domingo, 11 de setembro de 2022

Livro Mulheres e Imprensa no século XIX: Projetos Feministas no Rio de Janeiro e em Buenos Aires - Bárbara Figueiredo Souto

 

Livro Mulheres e imprensa no século XIX: Projetos Feministas no Rio de Janeiro e em Buenos Aires 

Bárbara Figueiredo Souto

Introdução

Este livro é o resultado da Tese de Doutorado da autora transformado em um texto mais acessível a um número maior de leitores. Mostra a atuação de mulheres na imprensa brasileira e argentina, como escritoras e proprietárias de jornais. Bárbara vê nestas mulheres uma pauta feminista na imprensa muito antes de emergir o Movimento Feminista propriamente dito no século XX - o século do feminismo. Faz uma História Comparada e transnacional, ou seja, um estudo do trabalho do jornalismo feminino no Brasil e na Argentina em defesa das questões urgentes da mulher diante de uma sociedade patriarcal dominante. Teoriza sobre as críticas e opiniões de historiadores(as) sobre a chamada História Comparada. Define o período estudado na pesquisa sobre as jornalistas femininas, Juana Paula Manso, Violante Atabalipa  Ximenes de Bivar e Vellasco e Gervázia Nunezia Pires dos Santos Neves, e delas faz uma pequena biografia. Analisa suas produções entre 1852 e 1855. Faz também uma comparação da situação histórica do Brasil e da Argentina no período, aliás muito parecidas em questões de desenvolvimento. Realça a pouca identificação do Brasil com os países da América Latina, e uma predominância europeia nessa relação. Mostra como 1852, na Argentina, foi o ambiente ideal para a produção jornalística, isto porque terminava um governo autoritário que controlava a imprensa, e iniciava um governo que restaurou a liberdade de expressão em todo o país. E Juana Paula Manso, terminou criando os jornais feministas no Brasil, em 1852 onde estava exilada, e em 1854 na Argentina depois de sua volta do Brasil. Discute a questão se as jornalistas eram consideradas intelectuais no século XIX, período em que a mulher tinha pouco acesso à cultura escolar. E para isto disserta sobre a questão do "ser intelectual", revelando que a intelectualidade de uma pessoa se fazia, em linhas gerais, pelo seu conhecimento, e por sua inserção no mundo na presença da vida pública e participante. Volta ao Caso Dreyfus na França onde se reúnem os "intelectuais" para a decisão jurídica do militar acusado de traição. Constata que as feministas em estudo eram intelectuais nos dois sentidos, ou seja, pelo seu conhecimento e por sua participação social. Sua decisão é comprovada por ampla bibliografia pesquisada.

Desenvolvimento da Pesquisa

A autora começa o livro mostrando como as publicações sobre as mulheres ou o feminismo, tanto no século XIX como no início do século XX na imprensa eram feitas através de pesquisa nos grandes órgãos jornalísticos, omitindo as redações em pequenos periódicos, fato ocorrido tanto no Brasil como na Argentina. Sendo que as mulheres publicavam, geralmente para um público menor, e em jornais de pequena circulação, de propriedade feminina ou não. Só a partir da segunda metade do século XX esta realidade começa a se modificar, Analisa a existência de um conceito único de feminismo ou a existência de vários feminismos, dependendo de cada realidade social como a Europa, Estados Unidos e a América Latina, e dentro desta linha de pensamento também questiona a existência das "Ondas" de feminismo no mundo. Defende a ideia de vários feminismos.

A Imprensa e a Educação são pesquisadas pela autora no Brasil e Argentina desde o Período Colonial de forma contextualizada, ou seja, revelando os entraves e evoluções ocorridos em ambas as áreas dentro de um sistema colonialista europeu, no caso um domínio exercido pelos países da Península Ibérica - Portugal e Espanha. Mesmo que na América Espanhola não tenha tido um controle sobre a publicação de jornais no início do domínio sobre os povos colonizados, a imprensa argentina só foi ter uma evolução praticamente na mesma época que no Brasil, ou seja, a partir de 1800; pois os portugueses impediam as publicações na colônia e só com a Vinda da Família Real (1808), implantaram a Imprensa Régia, que deu vazão para outras publicações. A Educação também não teve desenvolvimento satisfatório, pois os governos não se interessavam em aplicar investimentos no setor, daí surgirem escolas particulares mais que públicas em determinado período. No Brasil só a partir de 1827 houve maior investimento na Educação tanto para homens como para mulheres. Conforme a autora: "Observei que o panorama da educação feminina no Brasil possuía grande comunicação com a experiência argentina.(...)". Fato comprovado pela falta de financiamento da educação, principalmente, entre outros fatores.

A manutenção de qualquer jornal ou revista depende de financiamentos, seja de empresas, o governo ou assinantes. Este é um tema tratado no livro pela autora, mostrando a vida árdua para a permanência de circulação dos jornais feministas na Argentina e no Rio de Janeiro. Constata que o maior investimento partia da iniciativa dos governos, pois estes precisavam divulgar suas decisões na imprensa. Analisa também o formato dos jornais em termos de imagens, textos e diagramação. Além das diferenças entre as propostas dos jornais, das revistas e dos livros. Identifica como ocorre a produção dos mesmos, sendo que os jornais têm uma informação mais imediata, apesar de muitas vezes, ser crítica, como eram o jornais feministas no início. As revistas oferecem uma visão do presente, sem uma preocupação com a formação do leitor para o futuro, e o livro é mais elaborado, e portanto tem a possibilidade de uma revisão futura. A autora entra em detalhes sobre a composição dos jornais feministas que analisa; suas colunas, páginas, seus espaços, sua capa, logotipo, elementos compostos para atingir um público alvo - as senhoras. Expõe gráficos e imagens das capas dos jornais para análises e comparações.

Os projetos de Juana Manso desenvolvidos em suas publicações são amplamente estudados pela autora, principalmente aqueles voltados para a Educação. Defende uma escola com maior participação dos(as) alunos(as) no processo ensino-aprendizagem. Utiliza métodos de outros educadores como Pestalozzi. Em sua viagem aos Estados Unidos com o marido visita estabelecimentos de ensino e prisões. Encanta-se com o sistema prisional americano. Juana Manso vê a Educação como instrumento de transformação social, e nela inclui crianças, homens e mulheres. O Estado deve ter participação efetiva no financiamento educacional. Na Argentina, a educadora publica um livro didático da História da região platina para ser usado pelos alunos, e convida o governo para investir na publicação e utilização do material nas escolas primárias. Suas ideias educacionais têm origem, principalmente no pensamento dos iluministas franceses e ingleses, como Rousseau, Voltaire e John Locke, entre outros.

A vida escolar da feminista é narrada pela autora desde a mais tenra idade. Juana Manso frequenta a escola de primeiras letras e depois passa a ser autodidata, inclusive fazendo traduções de livros estrangeiros. Publica romances, sempre com o foco de defesa da emancipação e educação feminina. Participou de várias atividades nas escolas, inclusive sendo Diretora de Escola e professora. Todo seu trabalho foi voltado para a formação integral da mulher, e fazendo críticas diante da postura masculina diante da situação feminina. Tentou de todas as formas a ampliação da participação da mulher na sociedade, e não só no espaço limitado da família. Até no teatro, Juana Manso teve participação como autora e atriz. A questão da Educação da Mulher é fundamental em seu projeto de trabalho. Produz romances, defende a abolição da escravidão no Brasil, a emancipação das mulheres e dos indígenas através de suas obras. É uma educadora permanente, e a imprensa é seu espaço maior de suas lutas. Foi professora, escritora, jornalista, mas acima de tudo foi feminista.

Joana Manso obteve muito apoio pela publicação de seus jornais, especialmente no Brasil, através de suas leitoras e colegas de trabalho, mas teve também, durante toda sua vida, oposição de pessoas contrárias a suas ideias, e até ao seu perfil de mulher fora dos padrões estéticos e ideológicos da época, pois não era recatada, delicada, bela e submissa, e ainda era gorda, feia, pobre e protestante. Foi agredida fisicamente enquanto fazia palestra em defesa de suas ideias, além dos ataques de críticos na imprensa. Muitos estudos sobre Joana Manso são citados e analisados pela autora no livro. Questiona algumas ideias sobre o papel social e histórico da feminista nesses estudos, tanto de pesquisadores brasileiros quanto estrangeiros, mas não deixa de ressaltar que esses trabalhos constituem-se em contribuições intelectuais para a valorização e resgate da memória da grande personagem que deixou suas marcas em defesa da mulher, utilizando principalmente a imprensa, em três países: Argentina, Uruguai e Brasil.

No final do livro, a autora analisa com mais detalhes os projetos dos jornais feministas do final do século XIX na Argentina e no Brasil, e de suas autoras e colaboradoras. Explicita, entre outras conclusões, que a imprensa era o espaço de criação literária, não só para as mulheres, mas para os homens que tinham vocação para a escrita, além de ser o espaço de formação da cidadania, como era proposto pelas feministas em todas as suas publicações. Como Juana Manso, que tinha como meta principal a educação moral e intelectual das mulheres, em linhas gerais. Destaca, a autora, o papel das colaboradoras do Jornal das Senhoras, no Rio de Janeiro, que pretendiam dar sequência ao trabalho de sua criadora, apesar, que de forma estratégica, me parece, demonstrassem sua pouca capacidade para o cargo, ou talvez, para não, de forma ostensiva, competir com os homens em seu domínio, afinal a sociedade patriarcal não "permitia" este papel de escritores(as) para as mulheres, ainda. Um discurso moderado parece ser, na visão da autora, elemento importante para conquistar as leitoras. Destaca também que quanto maior o número de colaboradoras, mais tempo o periódico duraria, o que confirma o maior tempo de circulação do Jornal das Senhoras no Rio de Janeiro, que conseguiu circular por quatro anos. Juana Manso com a separação do marido passa a dedicar maior tempo de sua vida como mãe, como era comum em sua época.

Em uma breve tentativa de conclusão percebi que os jornais criados pelas feministas de meados do século XIX foram espaços privilegiados de crítica social e defesa de direitos iguais entre homens e mulheres, além da insistente defesa da Educação feminina como instrumento imprescindível para a garantia desses direitos. Em sua crítica, entre muitas outras, opinavam até sobre a moda feminina. Achavam que a moda europeia, e principalmente a francesa, precisava de adaptações para nossa realidade tropical. Também utilizaram publicações masculinas que defendiam os direitos das mulheres, afinal não queriam tomar o poder dos homens, mas garantir a todas as mulheres os mesmos direitos. Além dos direitos legais defendiam a igualdade quanto à capacidade intelectual igualada à dos homens. Não podiam ser inferiores aos homens, pois como eram capazes de educar seus filhos e dominar o espaço do Magistério? A suposta inferioridade feminina só podia ser justificada com  a aplicação de uma sutil ideologia de poder, que as jornalistas tentaram desconstruir/revelar com suas publicações.

Querem mais? Acho que não!





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