domingo, 17 de agosto de 2025

Os Bispos Católicos e a Ditadura Militar Brasileira - A Visão da Espionagem - Paulo César Gomes




Introdução
Uma primeira motivação para a leitura do livro é a formação histórica do Historiador, pois faz parte da nova geração de pesquisadores que não sofreu as influências de seu tempo como eu. Como diz um provérbio árabe: "Temos mais influência do nosso tempo do que de nossos pais." Eu vivi o tempo da Ditadura Militar em minha cidade do interior de Minas Gerais, portanto sem muitas informações sobre o período histórico vivido pelo Brasil no período. Mesmo que eu tenha sido professor de História a partir da década de 1980, não tinha as informações necessárias para uma análise crítica do momento político da época. Cheguei a dar aulas de Educação Moral e Cívica e de OSPB (Organização Social e Política do Brasil), com um visão sócio-política da Ditadura Militar. Na Apresentação, o historiador, apresenta alguns detalhes importantes como a construção gradativa de oposição ao Regime Militar (1964-1985), por parte da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), mostrando que esta reação não teve unanimidade dentro da ala da Igreja Católica chamada de Progressista. Alguns bispos não deixaram de apoiar o Regime Militar, mesmo quando aumentou a crítica religiosa de combate à violência e censura imposta, inclusive com a perseguição de padres. Mostra que, historicamente, houve uma ligação forte dos governos com a Igreja Católica, daí ocorrer um certo cuidado dos militares ao combater os bispos, além do significado simbólico do poder da Igreja no meio da sociedade brasileira, por ser a denominação majoritária em número de seguidores em todo o país.

Desenvolvimento
O autor começa o estudo analisando as publicações de escritores sobre o papel da Igreja Católica face ao Regime Militar. Mostra que a Igreja nunca foi homogênea diante das posturas dos militares, e em toda sua história. Entre os próprios bispos chamados de progressistas haviam divergências de opiniões, além de bispos que mudaram de opinião a partir de sua própria visão dos fatos da época. Salienta o papel institucional da Igreja, que mesmo tendo seu papel ligado às questões sociais e políticas, não deixava que estas modificassem os fundamentos teológicos da instituição ao longo da história, ou seja, sua vocação para os caminhos da fé. Faz, o autor, uma evolução dos percursos da Igreja em sua história de relacionamento com o poder desde a Antiguidade, passando pelos períodos históricos. Identifica a Reforma Protestante como a fase em que a Igreja Católica perde sua unidade no mundo, além do surgimento de outras religiões. Analisa a ação do Papa Leão XIII em sua Encíclica Rerum Novarum, na qual faz críticas tanto ao Capitalismo, quanto ao Socialismo, colocando a Cristandade como terceira via. Vê a Encíclica de Leão XIII como o documento, talvez, mais importante da Igreja Católica sobre as questões sociais. Mostra que o papel do Papa na Igreja Católica, é principalmente político e de defensor da unidade da fé. E textualmente; "O papa é, pela tradição, o guia da política e o intérprete infalível da doutrina; já os bispos não são apenas os representantes do papa, mas também chefes da instituição católica." (pág. 22). Os bispos são considerados os sucessores dos apóstolos e responsáveis por santificar, ensinar  a doutrina e comandar suas comunidades.

A seguir, o autor passa a narrar a história da Igreja Católica desde o Período Colonial no Brasil. Mostra as relações de poder entre a Igreja e o governo português. Sendo que no início da colonização houve o predomínio do governo sobre o poder espiritual da Igreja, pois a mesma veio ao Brasil com a ajuda do rei de Portugal, portanto tinha o governo o direito da nomeação de padres e bispos. Com o tempo essas relações foram se modificando. Com a criação da CNBB, a Igreja se fortalece como instituição, mesmo que o autor afirme que a CNBB não é a mesma coisa que a Igreja, como as históricas Ordens Religiosas, também não o são. Com o golpe militar de 1964, a Igreja ficou ao lado do novo regime, pois tinham um inimigo em comum: o Comunismo. Com as perseguições e a censura, inclusive de padres, a CNBB passa a fazer oposição ao governo, tornando-se instrumento importante para a conquista da redemocratização do país. Realça, o autor, o papel do Papa Leão XIII e do Concílio Vaticano II para a preocupação social da Igreja. Nos primeiros anos do Regime Militar no Brasil, a CNBB ficou dividida entre o apoio ao golpe militar e a sua oposição por parte de alguns bispos. Pastorais importantes foram criadas no período como a Pastoral Operária, e também a Campanha da Fraternidade que existe até hoje para amenizar os sofrimentos do povo, especialmente, em sua origem, a população nordestina. Conforme o autor, a convivência entre a Igreja Católica e os governos instalados não deixou de existir, mesmo em episódios violentos contra padres.

A partir do período do Regime Militar chamado de "Anos de Chumbo", a CNBB é mais incisiva no combate à violência praticada pelos militares, mas condena também as ações terroristas das esquerdas. A Igreja e o governo criam uma Comissão Bipartite secreta para manter as boas relações entre as duas instituições. A violência praticada pelo regime chega até o Vaticano e a outros países, principalmente aos Estados Unidos. As massas ficam fora das decisões entre o governo e a CNBB. Segue o Autor, analisando as posturas dos Bispos da CNBB diante das atitudes dos militares no poder. Sendo Dom Hélder Câmara o mais incisivo no combate à ditadura, não só no Brasil como no exterior. Em um documento do Estado do Amazonas, os bispos são explícitos no combate ao Capitalismo, afirmando: "é preciso vencer o capitalismo." Não viam como vencer as desigualdades dentro do sistema capitalista, mas sem propor alternativas, e nem apontar para o Comunismo. Em quase todas as manifestações dos Bispos, existia a possibilidade da coexistência pacífica entre a Igreja e o Estado. Na década de 1970, o padre da nossa Paróquia, também sem se declarar comunista, afirmava que não adiantavam reformas sociais sem a mudança do sistema, e não bastava mudar o homem sem mudar o sistema. O autor não fala de Comunismo... ainda!

A partir da chamada Abertura Política no governo de Ernesto Geisel, a CNBB toma uma postura mais moderada de combate ao Regime Militar, apesar da censura e das tensões ainda existentes. Nasce, no período, o Partido dos Trabalhadores (PT), e assume o Vaticano, o Papa João Paulo II, declarado anticomunista, que condena, no Brasil, a Teologia da Libertação. Dom Pedro Casaldáliga  declara publicamente que utilizou as ideias marxistas para conhecer melhor o Capitalismo. O autor, em sua análise, mostra que não havia consenso nos chamados grupos "Progressistas" e "Conservadores" dentro da CNBB. Informa que esta classificação monolítica facilita o estudo, mas não é verdadeira, inclusive entre os nomes fortes nos dois grupos. Realça, que com todas as variações de posturas, a CNBB sempre conservou uma unidade religiosa ao lado de sua ação política. E que nunca abandonou sua relação histórica de convivência harmônica com os governos ao longo da História. Sempre soube manter este equilíbrio, mesmo que numa "corda bamba" permanente. Ao final do capítulo 1, o autor revela que a ação política da CNBB foi importante para manter os direitos individuais dos cidadãos e da democracia no país, inclusive com sua participação na Constituição de 1988.

A oposição ao Regime Militar, conforme o autor, atuou de duas formas: a radical, caracterizada por atos terroristas como assalto a bancos, sequestro de embaixador, etc.; e a moderada através da Igreja Católica, que sempre manteve um diálogo com o governo, e de outras instituições como a OAB e a ABI. Os radicais combatiam o Capitalismo como solução para resolver os problemas nacionais, e defendiam o Socialismo/Comunismo como alternativa de governo. Visão não compartilhada pelos moderados, pelo menos não explicitamente. Os moderados, em linhas gerais, queriam a volta da democracia. Mostra também que aos poucos estas formas de oposição foram combatidas com eficiência pelo governo e praticamente desapareceram. A maioria da população não participou da oposição diariamente, pois continuavam lutando pela sobrevivência. Eu participei da oposição ao Regime Militar de forma moderada através dos encontros da Igreja Católica em minha cidade. No trato sobre o aparato da repressão, o autor mostra, inclusive utilizando a opinião de outros historiadores, que não havia homogeneidade dentro das Forças Armadas, aliás, esta sendo utilizada pela primeira vez ao longo da história do Brasil, de opiniões e posturas entre os militares. A classificação simplória entre os chamados de "linha dura" e os outros mais flexíveis, não tem respaldo histórico. Analisa a repressão à luz dos governos Castelo Branco, Costa e Silva, Médici e Geisel. Segue fazendo uma exposição sobre os órgãos de segurança desde os tempos dos governos de Washington Luís, passando por Getúlio Vargas e se concretizando como um Ministério nos Governos Militares. Continua o autor, a esmiuçar o funcionamento dos órgãos de segurança do Regime Militar a partir de 1970, com o endurecimento da repressão aos chamados subversivos civis e militares, além da análise da oposição ao governo, tendo seu principal alvo o Partido Comunista. Reconhece que os organizadores dos relatórios da espionagem do Regime Militar eram de extrema competência, pois tinham o maior zelo na legalidade das ações.

Na última parte do livro, o historiador foca na espionagem do sistema de segurança do Regime Militar nas ações dos Bispos, citando que houve vigilância também sobre professores, jornalistas, trabalhadores, advogados e estudantes. Já em meados da década de 1960, começaram a investigar alguns Bispos, principalmente Dom Hélder Câmara, que estrategicamente fazia suas denúncias mais veementes no exterior, principalmente na Europa. Mesmo que no início do novo governo, tenha apoiado a "revolução". Interessante notar que os principais Bispos que combatiam o Regime Militar eram do Nordeste, inclusive se falou vagamente sobre a separação do Nordeste e Norte do resto do Brasil. As duas principais vertentes de combate partiram das zonas urbanas e dos campos. O autor apresenta vários documentos oficiais e fotografias do período estudado, inclusive textos na íntegra sobre a ação dos Bispos no Brasil e no exterior. Faz uma relação dos Bispos considerados Socialistas pelo governo, na lista consta o Bispo Marcos Antônio Noronha, da Diocese de Itabira (MG). Desta Diocese participava todo o Vale do Aço. Participei da comunidade católica neste período. Das organizações religiosas de leigos, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), são citadas nos relatórios militares como grupos de esquerda. D. Paulo Evaristo Ars entra em cena em 1972, e não sai mais, mesmo que Dom Hélder Câmara seja a figura religiosa mais visada pelo governo. Mostra, o autor, como as relações entre a Igreja e o Estado ocorriam e suas sutilezas. Mas a Igreja sempre foi a mais vigiada, e o principal canal de reivindicações da sociedade.

O livro nos introduz em questões que sempre foram tratadas de forma superficial, principalmente sobre a chamada "ameaça comunista" de combate ao governo. Conforme o autor, o Comunismo estava infiltrado em todas as instituições sociais, políticas e religiosas como a OAB, a ABI a CNBB e o MDB, na visão da Comunidade de Inteligência. Na escola aprendemos que o MDB, por exemplo, era uma "oposição consentida" para legitimar as decisões do governo, e não o  abrigo de um foco comunista, principalmente da ala mais jovem. O combate à oposição dos religiosos era mais cuidadosa, representada pelo simbolismo do poder religioso diante da população, por isto, sua ação foi mais consistente através do Bispos no Brasil e no exterior. Tentaram até impedir seus passaportes, mas desistiram pelos "custos" políticos. Fato novo é a presença de Protestantes na oposição ao Regime Militar, inclusive é citado um pastor da Igreja Pentecostal Brasil para Cristo, sendo que não existe nenhum estudo sobre o assunto. E a presença de padres católicos também é citada na oposição e organização de movimentos de estudantes e trabalhadores contra a Ditadura, e não apenas de Bispos. Em nossa região alguns padres tiveram de responder processos no Tribunal Militar de Juiz de Fora (MG), mas não existindo nenhuma condenação por subversão. Nesta época eu era estudante no Ensino fundamental.

Sobre a questão fundiária, o Bispo Dom Pedro Casaldáliga, é o mais visado por suas intervenções incisivas em defesa dos posseiros e índios. A ação dos órgãos de informações do governo são limitadas pelo Poder da Igreja Católica frente à população e o governo. Os dois lados - o governo e a Igreja -, prezam pela "harmonia" histórica entre os poderes. A desinformação não deixa de existir dos dois lados: Bispos e governo, sem retaliações. Durante o final do Regime Militar, a questão fundiária foi dominante. Lembro de uma reunião que tivemos sobre a situação do campo na Amazônia, com padres da região vindo para nossa cidade para explicar o que acontecia no Norte do país sobre a relação governo/fazendeiros/posseiros. Era claramente a defesa dos últimos. E acreditávamos, sem dúvida, em seus direitos. Afinal, éramos Igreja. O historiador consegue ser imparcial em todas as questões tratadas, e ser atendo unicamente às informações documentais para sua análise. Encerra o livro mostrando que nunca houve unanimidade no combate ao Regime Militar por parte da população brasileira, e nem em relação à Igreja Católica; e quase uma cumplicidade entre os militares e a CNBB, devido ao simbolismo representado pelo ideário de maior nação católica do mundo conferido ao Brasil.

Vale a pena a leitura integral do livro pelas vastas informações documentais contidas, principalmente sobre os órgãos de segurança do governo militar.

 

Postagem em destaque

O Modo Petista de Governar - Organizador: Jorge Bittar

  Introdução O livro é uma produção coletiva,  como é informado em seu início. Nas orelhas do livro, através de alguns pequenos textos, os a...

Postagens mais visitadas