sábado, 6 de fevereiro de 2021

Sobre História

 


Livro Sobre História
Eric Hobsbawm
(Leitura no Kindle)
Prefácio
No Prefácio o autor fala do papel do historiador, especialmente de sua ação na profissão. Vê a História como agente de transformação do mundo. Fala sobre o historiador marxista e sua relação com a escola dos Annales. Comenta sobre suas palestras que deram origem ao livro. Mostra preocupação com os usos e abusos da História, tanto na sociedade como na política. Vê a História e as Ciências Sociais como ciências humanas. Sobre a verdade histórica vê os fatos como reais e comprovados, em oposição a uma visão de esquerda que os entende apenas como conceitos. Entende História como a comprovação do que é em oposição ao que não é, e afirma que sem esta distinção "não pode haver história."

Capítulo 1 - Dentro e fora da história
O capítulo 1, como todos os outros são palestras do autor em Universidades, principalmente. Neste capítulo fala sobre História com alunos do leste europeu, evento que marca a presença do historiador com um público identificado com sua nacionalidade, ou seja, países ligados ao socialismo soviético. No início discursa as informações históricas da formação das várias nações europeias neste território dominado pela ideologia socialista. Mostra como se originou a grande gama de pequenas nações nesta área. A seguir analisa o papel da história na formação de todas as nações e os usos e abusos desta na justificação de sua consolidação, inclusive com mentiras para impor ideologias dominantes como: "Mas, de certo modo, 5 mil anos de Paquistão soam melhor do que 46 anos de Paquistão."

Capítulo 2 - O sentido do passado
Neste capítulo o autor expõe sua visão marxista de passado e sua importância nos relatos históricos. Mesmo sendo marxista, o autor mostra os defeitos da prática socialista na extinta União Soviética, e tem a coragem de denunciar, principalmente a violência praticada por Stalin. Mostra como as nações utilizam do passado para justificar sua situação presente. Mostra como todo ser humano tem consciência de seu passado, e "Provavelmente todas as sociedade que interessam ao historiador tenham um passado." Realça que as mudanças sociais e culturais são menos aceitas pela coletividade do que as mudanças tecnológicas. Entra na História Comparativa que é um campo de domínio dos Annales, além do auxílio de outras ciências sociais para a melhor compreensão do processo histórico, como reivindicam estes historiadores, texto assim explicitado: "Mas antes de o fazerem talvez devam sistematizar suas próprias observações e buscar orientação de antropólogos e outros cientistas sociais cujas teorias poderiam ser pertinentes."

Capítulo 3 - O que a História tem a dizer-nos sobre a sociedade contemporânea?
Sobre a importância da História na sociedade contemporânea volta a denunciar os usos e abusos da História na formação das nacionalidades. Novamente elogia a visão marxista da História como uma contribuição essencial e necessária para a compreensão de nosso tempo. Cita outros autores para esta confirmação. Mostra uma preocupação em relação aos historiadores para a pesquisa histórica, e dá dicas para um trabalho em busca da verdade, e uma delas é a compreensão de que a História de todos os tempos está sempre em mudança. Volta à questão dos mitos em História e de uma alteração dos fatos para justificar um bom nome nacional, como ocorreu no Paquistão (capítulo anterior). Realça que as lições da História raramente são aprendidas. Também mostra que as inovações na sociedade não podem ser absolutamente universais, ou seja, variando de lugares e tempo.

Capítulo 4 - A História e a previsão do futuro
Hobsbawm escreve o capítulo em homenagem ao demógrafo e sociólogo David Glass. E sua dissertação desenvolve a temática da previsão do futuro por todos os estudiosos de várias áreas do conhecimento, inclusive a Demografia de Glass. Mostra como o historiador e a História são essenciais neste tipo de trabalho, mas afirma de forma categórica que os erros são comuns nesta área: "Minha opinião é a de que é desejável, possível e até necessário prever o futuro até certo ponto. Isso não implica que o futuro seja determinado nem, ainda que fosse, que ele seja cognoscível." Disserta novamente sobre passado, presente e futuro. Fala de agências que preveem o futuro, mas os historiadores não participam delas.

Capítulo 5 - A história progrediu?
O autor faz uma evolução da prática historiográfica e identifica seu progresso em meados do século XX quando a História passa a se apropriar de conhecimentos e métodos de outras ciências sociais. Começa fazendo uma explicação sobre o significado de progresso nas ciências sociais, que é diferente das ciências naturais. Questiona se os historiadores do passado eram mais cultos e inteligentes, apenas afirma que os atuais "... têm mais acesso a mais conhecimento.". Não deixa também de voltar às definições objetivas de História como ..."tudo o que aconteceu no passado é história; tudo o que acontece agora é história." E sobre o historiador: "Quem quer que investigue o passado de acordo com critérios científicos reconhecidos é um historiador.". E afirma que mesmo uma escrita de historiador que possa parecer trivialidade agora, pode, no futuro, ser considerado relevante. E finaliza: "... houve progresso na história pelo menos no curso das três últimas gerações, principalmente pela convergência da história e das ciências sociais (...)".

Capítulo 6 - Da História Social à História da sociedade
O estudo da História Social apenas estava começando quando foi escrito o atual capítulo, ainda na década de 1970, o que significa que suas discussões, aliás muito pertinentes e atuais, estavam apenas se iniciando. O autor lamenta não ter incluído em seu estudo a História das Mulheres. Hoje a História Social está consolidada nas Faculdades e especializações. Pelo texto podemos perceber os questionamentos do autor sobre as chamadas divisões da História, como História das cidades, da Escravidão, das Mentalidades, Econômica e até da Sociedade; afirmando que no fim existe apenas uma História. Parece-me que esta divisão é mais didática. E afirma: "A história social nunca pode ser mais uma especialização, como a história econômica ou outras histórias hifenizadas, porque seu tema não pode ser isolado." Acho que ele tem razão. Nota-se no texto uma profunda relação da história marxista como a dos Annales, no sentido do aprofundamento das questões históricas, e que eu chamo de "estudo das entrelinhas dos fatos históricos tradicionais." Sobre a história da sociedade afirma: "A história da sociedade é história; ou seja, ela tem como uma de suas dimensões o tempo cronológico real." É o capítulo mais teórico e marxista até aqui no livro.

Capítulo 7 - Historiadores e economistas: I
Neste capítulo, Hobsbawm navega pelo complicado mundo da teoria econômica, que não é sua especialidade, como afirma, apesar de ser um historiador marxista, que tem o econômico como fundamento. Mas mesmo assim dá uma aula de Economia, com poucas incursões pela História, infelizmente, e ainda pouco falar da relação história/economia. Enfatiza que a Economia necessita mais da História do que a primeira da segunda. Talvez, em sua visão, a História funcione como uma "garantia" de que os economistas não cometam os mesmos erros do passado, apesar de nunca ter dito isto. Enumera e analisa o pensamento de vários economistas, valorizando alguns, e outros nem tanto. Cita muito Adam Smith e Shumpeter. Sobre a História afirma: "A História, cujo objeto é o passado, não está em condições de ser uma disciplina aplicada nessa acepção, no mínimo porque ainda não se descobriu nenhum modo de alterar o que já aconteceu. No máximo podemos fazer especulações contrafactuais sobre alternativas hipotéticas. Claro que passado, presente e futuro são parte de um continuum, e o que os historiadores têm a dizer, portanto, poderia permitir previsões e recomendações para o futuro. De fato espero que assim seja."

Capítulo 8 - Historiadores e economistas: II
O autor quando fala de economia fica muito teórico e detalhista, o que torna a leitura bastante cansativa. O que facilita a leitura é a utilização de exemplos práticos para a explicação do conteúdo, técnica muito utilizada por Hobsbawm não só neste capítulo, mas em outros conteúdos também. Afirma que o economistas valorizam a História, mais do que os historiadores valorizam a Economia em seus estudos. Faz incursões pela teoria da História e da Economia, sempre em uma relação crítica de suas interações. Mostra que a História desenvolve uma pesquisa mais ampla da história humana, enquanto a Economia trabalha com o particular, embora existam algumas especializações em História. Outrossim, revela a identidade do historiador como aquele que procura as diferenças e não as semelhanças. Trabalha um pouco com a Filosofia da História em seus exemplos explicativos.

Capítulo 9 - Engajamento
Começando o capítulo, o autor explica o significado histórico de engajamento, mesmo passando por um texto longo para sua explicação, e utilizando exemplos como é próprio de sua prática para uma melhor compreensão do que pretende explicitar. Novamente é muito teórico em sua exposição, ou seja, viaja por longos caminhos para dizer pouca coisa, ou seja, que o engajamento político e ideológico é essencial para o desenvolvimento das ciências sociais. Afirma que com este engajamento, o cientista não limita sua pesquisa ao seu campo de conhecimento. O marxismo é sua forma de engajamento, sem fazer esta afirmação - esta é minha compreensão. Textualmente: "O argumento em favor das vantagens do engajamento deve ser o de que faz a ciência avançar.".

Capítulo 10 - O que os historiadores devem a Karl Marx?
Novamente um texto muito teórico pra dizer pouca coisa. O Positivismo é novamente combatido, e feita alguma referência à Escola dos Annales e sua utilização do marxismo. Vejo uma profunda identificação do marxismo com a Escola dos Annales em sua busca de aprofundar as pesquisas históricas com novos temas e objetos. As duas "escolas" buscam entender as entrelinhas dos fatos históricos, sendo o marxismo mais econômico e social, também origem dos Annales.  O autor faz uma distinção entre o "verdadeiro" marxismo e um marxismo vulgar, e defende que o último deu maior contribuição à História. Textualmente, justifica: "A influência marxista (e marxista vulgar) até agora mais eficaz é parte de uma tendência geral de transformar a história em uma das ciências sociais, uma tendência a que alguns resistem com maior ou menor sofisticação, mas que indiscutivelmente tem sido a tendência em vigor no século XX."

Capitulo 11 - Marx e a história
O autor mostra no texto que Marx não foi um historiador, mas deu grande contribuição para a historiografia com seu método - o materialismo histórico -, oferecendo uma enorme quantidade de material histórico, exemplos históricos e outros materiais relevantes para o historiador em suas obras. Interessante a colocação de Hobsbawm sobre a questão do passado em História: "Mas não eram escritos como história, tal como a entendem aqueles que se dedicam ao estudo do passado." A parte histórica de Marx, conforme o autor, ".. está integrada nos seus escritos teóricos e políticos. Todos eles consideram os desenvolvimentos históricos..." Defende ainda que "Marx continua a ser a base essencial de todo estudo adequado de história, porque - até agora - apenas ele tentou formular uma abordagem metodológica da história como um todo, e considerar e explicar todo o processo da evolução social humana." Logo, me parece a única teoria da história.

Capítulo 12 - Todo povo tem história
Este é um capítulo menor, mas sem deixar o autor de aprofundar na teoria marxista ao comentar a obra de um antropólogo - Eric Wolf - que tem uma visão marxista ao tratar as questões do capitalismo e dos povos que o assimilaram na Europa e em países de economia dependente, como a América Latina. Interessante a análise sobre os povos pré-colombianos e da Amazônia. Faz constantes elogios da obra e do autor. Afirma que todos os povos têm história, e que estão relacionados com a história de outros. E explicita "Não há povo sem história ou que possa ser compreendido sem ela. Sua história, como a nossa, é incompreensível fora de sua inserção em um mundo mais amplo (que se tornou limítrofe do globo habitado) e, certamente, no último meio milênio, não pode ser entendida exceto por meio das interseções de diferentes tipos de organização social, cada um modificado por interação com os demais.". Realça um dos valores da obra na abordagem de temas voltados para povos não europeus, pois a história tradicional tem o foco no desenvolvimento capitalista a partir da Europa.

Capítulo 13 - A história britânica e os Annales: um comentário
Este capítulo é realmente um breve comentário sobre a história britânica e os Annales. Acho que existe uma profunda semelhança entre a escola marxista e a escola dos Annales, pois ambas procuram aprofundar a busca do conhecimento através das ciências sociais, principalmente da Sociologia e da Psicologia. Daí, a intensa insistência na discussão da história das mentalidades. Na relação história inglesa e os Annales não vejo muitas diferenças no texto, pois a maioria dos historiadores ingleses é marxista, apesar do autor tentar mostrar algumas leves diferenças. É um texto pequeno, mas bastante teórico e detalhista, e sem um final conclusivo.

Capítulo 14 - A volta da narrativa
Em um pequeno texto, o autor resolve uma questão interessante em história, ou seja, se com a história marxista e dos annales, os fatos e datas foram abandonados. Quando trabalhamos a história marxista para as séries do ensino fundamental em Ipatinga, aliás, em um breve período - apenas um ano letivo (1990) -, a grande maioria nem sabia o que era, pois não tínhamos uma formação de teoria da história; observei que os fatos e as datas não eram destacados, pois o livro didático era formado por vários textos de livros, principalmente de Karl Marx, sem nenhuma cronologia, fatos importantes, grandes líderes e narrativa. Hoje tentando recuperar esta deficiência em minha formação, vejo pelos estudos que estou fazendo, que a escolas históricas que buscam um aprofundamento e variedade de objetos de estudo, não dispensam a história narrativa e factual. Hobsbawam é claro no texto: "... há evidência de que a antiga vanguarda de historiadores não mais rejeita, despreza e combate a antiguada 'história factual' ou mesmo a história biográfica, como parte dela costumava fazer." E "Fernand Braudel concedeu elogio irrestrito a um exercício notadamente tradicional da história narrativa popular..." E ainda: "Não há nada de novo em preferir olhar o mundo por meio de um microscópio em lugar de um telescópio."

Capítulo 15 - Pós-modernismo na floresta
Neste capítulo o autor analisa uma obra de um historiador sobre um povo negro do Suriname, escrito por Richard Price. No texto do livro, Price adota mais uma história tradicional narrativa e descritiva, o que contradiz com a nova história do chamado Pós-modernismo que tem como característica principal a análise e aprofundamento dos fatos, como faz o marxismo e os Annales. Mas Hobsbawm valoriza a pesquisa dentro de um campo tradicional, mas essencial como fonte de aprofundamento pelos novos historiadores. Novamente Hobsbawam trabalha a história-problema dos Annales com uma série de questionamentos sobre o texto de Price.

Capítulo 16 - A história de baixo para cima
Este é o capítulo mais voltado para a história marxista, ou seja, uma história dos movimentos trabalhistas e populares, em oposição a uma história dos grandes líderes e acontecimentos. Conforme o autor esta história de baixo para cima tem sua origem na Revolução Francesa, especialmente na obra de Michelet. Antes deste período cita os movimentos camponeses na China: "... pois é um país no qual, mesmo no tempo do império celestial, os levantes camponeses não eram fenômenos ocasionais inesperados como terremotos ou pestes, mas fenômenos que podiam ser, eram e deviam ser capazes de derrubar dinastias." Aponta o autor a causa da falta de preocupação dos historiadores com a história das classes populares, porque estas, por longo tempo, não provocavam nenhuma preocupação da classe dominante com uma possível mudança de domínio político ou econômico, mas sim, uma "aceitação" da relação grupos dominantes/dominados. Uma diferença realçada pelo autor entre a produção historiográfica dos grupos populares das demais pesquisas, é a quase ausência de fontes já prontas para o trabalho do historiador, salvo rara exceção na Revolução Francesa. Trabalha as dificuldades da história oral e outras fontes para a história dos movimentos populares. Mostra seu início efetivo com os Annales na década de 1930, e o auge em meados da década de 1950.

Capítulo 17 - A curiosa história da Europa
O autor vê a Europa não como um espaço geográfico delimitado no mapa, mas a percebe enquanto processo, ou seja, dentro de um quadro de transformações sociais, culturais, econômicas e religiosas, em um longo período, passando pelos gregos, romanos, a Idade Média dos povos bárbaros, a Reforma, a Contrarreforma, etc. Sua geografia surge na Idade Moderna. O texto a seguir é significativo sobre o tema: "Mas é isso também que torna a história da Europa tão peculiar. Seu objeto não é um espaço geográfico ou um coletivo humano, mas um processo. Se a Europa não tivesse se transformado e com isso transformado o mundo, não haveria nenhuma história única e coerente da Europa." Consequentemente, a história da Europa não é homogênea, mas caracterizada por sua diversidade.

Capítulo 18 - O presente como história
Hobsbawm trabalha neste capítulo a chamada História do tempo presente, tão aclamada nos dias atuais. Neste estudo destaca as características, dificuldades e também as facilidades na produção histórica deste tipo de história, como a existência de grande número de fontes, diferente das pesquisas mais remotas, como aquelas que tratam do século XVI, por exemplo. Mostra que a história de vida do historiador é fundamental para a compreensão do processo histórico, e cita sua experiência que viveu grande parte de sua vida no século XX, quando escreve sobre o mesmo em sua obra "A Era dos Extremos". Fala de sua visão do mundo no período como fator facilitador de compreensão de seu tempo, diferente dos novos historiadores. Vê o tempo como essencial na construção do processo histórico. Interessante sua afirmativa: "O passado é outro país. Lá eles fazem as coisas de modo diferente." Em meu livro Aposentados Ativos, pratico uma história do tempo presente e, nele, realcei minha experiência de vida e influência, no que escrevi.

Capítulo 19 - Podemos escrever a história da Revolução Russa?
Logo no início do texto, o autor responde à questão proposta, ou seja, se podemos escrever a história russa. E sua resposta é sim. Principalmente pela existência hoje de muitas fontes liberadas pelo governo russo, coisa que não acontecia antes da queda da União Soviética. Novamente utiliza a história-problema para seu estudo, e faz muitos questionamentos sobre a revolução de outubro. Mostra que não teremos uma história definitiva da revolução russa, pois existem muitos perguntas não resolvidas sobre o evento. Questiona a ação dos líderes e partidos na revolução; a repercussão desta no mundo e sua possível exportação, entre outros questionamentos. Uma resposta, entre tantas perguntas: "... os bolcheviques sobreviveram porque eram a única força potencial de governo nacional depois do czar." (posição 5353).

Capítulo 20 - Barbárie: Manual do usuário
A essência do capítulo é sobre a violência generalizada no mundo, especialmente no século XX. O autor mostra que o início da barbárie ocorre com a I Guerra Mundial, inaugurando a "era mais assassina até então registrada na história." (posição 5476). Faz um relato dos principais episódios violentos ao longo da história desde a Idade Moderna. Mostra como a tortura é a manifestação da barbárie entre Estados capitalistas e socialistas. Vê o Iluminismo como modelo de exemplo a ser seguido, e que hoje está abandonado na contenção da violência entre indivíduos e nações. Interessante, ao mostrar, sobre a tortura na década de 1970,  o Brasil em relação à violência, como "... relativamente pacífico, e não uma cultura naturalmente sangrenta como a da Colômbia ou México..." (posição 5623). Vê a II Guerra Mundial como o auge da barbárie no mundo. Realça que o grande problema da violência é quando a vemos como normal, e as questões do dinheiro mais importantes.

Capítulo 21 - Não basta a história da identidade
Neste capítulo o autor trata da questão da identidade do historiador e do tema tratado numa micro-história, em oposição a uma história universal. Para iniciar o capítulo relata sobre o encontro de historiadores para discutir a situação de uma comunidade que foi invadida pelo exército nazista na II Guerra Mundial, em que houve várias mortes. Neste encontro, depois de 50 anos, participaram pessoas que sobreviveram ao massacre, as quais deram vários depoimentos orais e escritos, daí a história da identidade. Faz comentários sobre os relatos de moradores e da posição de historiadores, inclusive de um historiador que viveu o fato quando era criança. Sobre a questão da identidade nacional mostra como ocorre a construção dos mitos e a busca da verdade pela história. Sobre a questão da identidade e do papel do historiador afirma: "Os historiadores, conquanto microcósmicos, devem se posicionar em favor do universalismo, não por fidelidade a um ideal ao qual muitos de nós permanecemos vinculados, mas porque essa é a condição necessária para o entendimento da história da humanidade, inclusive de qualquer fração específica da humanidade." (posição 5907). Concluímos, portanto, que toda história deve ser contextualizada.

Capítulo 22 - Introdução ao Manifesto Comunista
Neste último capítulo, o autor trata do tema principal de sua especialidade - o marxismo. Primeiro faz um histórico da produção e expansão do Manifesto Comunista. Depois trata de sua importância histórica, e também dos elementos superados em suas ideias, como o "fim do capitalismo e da burguesia". É enfático no papel de Marx e Engels para a teoria do comunismo soviético e dos movimentos da classe trabalhadora. Enumera os países e continentes onde o Manifesto foi publicado, inclusive em língua portuguesa. Mostra de forma imparcial, os pontos em que Marx se equivocou, principalmente por sua imaturidade política, e também por sua juventude, junto com Engels. Mas realça sempre o valor do Manifesto para a história e a classe trabalhadora. 

Um bom livro para se conhecer um pouco a história marxista, apesar de trabalhar, talvez em excesso, a teoria em suas explicações.

O Espelho de Heródoto

 


Livro O Espelho de Heródoto
François Hartog

Prefácio
No prefácio, o autor destaca a atualidade de Heródoto, pois a "livros e artigos consagrados a Heródoto aparecem a cada ano, num ritmo constante.". Como acontece com outros autores, compara a obra de Heródoto com a de Tucídides. A literatura e a gramática são utilizadas intensamente pelo autor na explicação de seu texto, entrando em detalhes próprios dos historiadores pós-modernos. Utiliza bastante os textos de Heródoto, fazendo um trabalho de comparação com outros escritores gregos, especialmente das epopeias. O texto é claro em seu início e final, sendo o meio mais teórico, como o fazem os historiadores dos Annales e marxistas. Observação feita diante de minhas últimas leituras.
Sobre a veracidade das Histórias (p. 31).

Sobre as publicações referentes às Histórias (p.404).

Introdução
Na Introdução, o autor faz muitos questionamentos sobre as Histórias de Heródoto, mas sempre valorizando seu trabalho de historiador, que hoje é incontestável, inclusive como o primeiro historiador e Pai da História. Mostra como Voltaire é uma de suas inspirações para a produção do livro como no texto: "Quase tudo que ele contou dando fé aos estrangeiros é fabuloso; mas tudo que ele viu é verdadeiro." Daí a defesa da visão como digna de verdade, em oposição à audição, ou seja, daquilo que se ouviu dizer. Daí também o espelho de Heródoto relacionado à visão. Interessante como a maioria dos historiadores utiliza Voltaire em seus trabalhos! Sobre o Espelho: "As Histórias são decerto este espelho no qual o historiador não cessa jamais de olhar, de interrogar-se sobre sua própria identidade..." A Representação do Outro significa o olhar que os gregos tinham dos não gregos, nos aspectos pesquisados por Heródoto: histórico, geográfico e etnólogo. Interessante também como o autor chama as Histórias e não História de Heródoto como li em outro livro. A Introdução ficou excelente para a compreensão do todo do livro, pois ficou muito clara e com pouca teoria. Em alguns aspectos sua Introdução é narrativa e interpretativa.
(p. 40).

Parte 1
Os Citas imaginários:
Espaço, poder e nomadismo

Introdução
Os Citas de Heródoto: O espelho Cita
No texto, o autor mostra as comprovações históricas, pela Arqueologia, do povo Cita. Observa que Heródoto reserva grande parte das Histórias a este povo, mesmo sabendo que o mesmo não apresentava fatos maravilhosos como o Egito, que é o povo mais estudado por Heródoto, seguido pelos Citas. Mostra como os Citas são o espelho da cultura grega, e para isto utiliza uma longa descrição nas Histórias sobre os funerais dos reis, fato também comprovado pela Arqueologia, Faz alguns questionamentos sobre os fatos narrados por Heródoto, e analisa à luz da literatura estes textos. É bastante teórico quando trata da literatura nas Histórias.

Capítulo 1  - Onde é a Cítia?
O autor pratica uma história narrativa para localizar a Cítia, e o faz colocando a questão do onde (local) e o significado de Cítia para outros povos. Utiliza de ampla literatura de escritores e poetas antigos para se referir à Cítia. Sua localização mais precisa pelo texto fica sendo um local entre a Europa e a Ásia. A partir desta constatação, o autor faz referência ao local ora na Europa, ora na Ásia. Quanto ao "Quem são os citas", o autor os caracteriza como nômades, embora em outras situações faça referência a um povo sedentário. O certo é que o povo cita é comprovadamente histórico e localizado na Europa. Novamente As Histórias, e Heródoto, dizem a verdade.

Capítulo 2 - O caçador caçado: póros e aporia
Neste capítulo, o autor faz uma ampla descrição das "estratégias" das guerras entre os citas e persas, relacionando-as com a Guerra do Peloponeso e Médicas. Realça o nomadismo dos citas como fator de sua vitória sobre Dario. Entra em detalhes sobre a a guerra entre um povo nômade (cita) e um povo sedentário como o persa. Relaciona estas guerras como uma antecipação de outra no olhar de Heródoto. Fala um pouco sobre o processo narrativo em Heródoto. É um texto longo e detalhista sobre o texto de Heródoto, portanto é necessária a leitura das Histórias para que se tenha uma boa compreensão do capítulo - o que vale para a obra toda de Hartog.

Capítulo 3 - Fronteira e Alteridade
O autor trabalha bem a questão da fronteira e alteridade numa relação entre a cultura cítia e a grega, e para isto usa a figura de personagens cítios que se revezam em uma fronteira não muito clara, mas definidora de posturas, chegando à morte pela oposição entre as duas fronteiras. Utiliza amplamente a religião mitológica dos cítios, gregos e egípcios. Trabalha muito a questão do deus Dionísio, que pode fazer parte das três culturas, sem contudo ficar definida sua origem. Fala dos cultos a Dionísio e outras deusas. Sempre numa relação cítia (o outro) e a Grécia. As Histórias são a fonte principal. Vasculha o texto herodotiano. Utiliza o autor de dois exemplos para tratar da Fronteira e Alteridade no final do capítulo: Zálmoxis (Geta) e Pitágoras (Grego). O texto trabalha a história-problema e a história narrativa/descritiva.

Capítulo 4 - O corpo do rei: espaço e poder
Este é um capítulo mais voltado para o trabalho de etnologia de Heródoto. Hartog mostra como ocorrem as questões de doenças, funerais, e os costumes do povo cita, sempre em uma relação com a cultura grega. Entra em detalhes sobre os eventos e seus significados. Trabalha também a questão dos mitos e a definição de território numa relação de poder. Não questiona a historicidade da narração heroditiana. Mostra a situação de poder do rei e sua relação com o nomadismo/sedentarismo dos citas. No final do capítulo faz uma longa exposição sobre os funerais dos reis no povo cita, sempre comparando com os outros povos como Esparta e Egito. Mostra também a violência executada pelos citas nos rituais fúnebres e nas guerras.

Capítulo 5 - O espaço e os Deuses
Neste capítulo o autor faz uma longa explanação sobre os rituais dos deuses citas. Coloca como referência os rituais gregos, tomando como padrão a perfeição dos rituais gregos em oposição às aberrações citas. Novamente identifica os citas como povos nômades e voltados para a guerra. Vê seus rituais como sangrentos e violentos, pois não observam o consentimento dos animais para o sacrifício - como se isto fosse possível! Fala também sobre o uso de objetos para o sacrifício. O autor vê o que Heródoto não se interessou, no texto isto fica claro. É um texto bem minucioso.

Conclusão
Na conclusão o autor insiste na questão do nomadismo dos citas. Utiliza muito a literatura na construção de sua tese. Valoriza As Histórias de Heródoto na defesa do nomadismo cita, mas ao mesmo tempo mostra que não são apenas os citas que são nômades no território dos citas. Mostra que o nomadismo é mais uma estratégia de guerra do que um estilo de vida. E que os citas reais já foram sedentários, mas optaram pelo nomadismo. Faz uma relação do nomadismo cita com a questão insular de Atenas como estratégia de guerra. É bastante teórico na exposição, mas é inteligível. Não deve ser lido por quem não leu As Histórias.

Parte 2 
Heródoto, rapsodo e agrimensor

Introdução
GENERALIZAR
Este é um capítulo mais literário que histórico. Trabalha o autor muita teoria literária. Utiliza bastante os textos das Histórias, o que torna a leitura menos cansativa; sem ser de difícil entendimento. É um texto muito detalhista, mas bastante informativo quanto aos detalhes históricos. 

Capítulo 1 - Uma retórica da alteridade
É um capítulo quase todo literário, apenas utilizando as Histórias de Heródoto como suporte das análises literárias. Sempre comparando as culturas relatadas com a civilização grega - a chamada alteridade. Seria a busca de uma maior profundidade da verdade histórica? Parece que sim. Teoria dos Annales - ampliação dos objetos da História.

Capítulo 2 - O Olho e o Ouvido
Novamente um capítulo bastante teórico e literário no início, mas no final fica mais voltado para a História, especialmente numa relação entre Heródoto e Tucídides. Mostra a diferença entre o ver (eu vi) e o ouvir (ouvir de alguém) no fato histórico. Dá maior importância histórica ao ver (olhar). Dá como exemplo importante, entre outros, As Viagens de Marco Polo quanto ao ver o fato histórico em sua narrativa. Em meu livro Aposentados Ativos também valorizo o ver na narrativa: "Em uma reunião com o prefeito (eu estava presente), o mesmo disse que o Juiz poderia entrar no computador e transferir o dinheiro da Prefeitura para as contas dos aposentados. Por que o Juiz da Comarca não o fez, apesar do prefeito insistir em não acatar a decisão da Justiça de pagar todos os salários dos aposentados? (P. 100).
 
A explicação literária do texto é bastante cansativa por seus detalhes; veja texto abaixo:

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