sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

História Administrativa do Brasil - Vicente Costa Santos Tapajós



Introdução

No início do livro já se nota a preocupação do autor com a ineficiência do serviço público, imagem construída historicamente. Consequentemente, o autor pretende tentar mudar esta imagem através de informações positivas sobre as ações praticadas pelos governos em benefício das nações e de seu povo, mas é certo que encontrará sérios obstáculos para alcançar seu objetivo. Começa o livro falando do governo de D. Manuel, o Venturoso, ainda no início do século XVI, ou seja, mais especificamente no período do "Descobrimento" do Brasil. Realça que esta fase expansionista contraria a tradição rural de Portugal. Mas a população vai ter de se adaptar a esta nova fase histórica. Mostra um D. João III, sucessor e filho de D. Manuel I, como o típico rei administrador, fator que ajudará em muito a situação do domínio de um enorme império herdado do governo anterior com colônias na África, Índias e Brasil. Um dos principais problemas enfrentados pelo rei é a situação dos judeus em Portugal. A população queria a expulsão dos judeus do país. Este livro faz parte de um conjunto de sete livros iniciais do projeto, que é uma produção literária em 40 volumes sobre a História Administrativa do Brasil. O projeto começa em 1955; dá uma pausa depois da mudança da capital para Brasília, e é retomado em1981. Com a retomada da produção, o foco volta-se para a História da República.

Desenvolvimento

Iniciando o livro, o autor mostra como o rei enfrentou a situação administrativa e política de Portugal e suas colônias. Como primeira medida organizou um "Ministério" composto de pessoas competentes em cada área de atuação como as colônias, as finanças e o governo. D. João III é elogiado por sua competência administrativa e não guerreira, aliás o reino português estava consolidado, agora era só manter a organização de tão extenso território. Quanto aos judeus solicitou várias vezes a instalação do Tribunal da Inquisição em Portugal, tendo sido negado algumas vezes, até conseguir seu intento. Este fato levou a uma paz interna no país, mas as finanças estavam enfraquecidas, por isso, o rei voltou as atenções para a colônia do Brasil.

Por má gestão dos negócios do Reino, D. Manuel morreu na pobreza, pois endividou os cofres públicos e ficou sem condições de liquidar suas dívidas. Mas foi sensato ao deixar conselhos aos futuros governantes para que não repetissem suas ações econômicas, solicitando cuidados com os gastos públicos. D. João III, herdou este panorama na economia. Sua fama de bom administrador lhe deixou condições de enfrentar os problemas deixados por seu antecessor. Na ocasião, Portugal assumiu de vez sua vocação de povo do mar, pois no período tinha feito grandes descobertas marítimas, e enfrentado a invasão de outras nações em suas possessões. especialmente dos franceses. O comércio das Índias estava cada vez mais deficitário, portanto resolveu D. João III, investir no Brasil, uma terra ainda quase desconhecida dos portugueses. Mandou, para iniciar a "colonização", Martim Afonso de Souza com amplos poderes para ocupar e explorar a terra achada.

Martim Afonso de Souza é muito elogiado pelo historiador, não só como gestor, mas também como um homem de ciência; como um renascentista europeu, no estilo dos intelectuais italianos. Era muito amigo de D. João III, a quem ajudou a educar nos negócios do Reino com a morte de seu pai, D. Manuel. No Brasil chega não não só como um explorador, mas também como colonizador, trazendo sementes e plantas para serem cultivadas no Brasil. Suas embarcações são bem comandadas por grandes navegadores. Sua vida é marcada por grandes empreendimentos, tanto nas Índias quanto no Brasil. Alguns historiadores tecem bons comentários sobre sua vida e obra. No Brasil, é acompanhado por muitos navegadores experientes, fator que facilita a exploração de grande parte da costa brasileira, do Nordeste ao Rio da Prata, no extremo sul do país. Resolve iniciar a colonização a partir de São Vicente, em São Paulo, local que oferece condições favoráveis devido, principalmente ao seu clima. Utiliza-se de lideranças já existentes na terra como o português, João Ramalho, ainda uma figura enigmática na História Colonial brasileira. Combate os franceses na costa brasileira com sucesso. Retorna a Portugal a pedido de D. João III, para a implantação de um sistema organizado e particular de colonização no Brasil: as Capitanias Hereditárias.

No início do estudo das Capitanias Hereditárias, este sistema de administração é comparado com o regime feudal na Europa Ocidental, dominante do século X ao XII. O autor utiliza a opinião de alguns historiadores que são unânimes ao afirmar as diferenças essenciais entre os dois sistemas, destacando que a principal diferença é que as Capitanias Hereditárias eram uma instituição capitalista, ou seja, visava lucros, utilizando todos os mecanismos do mercado, inclusive a escravidão. Depois desta introdução, o historiador fala especificamente do surgimento e funcionamento das Capitanias, além de citar sua localização e seus donatários. Martim Afonso de Souza herda a Capitania de São Vicente, mas deixa nas mãos de um amigo para administrar e volta para Portugal. Realça, também os direitos dos donatários sobre a vida da Capitania e seu povoamento. Além dos detalhes sobre a Justiça, as rendas, doações, entre outros, no Sistema de Capitanias. Mostra também o papel de intervenção do Rei no governo dos donatários, que é, na verdade, quase nulo, a não ser na coleta de impostos através de seus representantes escolhidos para o cargo. O autor vê o sistema de capitanias com relativo sucesso, apesar de a História considerar que apenas duas capitanias, as de São Vicente e Pernambuco, prosperaram; afirma o historiador que as demais capitanias também tiveram um desenvolvimento relativo, e não só prejuízos deram aos donatários. Afirma também, que o sistema de capitanias hereditárias era uma fonte geradora de riqueza, e não só de trabalho, desgaste e prejuízo. É otimista quanto à iniciativa administrativa portuguesa no Brasil. Outra questão importante apontada pelo autor é sobre a participação de Martim Afonso de Sousa, que praticamente não administrou a sua capitania, voltando a Portugal, preferiu lutar nas Índias, transferindo sua gestão para outras pessoas de sua confiança. Como fator determinante é a situação econômica do donatário, pois apesar de ser um fidalgo da Corte, não possuía grandes riquezas para investir no Brasil. Esta afirmação contradiz o que falamos para os nossos alunos nas aulas de História, pois Martim Afonso de Sousa é visto como o verdadeiro administrador da Capitania de São Vicente.

Na parte do livro sobre os Governos Gerais, o autor resolve uma questão importante relativa às Capitanias Hereditárias, ou seja, se acabaram ou não, após a criação do sistema de Governo Geral. Nas escolas secundárias nunca se deu destaque a esta questão, simplesmente mudamos o foco de estudo das Capitanias Hereditárias para o Governo Geral. No livro o autor afirma, de forma contundente, que as capitanias continuaram, mas agora com um governo central. É o início da estatização das capitanias, ou seja, passam da posse de particulares para o comando do governo de Portugal.  A privatização do sistema não deu os resultados esperados, logo o Estado entra para administrar e solucionar o problema. No início do estudo, o historiador passa a mostrar as condições em que as capitanias estavam e os direitos da nova gestão do território, além da relação com os indígenas, e o poder do rei no novo sistema. Insiste o autor, no uso de documentos da época para dar credibilidade ao seu  conteúdo. Continuando o estudo dos Governos Gerais, o autor mostra em detalhes as funções de cada administrador; do Provedor-Mor, do Ouvidor-Geral e seus Auxiliares. Dos padres que vieram na expedição, chefiados por Manuel da Nóbrega. Fala da expedição de chegada de Tomé de Sousa e da cidade de Salvador. Valoriza a ação de Tomé de Sousa como um excelente gestor das finanças do Brasil Colônia.

O autor destaca a administração de Tomé de Sousa nos vários aspectos necessários para uma boa gestão das capitanias. Começa relatando e analisando a administração financeira e econômica do governo. Mostra as dificuldades no pagamento dos trabalhadores para a construção da cidade de Salvador e nas atividades das capitanias. Muitas vezes pagavam com objetos como ferramentas e utensílios. Utilizaram a mão-de-obra indígena, mas os índios não se adaptaram ao trabalho pesado exigido e se revoltavam. Muitos morriam devido a isso. O jesuítas eram contrários à exploração do trabalho indígena, pois dificultava sua ação na catequese, a principal função dos padres no Brasil Colonial. Então recorreram à importação da mão-de-obra negra vinda da África. Provavelmente a partir de 1550, os negros começaram a chegar ao Brasil. Segue, o autor, relatando todas as decisões de Tomé de Sousa ao longo de sua administração e sua relação com D. João III. Tomé de Sousa toma todas as providências para organizar as capitanias para o seu povoamento. É um administrador capaz de acompanhar todos os problemas que teria de enfrentar, sem nenhuma reclamação sobre sua missão no Brasil, que tinha, até pouco tempo deixado ao abandono. Valoriza o trabalho dos jesuítas na catequese, e até na construção de moradias para os colonos.

Sobre o governo de Duarte da Costa o autor analisa mais sua origem, personalidade e seu governo, não se ocupando muito de suas ações. Mostra que seu irmão Álvaro foi seu maior problema, pois seu comportamento excessivamente permissivo atrapalhou as ações do governo, apesar de ser um bom soldado. Teve problemas com o Bispo Pero Fernandes, pois o mesmo fazia duras críticas ao governo, chegando até a enviar carta ao rei, sendo que o mesmo fez o governador, até o Bispo ser enviado a Portugal, mas morreu no caminho de volta atacado pelos índios. Teve problemas com o Provedor Mor, resolvido com a acumulação de funções com o Ouvidor Geral, sonho de Tomé de Sousa. Conseguiu ajuda de Tomé de Sousa com o rei, pois o primeiro governador conhecia os problemas das capitanias no Brasil. Teve problemas com a invasão dos franceses no Rio de Janeiro, com a criação da França Antártica, mas resolveu a situação, tendo os franceses procurado Pernambuco para se instalar. No geral foi considerado um bom governador e uma boa pessoa.

Todos os historiadores consideram Mem de Sá como o melhor Governador-Geral, por seu caráter e ações desenvolvidas no Brasil Colonial. Foi um excelente administrador do recém formado povoamento das capitanias. Combateu os franceses no Rio de Janeiro com a ajuda de seu sobrinho Estácio de Sá, que inclusive fundou a cidade, cujo padroeiro foi São Sebastião. Teve também o apoio dos jesuítas que catequizaram os indígenas, ensinando não só a religião, mas novos costumes mais humanitários, como abolir o canibalismo e o ensino da escrita e da leitura. Manuel da Nóbrega e José de Anchieta tiveram papéis preponderantes em seu governo. Era, Mem de Sá, Desembargador, ou seja, homem de leis, e de ampla cultura, consequentemente a violência foi mínima em seu governo, quanto à punição dos culpados pela Justiça. Governou por um período muito maior que seus antecessores, pois seu bom trabalho impedia sua substituição, apesar de ter pedido para ser substituído por sua idade e cansaço, mas terminou ficando no Brasil até sua morte em 1572. Governou o Brasil por 15 anos, ou seja, um longo período, com sabedoria e competência política e administrativa.

Depois da morte de Mem de Sá, a administração do Brasil foi executada por dois Governadores Gerais; um no norte, com sede em Salvador, e o outro do sul, com sede no Rio de Janeiro, cidade que tinha prosperado muito. O motivo principal da divisão era a grande extensão do litoral brasileiro, fator que dificultava sua administração. Mesmo assim a administração deixou a desejar, e o Brasil voltou novamente a ter um único governante. E logo depois o país ficou muito tempo abandonado, cerca de 10 anos, pois a sucessão do reino português ficou impossível com a morte do sucessor natural ao cargo, consequentemente, Portugal passou a pertencer ao Reino da Espanha, local onde o rei era o principal descendente do monarca português, este é o período chamado de União Ibérica. Como conclusão, o autor faz elogios à administração portuguesa no século XVI, citando inclusive nomes que somaram na construção de um povoamento efetivo no território brasileiro, sendo os três Governadores Gerais elogiados, mais Martim Afonso de Sousa, entre outros. Mostra que o que impulsionou a economia da colônia foi a cultura da cana-de-açúcar, e não o ouro que nunca foi encontrado no período. Elogia a atuação política e administrativa de Dom João III, mesmo percebendo suas dificuldades no início do processo de colonização.

É um livro para professores de História e Historiadores, principalmente pela publicação de extensa documentação oficial do período que garante uma fonte rica para pesquisa.

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