinícius está trabalhando no Uruguai e loucamente apaixonado, como é seu estilo. Então pede uma transferência para o Rio de Janeiro para ficar perto do seu amor, e o faz como ninguém jamais o fez na história do Itamaraty, ou seja de forma pessoal e poética. Assim se expressa em carta para o Itamaraty: "Preciso de fato voltar para o Rio. Não é um problema material, de dinheiro, ou de status profissional. Tudo isso é recuperável. É um problema de amor, pois o tempo do amor é que é irrecuperável." (p. 212). E o poeta conseguiu sua transferência em 1960.

De volta ao Brasil, Vinícius vai morar em Petrópolis com a família e passa a receber vários amigos para conversas e produções artísticas. Petrópolis não é só um ambiente de descanso, mas de trabalho principalmente. Sua casa é uma reprodução do Catetinho que era a habitação inicial de JK em Brasília, obra do arquiteto Oscar Niemeyer. Os parceiros de costume fazem da casa do poeta quase uma moradia. Surge um novo parceiro: Francis Hime. No ir e vir da narrativa do autor, este revela algumas produções interessantes de Vinícius com Tom Jobim, por exemplo, que compõem uma sinfonia para Brasília a pedido do Presidente JK, e a criação do Hino Oficial da UNE (União Nacional dos Estudantes), por Vinícius e Carlinhos Lyra, um ano antes do golpe militar de 1964.

Agora é a vez da quinta esposa de Vinícius, Nelita de Abreu Rocha. Mesmo que o poeta viva solicitando a presença de Lucinha Proença nos intervalos dos relacionamentos, nunca mais retorna para o amor de sua vida, fato confirmado, inclusive por suas ex-esposas. É durante o início de um novo amor, que Vinícius encontra o Quarteto em Cy, e passa a frequentar as altas rodas artísticas do Rio de Janeiro em sua companhia. Vê as baianas do Quarteto musical como excelentes cantoras afinadíssimas. Vinícius é campeão em dar força e ter a companhia de futuros artistas e profissionais da imprensa, como Cazuza e Pedro Bial (repórter de sucesso da rede Globo até hoje. E Cazuza, no futuro, um grande sucesso do Rock brasileiro de qualidade.

O casamento com Nelita de Abreu é quase uma aventura dos filmes de Hollywood, pois por sugestão de Carlos Lyra, Vinícius aceita raptar Nelita e levá-la para Paris, Embaixada do Brasil para a qual conseguiu, num golpe de sorte, sua transferência. Carlos Lyra, Tom Jobim, Fernando Sabino e Otto Lara Resende ajudam na manobra até o aeroporto. Mas em Paris a vida de Nelita não é nada do que sonhara, pois Vinícius volta ao alcoolismo, e deixando a esposa de lado. Além da situação financeira precária, pois o Itamaraty atrasou todos os pagamentos por três meses. Eram tempos difíceis no Brasil. O desastre da renúncia de Jânio Quadros e o governo João Goulart com as constantes pressões de militares e trabalhadores.

O autor dedica um bom texto sobre a criação da música Garota de Ipanema,, fato já bem conhecido, mas que lança a música popular brasileira a um nível internacional. Esta música termina se tornando um símbolo do Brasil, como o futebol, o samba e o carnaval. A musa que deu origem à música, Helô Pinheiro custou a acreditar que estava sendo homenageada por dois grandes músicos e poetas da época. A música virou filme, mesmo que de baixa qualidade. E a atriz principal conseguiu atuar em filmes até no exterior, por causa de sua participação no filme, mas no Brasil teve papel insignificante no cinema brasileiro.

A parceria com Baden Powell garante o Vinícius múltiplo. Com um baiano, Vinícius se afasta um pouco da Bossa Nova elitizada do Rio e vive uma nova realidade social mais popular e trabalhista (O Operário em Construção). Nesta época o país passava por tempos difíceis e, e muitos artistas e cineastas vão para Paris onde Vinícius atua na Embaixada brasileira. Lá acontece o encontro de nomes da música e do cinema que produzirão trabalhos que ficarão para a História. Glauber Rocha e Cacá Diegues são os principais cineastas em ação na França, e Vinícius e Baden Powell trabalham sem parar neste ambiente. Nelita, esposa de Vinícius é homenageada com a música Minha Namorada de Carlos Lyra e Vinícius, e belas poesias do poeta. Nelita termina se adaptando ao ritmo de vida de seu marido... por enquanto.

O autor não deixa de contextualizar a participação artística do poeta, pois sempre mostra o ambiente político em que o personagem está inserido. Depois do golpe militar de 1964, Vinícius deixa Paris e volta ao Brasil, pois não se sente à vontade em representar um país que implantou uma ditadura em oposição a uma democracia que caminhava a passos largos com o envolvimento cada vez maior da classe trabalhadora, artistas e intelectuais. No Brasil se envolve em várias produções artísticas como o teatro e o cinema, principalmente mas que nada vai para frente. Nesta fase fica amigo de Dorival Caymmi, do qual recebe algumas boas influências. Até seus amigos históricos ficam impressionados com seu poder de criação nesta fase da vida. 

Minas Gerais é o Estado de refúgio de Vinícius de Moraes, pois sempre que está com problemas de solidão ou separação procura o aconchego das cidades e amigos mineiros. Ouro Preto é a cidade preferida do poeta para seu refúgio. Belo Horizonte é a cidade de seus amigos, principalmente dos escritores Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos, além de outros fora do círculo literário. Pede ao Itamaraty para transferi-lo para prestar serviços ao governo de Minas, solicitação atendida. Começa então um projeto cultural em Ouro Preto. Neste período se separa de Nelita, depois de muito tempo de espera da esposa para a separação, pois o estilo de vida de Vinícius não é suportado pela jovem Nelita.

Entre 1968 e 1969 o poeta passa sua pior fase, pois perde a mãe e no Brasil, o Regime Militar edita o AI-5 - implantando a linha mais autoritária do governo. Mas em 1969 começa outra boa fase musical com a parceria com Toquinho, na Bahia, quando canta Tarde em Itapuã. No Itamaraty sua situação se complica com o ato de exceção, pois é considerado um alcóolatra, situação que leva a sua aposentadoria compulsória. Seu casamento praticamente já acabou, e como de costume tem uma nova paixão que conheceu em tempos antigos - Cristina Gurjão -, seu sexto casamento. Com ela tem uma filha, Maria Gurjão. Mas seu casamento com Cristina vive abalado pelas aventuras do poeta, como com Neusa Borges. Com sua aposentadoria compulsória, passa por uma breve crise financeira, resolvida por suas economias nos Estados Unidos. Segue o autor relatando as aventuras de Vinícius com seus amigos, principalmente os paulistas. Recebe elogios de Drummond e Neruda, e também críticas de amigos por suas constantes mudanças de parceiras, chegando a perder o título de poeta do amor, mas da paixão explosiva, empolgante, e passageira.

O autor aprofunda a relação entre Vinicius e Chico Buarque, sendo que este último conheceu o poeta quando ainda era criança na casa de seu pai, Sérgio Buarque de Holanda. Nas músicas produziram algumas raridades como Valsinha, mas Chico terminou tendo vida própria na música. Vinícius dá a parceria de Gente Humilde a Chico sem nenhuma necessidade, como atesta o próprio Chico, fato que seria compensado em canções em que o poeta não participa e recebe a parceria de duas músicas de Buarque. As relações extraconjugais são frequentes na vida de Vinícius, e em determinado momento sua falta de sensibilidade para questões fora da paixão pelas mulheres é revelada, talvez isto mostre a nossa multiplicidade e individualidade de sentimentos, como ocorre com a inteligência. Fato que deve explicar o amor de algumas pessoas mais por animais do que por seres humanos. Até os governos hoje adotam posturas parecidas com os direitos humanos e dos animais e plantas.

A separação de Vinícius e Cristina Gurjão é narrada com detalhes, inclusive nos diálogos e agressões físicas e nas palavras. Foi uma separação difícil, pois Cristina estava grávida de Maria, não muito longe de seu nascimento. O motivo foi uma nova paixão do poeta: Gessi Gessy, seu sétimo casamento, baiana envolvida com o candomblé. Vinicius se encanta com sua beleza, e certamente com seu misticismo. Mesmo separado de Cristina, o poeta não deixa seu ar de onipotente, inclusive com o pedido de mudança da data de nascimento de sua filha, pois a mesma iria nascer de uma cesariana. Mas Cristina não aceita a mudança, e Maria nasce um mês antes da data prevista. Vinícius faz um soneto lindo para Gessi - Soneto de Luz e Treva.

Varias páginas são dedicadas à relação entre Vinícius e Gessi. O poeta, penetra, através da amante, de um mundo novo e místico. Está com sessenta anos, fase em que todos nós, seres comuns, procuramos nos acomodar em nossa situação, sendo mais cuidadosos, prudentes, sábios. Mas Vinícius não é uma pessoa comum. Com esta idade começa um casamento com uma mulher mais nova que ele 26 anos. Inicia sua parceria com Toquinho, que podia ser seu neto, com apenas 23 anos. Faz shows em Universidades com maioria de jovens estudantes. Enfim, o poeta surpreende mais uma vez. Quanto à Bahia já conhecia desde a década de 1950, mas é com Gessi que entra no mundo místico de sua sociedade. Gessi é sua juventude resgatada, mesmo que sinta um certo desconforto neste mundo novo. Revela-se tímido em determinados momentos... seria esta uma característica dos artistas? Devem possuir um certo medo de uma possível rejeição da qualidade de sua obra, talvez seja este o problema. No período na Bahia, Vinícius adiciona um novo parceiro em sua longa lista de parcerias, desta vez é Jaime Lerner, quando participa de um projeto cultural em Curitiba, Paraná.

A parceria com Toquinho marca a fase mais produtiva do poeta, Vinícius de Moraes, mesmo estando com a idade já avançada. Toquinho parece fazer renascer sua juventude, como Gessi sua esposa, que realiza os sonhos eróticos do poeta com suas festas cheias de orgias e liberdade sexual. A própria Gessi, incentiva Vinícius a ter outras experiências sexuais fora do casamento, coisa que nunca aconteceu antes, pois esta prática era realizada às escondidas nas outras relações. A década de 1970 era o tempo do surgimento da Tropicália e da decadência da Bossa Nova. Mas isto não afetou a produção musical da dupla, pois Vinícius trabalhava em um projeto, mas sempre se voltava para novas aventuras na vida pessoal e artística. Era o auge da Ditadura Militar no Brasil, mas Vinícius não enfrentava o governo e nem o apoiava, apenas fazia sua arte, postura que foi criticada pela imprensa.

Sobre o casamento com Marta Rodrigues Santamaria, seu oitavo casamento, uma moça argentina, quase quarenta anos mais nova que o poeta, o livro quase não fala, focando mais na obra e shows do poeta. Marta também continua o resgate da juventude do poeta. Mas ele não dedica muito tempo em sua convivência, principalmente agora que tem a companhia de Toquinho em sua parceria mais produtiva. Na política, Vinícius apesar de ter uma origem burguesa, e até uma breve simpatia com o fascismo do Integralismo, volta-se para a esquerda, inclusive filiando-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas sem envolvimento efetivo em suas ações, pois não aceita seu dogmatismo e seu espírito conspiratório. Talvez tenha sido influenciado pelos inúmeros amigos comunistas como Ferreira Gullar, Carlinhos Lira, Augusto Boal e outros.

Sua nona esposa, Gilda Mattoso, apesar de ser a mais nova de todas, com apenas 19 anos, ou seja, mais de quarenta anos mais nova que o poeta, é quem vai ver seu triste, mas produtivo final. O início do relacionamento foi quase uma aventura de cinema, com suas variantes de encontros sem planejamento algum. Viaja com a esposa para a Europa e vários outros lugares, inclusive Gilda faz-se amiga das duas últimas ex-esposas de Vinícius. Suporta bem sua vida desregrada, agora acompanhada de doenças sérias que levam ao seu fim, mas sempre que tinha uma pausa, o artista continuava produzindo obras e apresentando seus shows. O autor do livro termina sua narrativa de forma brilhante: "Vinicius de Moraes viveu, amou, escreveu, cantou, para fugir da morte. Para negá-la. Todos fazemos o mesmo. Mas só um de nós se chamou Vinicius de Moraes.".

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