segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Uma Breve História do Cristianismo

Uma Breve História do Cristianismo

Geoffrey Blainey

Introdução:
O autor faz um estudo histórico da vida de Jesus e do Cristianismo. Insiste em afirmar que não escreve o livro como teólogo, mas como historiador. Inclusive utiliza expressões próprias de historiadores quando não tem informações seguras do fato como: "parece que Jesus foi batizado..."; "muitos afirmam que..." Utiliza muitos acontecimentos da Bíblia conhecida para exemplificar sua pesquisa. Nas páginas iniciais apresenta vários mapas da Palestina para localizar os fatos ocorridos no início do Cristianismo.

Desenvolvimento:
Começa o livro relatando o início da vida de Jesus com algumas informações históricas sobre seu nascimento e vida na comunidade dos judeus. Relaciona suas parábolas com seu conhecimento da realidade social de sua época, pois utiliza nessas parábolas, informações sobre a agricultura, principalmente. Sobre a morte e ressurreição de Cristo, o autor segue os textos dos evangelhos, principalmente Marcos, que é o primeiro evangelho. Destaca a participação das mulheres na vida de Jesus, sendo que a mulher era muito discriminada na religião judaica. Mostra também como Jesus sempre esteve ao lado dos pobres e trabalhadores mais simples. Não acrescenta nenhuma novidade a respeito da ressurreição de Cristo, apenas alguns relatos com pequenas diferenças, principalmente sobre sua fala na hora de sua morte, que um soldado ouviu e transmitiu. Enfim, segue a tradição bíblica. No início da expansão do Cristianismo, Paulo torna-se o principal personagem em sua divulgação, fato determinado por sua conversão, que ainda continua envolta em mistério. Neste período, o Cristianismo conviveu com outras religiões mais antigas, fato que determinava sua credibilidade. Daí a procura da relação do Cristianismo com o Judaísmo, religião milenar, da qual Paulo tem sua origem.

O autor começa a narrar como funcionavam as comunidades primitivas do Cristianismo, ou seja, logo após a Ressurreição de Cristo. Mostra que alguns líderes foram surgindo e que deram o nome de Bispos, que quer dizer inspetor. A partir desse Cristianismo primitivo tem início alguns definições teológicas que entraram para a História como a inserção da Trindade, em que existem três pessoas na formação da divindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Também o Batismo e o jejum são debatidos e seguidos pelas comunidades. Os encontros eram realizados nas famílias, pois ainda não tinham uma visão de Igreja Templo, como no Judaísmo. Reuniam para comer o pão e beber o vinho, como fez Jesus na última ceia. Mas as perseguições aos cristãos aumentavam cada vez mais, pois existiam vários cultos à época, principalmente o culto aos deuses do Imperador. Muitos morreram em nome da religião cristã, incluindo muitas mulheres. As perseguições cessaram quando o Imperador Constantino se "converteu" e concedeu liberdade de culto a todas as religiões do Império. Constantino foi considerado pelo autor como o Libertador dos cristãos, mas buscava mesmo era uma unidade de seu Império que estava muito dividido, e os cristãos, apesar das perseguições, continuavam crescendo, pois não discriminavam credos em suas obras de caridade, principalmente durante as epidemias.

A partir do século IV começam a surgir as chamadas heresias, e a primeira foi o Arianismo que defendia que Cristo era mais humano que Deus, fator que parece aproximar essa teologia da vida do povo. Mas os arianos valorizavam muito a pessoa de Jesus, acreditando que ele era filho de Deus, mas não igual a Ele, o que leva a sua valorização. Essa doutrina se espalhou muito pelo mundo conhecido à época, situação que criou uma divisão no Império Romano, portanto incomodando ao Imperador Constantino que defendia a unidade de seu reino. Constantino, para resolver o problema convoca um Concílio para resolver as divisões existentes. No final, saiu vencedora a ideia da Trindade defendida pelos primeiros cristãos, mesmo que a decisão não tenha contemplado a maioria do Império, pois houve pouca participação de Bispos, principalmente do Ocidente. E como disse o historiador do livro, em caso de teologia e política 10º de diferença vira 90º. Logo não dá pra discutir esses assuntos.

O autor passa a relatar sobre a formação das Ordens Religiosas, que na verdade não foram de iniciativa da Igreja, que ainda não era organizada como instituição, fato ocorrido a partir de sua liberdade de culto no Império de Constantino; mas por iniciativas de vários leigos religiosas em diversas regiões da Europa e África. Estes líderes criavam os mosteiros e determinam regras para seus membros, eram mais normas disciplinares do que religiosas, porque a Bíblia era o texto básico a ser lido e ouvido nesses locais, mesmo na oração das refeições. Além da questão religiosa, os mosteiros tiveram papel importante na resolução parcial de vários problemas sociais, como a questão da pobreza vivida pelo povo. Trata, o autor, também da situação do casamento, pois achavam que o patrimônio de padres e bispos fazia parte da riqueza da Igreja quando seus mandatários morressem, por isso eram a favor do celibato. As mulheres criaram seus próprios Conventos, pois ao lado dos homens seriam um problema mundano. Os mosteiros diferem da vida de Jesus, pois ele vivia no meio da multidão nas cidades e nas sinagogas para ensinar. Algumas Ordens ficaram famosas como a dos Beneditinos que desenvolve seus trabalhos até hoje.

Como o Cristianismo primitivo sempre foi questionado sobre questões doutrinárias, estas favoreceram o surgimento de novas teologias na Europa. As questões sobre a divindade e humanidade de Jesus sendo avaliadas e revistas em Concílios, deram margem a posições "heréticas" e até para o surgimento de outras religiões e culturas com a muçulmana. O Islamismo criado por Maomé no século VII conseguiu se expandir para a maior parte da Europa e norte da África com suas ideias e conquistas militares. Apenas Jerusalém ofereceu alguma resistência ao seu domínio, mas ali os muçulmanos permaneceram por muitos séculos, disputas que continuam até hoje. Ninguém nunca pensou que o domínio muçulmano permanecesse por tanto tempo no mundo, mas um fator que favoreceu este domínio foi a escrita do Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, escrito apenas por uma pessoa, Maomé, enquanto a Bíblia foi escrita por várias pessoas e em um espaço muito longo de criação, além das constantes mudanças que sofreu, principalmente na Idade Média. Portanto sua compreensão fica muito mais complicada.

O autor trata também de um tema que ainda hoje é discutido em todas as religiões, ou seja, a adoração de imagens. Na Idade Média se discutia, tanto na Igreja Católica do Ocidente, em Roma, como na Ortodoxa, de Constantinopla. Discussão que voltaria à tona com a Reforma Protestante. A Igreja Ortodoxa se expandia mais na Idade Média do que a Igreja de Roma. O Papa que ficava em Roma não se comunicava com o Patriarca, de Constantinopla. Era como se fossem duas Igrejas diferentes. A questão das imagens nunca chegou a uma solução. No livro também é tratada a situação do celibato, também sem nenhuma solução definitiva, pois permaneceu um caos a questão dos casamentos de padres até o Concílio de Trento, quando se criaram os Seminários para a formação de padres. Se discute a questão dos Mosteiros, que eram mais uma forma assistencialista de acolher os mais necessitados, e tinha pouca participação de mulheres. Os Mosteiros são estudados com mais profundidade no próximo capítulo, mostrando seu funcionamento, poder e rotina, além da ampliação de seu número a partir do ano 1000, pois os religiosos esperavam uma segunda vinda de Cristo. Muitos Mosteiros prestavam um ótimo serviço religioso e de trabalho para a comunidade da época, ou seja, eram mais próximos do povo do que as Igreja, é o que o texto deixa transparecer. Faz, o autor, uma leve explanação sobre os péssimos Papas que a Igreja Católica teve no período.

Pelo texto percebe-se que a Igreja Católica, com o tempo, foi assimilando decisões e ideias das comunidades que interessavam a ela (a Igreja), durante a Idade Média. Por mais de mil anos ninguém falava sobre o Purgatório, pois o povo acreditava que seria salvo em nome de Cristo, e todos iriam para o céu, inclusive imaginavam o tamanho do céu para abrigar tantos salvos. O inferno começou a ser aceito depois de um certo tempo, para punir os maus. E o purgatório surgiu no início do ano 1000, talvez pela desilusão com a segunda volta de Cristo. Acreditavam que pecados menores deveriam ser perdoados em um lugar que oferecesse alguma punição a esses pecadores. Falavam também que as orações e contribuições ajudariam a antecipar a ida dos pecadores ao céu. Aí entrou o interesse da Igreja em receber doações com essa finalidade; certamente foi o início das famosas indulgências contestadas por Lutero 500 anos depois.  A procissão de Corpus Christi é mais uma contribuição de uma monja que interpretou um de seus sonhos. E o culto a Maria teve seus momentos altos e baixos. O autor discorre sobre o século XII, que foi um período de grande progresso artístico, especialmente na construção de Igrejas no estilo gótico, e do surgimento da principais universidades europeias.

As Ordens Religiosas têm um capítulo dedicado a seus fundadores, seguidores, origem e evolução. Os Franciscanos e Dominicanos são as Ordens mais estudadas. No início essas Ordens caracterizaram-se pelo voto de pobreza de seus líderes e seguidores. Mas com o tempo de desenvolvimento das cidades no século XII, essas Ordens se enriquecem, principalmente por seus envolvimentos na Educação e Universidades. Surgem templos ricos e belos dessas Ordens. São Francisco de Assis é conhecido por seu amor às aves e à natureza. Deixa uma vida de riqueza para viver na mais extrema pobreza, situação que desagrada seu pai, rico comerciante. É nessa época que surgem os bancos na Europa, ou comerciantes de dinheiro. Sobre as Cruzadas, o autor fala pouco, apesar de sua importância histórica. Realça os objetivos das Cruzadas, que incluía a devoção cristã na batalha, e não só as recompensas de perdão dos pecados, e a herança do Paraíso. Mostra como as Cruzadas duraram quatro séculos e a existência de defensores/acusadores de suas ações, ou seja, como alguns historiadores a defendem e outros a condenam. Reforça os interesses comerciais das cidades de Veneza e Gênova na Itália no empreendimento das Cruzadas.

O trabalho social da Igreja Católica na Idade Média é valorizado pelo autor. Mostra como a participação da Igreja era ampla, desde o atendimento aos mais necessitados até sua participação em quase todas as Universidades da Europa. As Ordens Religiosas também participavam deste trabalho. Apesar deste belo trabalho, a Igreja continuava desunida pelas posições papais, inclusive chegando a ter duas sedes e três papas ao mesmo tempo, pois a Igreja Ocidental foi dividida em duas, com uma na França e outra em Roma, além da Oriental. A sede da Igreja passou a funcionar na França, pois o Papa não queria conviver com a confusão da cidade de Roma, fato que provocou um declínio das atividades econômicas da cidade. Mesmo que considerassem Roma a cidade central do Cristianismo, pois São Pedro foi sepultado na cidade. Começam a surgir, já no final da Idade Média, os primeiros reformistas que contestavam a vida pregressa dos papas, bispos e padres, e dogmas da Igreja, como John Wycliffe e Jan Hus. Foram os precursores de Lutero no século XVI. Novamente o autor volta às questão das Cruzadas entre cristãos e muçulmanos, realçando que as Cruzadas não tinham objetivos apenas religiosos, mas comerciais também. A vida dos peregrinos foi assunto bem desenvolvido pelo autor, mostrando que muitas ações deles eram apenas viagens a passeio, e noutras eram realmente uma preocupação religiosa, ou seja, de perdão dos pecados para aliviar as penas do purgatório. Muitas vezes essas viagens eram planejadas por anos pelas longas distâncias, e nem sempre realizadas, pois geravam muitas despesas.

A partir da segunda parte do livro, o autor deixa a Idade Média e começa a Idade Moderna, tempo da famosa Reforma Protestante e da Contrarreforma Católica. Começa o texto estudando sobre o grande teólogo e intelectual Erasmo de Roterdã, e Martinho Lutero, dois nomes importantes do período. O primeiro foi excelente professor, mas não tinha a ousadia de Lutero, outro grande teólogo e professor de Universidade. Na Reforma de Lutero, este tem a coragem de enfrentar o poder da Igreja Católica e da classe política da época para divulgar suas ideias, aproveitamento de um momento favorável que foi a criação dos tipos móveis de Gutenberg para imprimir suas obras, além de conflitos militares contra Roma. Outros líderes reformadores continuam a obra de Lutero, mesmo com algumas diferenças, e são todos perseguidos e assassinados pela Igreja Católica. Mas apesar das perseguições, o Protestantismo atinge outros países além da Alemanha, como a Suíça e a Inglaterra. O Protestantismo não modifica muito as doutrinas católicas, mas o elemento essencial é a abolição do celibato e o culto das imagens. E João Calvino foi o maior divulgador do Protestantismo, talvez por já ter encontrado um campo aberto de oposição à Igreja Católica, além do surgimento de várias igrejas protestantes em vários lugares, além de sua prática ser mais moderada que a de Lutero. Também surgiram vários líderes como John Knox que deu origem à Igreja Presbiteriana que se espalhou para a América do Norte. Mostra o autor, como a Reforma Protestante contribuiu para a democratização da sociedade, saindo da hierarquia católica. As seitas dentro do Protestantismo e seus líderes são assuntos desenvolvidos pelo autor, além de sua expansão para a América do Norte.

O autor dedica um capítulo ao Concílio de Trento, certamente por sua importância religiosa e histórica. Realça como foi sua organização, vindo gente de vários países da Europa e seus preparativos como alimentos para as pessoas e animais. Mostra que praticamente não houve a presença de protestantes, fato que deixou a Igreja Católica livre para resolver seus problemas. Durante o Concílio houve algumas paralisações por motivos sanitários, tendo a reunião durado quase vinte anos. No final a Igreja Católica foi favorecida, pois fez reformas necessárias para manter seu bom funcionamento administrativo e religioso. Das contestações protestantes retirou apenas as indulgências, principal ponto combatido por Lutero, mas manteve as demais mudanças propostas pelos líderes da Reforma, como o celibato clerical. O principal ponto assumido pelo encontro foi a criação de Seminários para a formação de Padres e Bispos, pois muitos deles mal conheciam os ensinamentos bíblicos. No final o Concílio qualificou o trabalho da Igreja Católica, encontro de tal envergadura só ocorreria no Concílio Vaticano II, no século XX. Além do Concílio de Trento, o autor faz um estudo histórico da descoberta da América e sua colonização em nome do poder econômico e religioso da Europa. As potências da época, Portugal e Espanha são os principais protagonistas desta colonização, em que a Igreja e as Ordens Religiosas têm papel essencial. Segue o autor falando da expansão do Protestantismo, principalmente sobre o papel de John Wesley que deu origem à Igreja Metodista, que se tornou por um século a maior denominação religiosa dos Estados Unidos.

A França do século XVIII passa a ser o foco principal de estudo do historiador, pois o país era considerado a nação mais importante do mundo, não só por suas imensas possessões na América, Ásia e África, mas pela efervescência de ideias religiosas e filosóficas. Vários estudiosos questionavam o poder da Igreja ligada à Monarquia e que vivia, em muitos casos, em desacordo com os ensinamentos cristãos, apesar de ainda ser a que melhor funcionava na Europa. Daí surgirem ideias ateístas e o poder da Ordem Jesuíta, ligada ao Papa. Além da França se preparar para a famosa e importante Revolução Francesa em 1789. Além disso, passava o país por uma grave crise financeira por ter ajudado na Independência das 13 colônias americanas, depois chamadas de Estados Unidos da América. A partir da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, o novo momento histórico torna-se mais rápido e complexo devido ao desenvolvimento econômico e social do mundo, principalmente da Europa e Estados Unidos. Esta situação faz surgirem várias seitas religiosas, principalmente protestantes. Há uma preocupação espiritual e material maior, inclusive de atendimento aos necessitados que alguns líderes e seitas assumem. A mulher passa a se envolver mais com as questões religiosas e sociais, reivindicando seus direitos iguais aos dos homens. É o tempo da intolerância religiosa nas próprias seitas, que aos poucos vai sendo solucionada, inclusive sobre a escravidão negra, que interessava muito às nações desenvolvidas da época e aos proprietários de escravos africanos.

O autor passa a mostrar como aconteceu a "cristianização" da Ásia e África por missionários protestantes e católicos, e seus vários líderes. Relaciona os países católicos e protestantes no século XIX, e como a I Guerra Mundial foi um enfrentamento de países cristãos, em sua grande maioria. Realça também como o Papa Bento XV foi contra o conflito do início ao seu final, sendo que na Segunda Guerra, o Vaticano não se posicionou sobre a matança de judeus pela Alemanha. Não seria porque Mussolini doou o território do Vaticano para a Igreja Católica, fato que o autor não cita? Durante o período das duas Grandes Guerras, os cristãos foram perseguidos pelos regimes nazista, comunista e fascista. Lênin, no início de seu governo, já definia o cristianismo como uma religião a ser extirpada da Rússia, pois era considerada o maior mal do planeta pelo líder comunista. O Concílio Vaticano II, foi considerado o evento católico que trouxe as maiores modificações do cristianismo na História; ou seja, acabou com a Missa em latim e o padre passou a celebrar de frente para o público. Numa História em que o autor vai e volta no tempo, ele trata do surgimento de várias seitas religiosas no mundo, principalmente nos séculos XIX e XX. Trata também da Teologia da Libertação surgida na América Latina, inclusive no Brasil, mas sem tomar posição contra ou a favor.

Excelente livro para quem deseja conhecer a História do Cristianismo desde suas origens até os dias atuais. Passando pelo Papa João Paulo II, os Muçulmanos, os Protestantes e os Beatles. Além de informativo, o autor analisa os fatos com seu jeito objetivo e elegante de escrever. Eu recomendo com louvor!





 

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