quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Reflexões sobre a História - Beto Souto

A História ensina e educa

1. Um pouco da História em minha vida
    Desde que comecei a trabalhar e pude comprar os livros que queria ler, comecei a ler sobre História. No meu serviço passava um adolescente vendendo livros das bancas de revistas. Logo me apaixonei pela coleção de História da República de Hélio Silva. Depois comprei outros livros de História. Comprei livros sobre a II Guerra Mundial, sobre os Presidentes do Brasil, estes também do Hélio Silva. Mas lia romances também, estes inspirados e exigidos pelos professores(as) da época. Gostava muito de História, mas tinha também uma paixão pela Língua Portuguesa. No futuro, já como Historiador, vi como as duas combinavam. O Historiador precisa saber escrever bem e com clareza. Fiz o 2º grau, já com uns 25 anos, pois na minha época ainda tinha a tal de "bomba" ou repetência. Hoje empurramos os alunos pra série seguinte para não dar despesa aos governos, mesmo que o aluno não faça nada na escola, apenas esteja de corpo presente, como um defunto. E depois os governos falam de qualidade da Educação. Terminei o segundo grau sem saber qual curso fazer, até que por inspiração de Deus, e por participar ativamente da comunidade, terminei escolhendo História, pois certamente o conhecimento histórico me daria suporte  para meus trabalhos comunitários na Igreja, e nas entidades do bairro.

2. Na Faculdade
   Quando fiz a Faculdade de História em Caratinga, Minas Gerais, entre 1980 e 1983, praticamente não existia teoria da História, a não ser uma aula semanal de Introdução aos Estudos Históricos, com um professor que era padre já em fim de carreira, portanto estudamos a História mais tradicional possível, a chamada História Factual. O professor adorava Tucídides, e falava dele em todas as aulas, um historiador que escreveu um único livro, e mesmo assim não chegou ao seu final, cujo término ficou para outro historiador e filósofo grego, Xenofonte.

3. Definições de História
   Na Faculdade nos deram definições de História de vários autores, e com o tempo e leitura fomos recebendo novas definições. Achei interessante a definição de que a História é como a casa do Senhor, tem muitas portas e janelas. Diante desta ideia também criei a minha definição: A História é como uma grande onda que bate e rebate na praia, mas sempre está lá com sua harmonia de transformação. Já falaram que a História não existe porque tudo é História, ou como eu digo, que tudo tem História; mas a História tá sempre aí resistindo às várias investidas de "historiadores" que insistem em preservar a memória de nosso povo. E mesmo após discussões intensas sobre a teoria da História acabamos produzindo a história que o povo conhece: "A busca da verdade através dos fatos verídicos". Como faziam Heródoto e Tucídides em sua origem na Grécia.  E mesmo que utilizem vários métodos e ciências auxiliares, além de fontes as mais variadas; buscam mesmo é a verdade através dos fatos.

 

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Livro História do Brasil para Ocupados - Luciano Figueiredo (Organização)

 

Livro História do Brasil para Ocupados

Luciano Figueiredo (Organização)

Introdução

Este livro não é pra ser lido em busca de conhecimento/informação sobre a História do Brasil, mas sim para ser saboreado, como uma fruta gostosa e saudável: "Com sabor de fruta mordida" (Cazuza). Logo na apresentação senti este sabor com uma pequena definição de História: "História é como a casa do Senhor, ela tem muitas portas e janelas". Esta breve definição já nos leva ao prazer da liberdade de se estudar/ler História, a aceitação de várias entradas e saídas em seu "prédio" de viagens e caminhos a seguir, ou desistir. A própria capa do livro me chamou a atenção; como pode um livro de História ter em seu primeiro espaço de visualização uma Nossa Senhora Aparecida em cima da tradicional imagem de Cabral? Não, esta não é uma História para os Ocupados de nosso tempo, é uma História pra quem tem tempo de saborear lentamente cada palavra, cada frase dos textos produzidos pelos historiadores selecionados pelo autor. É preciso ler pouco a pouco, e saborear a leitura, como a criança que deixa a comida mais gostosa pra depois, lá no cantinho do prato. É isto que estou fazendo. Na Apresentação o autor faz uma breve explanação sobre o projeto do livro, que foge aos moldes tradicionais dos nossos famosos livros didáticos que seguem uma cronologia e evolução. E também está longe dos historiadores de gabinetes. É uma História do Brasil para os brasileiros.

Desenvolvimento do texto

Desde o início do livro, os(as) autores(as) mostram sua marca de historiadores(as), ou seja, comprovam o que dizem com a documentação necessária para apresentar sua defesa e refutar ideias ou "viagens" contrárias. Os documentos de conhecimento já tradicionais como a Carta de Caminha e Mestre João, entre outros são valorizados como únicos de credibilidade, pois existem outros que não são claros quanto aos eventos tratados. Isto vale para a Descoberta do Brasil e os primeiros tempos da colonização. E me parece que vale para o projeto do livro em geral, pois os primeiros escritos dão o tom da obra. Me parece que há um resgate da história factual, apesar da análise dos autores sobre os documentos, como se utiliza atualmente, e não deixar o documento falar por si só, como se pensava antes, tanto é que os autores, através dos documentos observam suas relações econômicas, filosóficas e religiosas da época em que são produzidos esses documentos. A evolução dos temas históricos tradicionais, é incontestável, mesmo que exista uma nova visão sobre eles.

Como o organizador do livro disse no início que a história tem várias portas e janelas, recordo meu tempo de estudante, e até de professor de História na década de 1980, quando éramos orientados pelos autores de livros a não falar sobre o canibalismo dos índios brasileiros, mesmo porque o ato não estava registrado nos livros didáticos de História. Nesta época existia uma preocupação em valorizar nossa cultura "brasileira", e o índio era seu início mais remoto. E também a questão do negro também era valorizada como componente de nossa sociedade, e só falávamos bem de Zumbi e do Quilombo dos Palmares. Mas outras portas foram se abrindo e hoje estão escancaradas pela historiografia para todo estudante ver que houve exageros e exclusão também nas classes subalternas da época. O relato de visitantes europeus no Período Colonial são a prova viva que tentamos esconder por tanto tempo sobre nossos indígenas.

Os autores dos textos do livro procuram acrescentar algo novo na História do Brasil tradicional, através de pesquisas mais recentes, isto em todo o tema tratado. A questão da escravização do índio e do negro são destaques nos primeiros trabalhos dos historiadores. E neste quadro entra a invasão holandesa no Nordeste e a participação da cidade do Rio de Janeiro nos eventos, tendo como foco seus moradores e administradores. Mostram como a substituição da mão de obra indígena pela negra alterou a situação de nossos primeiros habitantes até os dias atuais. Buscam os autores fatos novos e personagens quase desconhecidos pelos historiadores, como o baiano, traficante de escravos, Francisco Félix de Souza; e Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz, e traçam uma narrativa de seus feitos dentro do quadro da História tradicional ensinada nas escolas, ou seja, ampliam as informações num estudo mais voltado para a História do Cotidiano.

Os cultos africanos são alvo de estudo, mostrando sua relação com a formação de nossa cultura a partir do século XIX. Dedica quase que exclusivamente ao Candomblé, mostrando sua composição étnica e cultural, ou seja, sua origem africana e a absorção de elementos de outras raças e religiões, principalmente a católica, além de receber trabalhadores de vários ramos de atividades, inclusive professores, apesar, de muitas vezes, receber a falsa calúnia de ser um culto de desocupados. Seguindo o estudo sobre a presença dos africanos no Brasil, o livro trata da capoeira, talvez a maior tradição cultural deixada pelos escravos para a história do povo brasileiro. Tenta, o autor, identificar a origem da capoeira, e termina chegando a um consenso de que a prática foi uma mistura de ritos vindos da África e adaptados no Rio de Janeiro, no século XIX, o principal centro urbano do Brasil. Mostra o autor que a capoeira era uma fusão de luta e dança ao mesmo tempo, mas que não tinha nenhum interesse em buscar uma melhoria de vida para a população negra, mas sim uma prática cultural criada e incorporada ao universo do escravo, e também do homem livre, inclusive de políticos, Interessante notar que o autor não cita a possibilidade da capoeira ser um jogo, como temos conhecimento nos dias atuais. Os capoeiristas costumam falar que vão jogar capoeira, e não lutar ou dançar capoeira.

A ocupação da Amazônia, espaço compreendido principalmente entre os Estados do Amazonas, Pará, Maranhão e Piauí, foi mais lenta, devido à distância da capital à época, Salvador, e também pela interferência de outros países europeus como a Inglaterra, a Holanda e a França. Os índios também dificultaram esta ocupação por se posicionarem, às vezes contra os portugueses. Além de tudo isso, o Brasil vivia sob o domínio complexo da União Ibérica (1580-1640), formada por Portugal e Espanha. Para fortalecer a administração da colonização, os portugueses criaram um governo no norte do Brasil para facilitar a ação dos governantes e colonizadores. Narra a saga de aventureiros em busca de riquezas e conhecimento científico pela região, mesmo acreditando na imaginação de seus habitantes. Esta prática foi comum para aventureiros vindos, principalmente da Europa, pois o Brasil e a Amazônia despertavam a curiosidade de quem poderia investir nestas viagens dispendiosas, caras e perigosas por um continente praticamente ainda desconhecido. Os Indiana Jones do passado que inspiraram filmes e livros de aventuras.

O papel das Ordens Religiosas, principalmente dos Jesuítas, foi destacado no estudo do Período Colonial. Esta Ordem foi criada como fruto da chamada Reforma Católica pós Reforma Protestante. Tinha o objetivo claro de combater as mudanças promovidas por Lutero no catolicismo romano. E para atingir este objetivo, os jesuítas se concentraram na formação de padres intelectuais e professores para atuarem nas escolas do mundo todo, e mais especificamente na América Latina. No Brasil teve papel fundamental na catequização dos indígenas, pois acreditavam que eles não tinham religião. Mas também influenciaram na formação religiosa dos colonos e fazendeiros, deixando esta herança até os dias de hoje. Os Estados de Minas Gerais e Bahia foram aqueles em que mais atuaram. As Irmandades religiosas foram fundamentais na construção da cultura mineira, pois o governo português não permitia que eclesiásticos frequentassem as minas de ouro. Portanto a Igreja Católica apoiou a criação de várias Ordens Religiosas, que inclusive foram formas de libertar os escravos, pois estes podiam ser comprados por aquelas.

A religião tem grande importância para o povo e os governos no Período Colonial, além do culto católico, havia combinado com este, a adoração dos santos, que se tornaram quase uma religião particular que a Igreja Católica não interferia. Com muita semelhança com a religião do Império Romano, no qual tinha o culto do Imperador e os deuses individuais nas residências. São Sebastião foi o santo mais cultuado no período, tem origem na religião dos reis portugueses. Aqui se mistura com a cultura africana e torna-se ídolo dos escravos adotando um nome da raça negra. Nossa Senhora Aparecida foi uma santa de muita importância na História Religiosa e Política do Brasil. O milagre que deu origem ao seu culto faz parte de um quadro de sofrimento do povo da época. Três pescadores, ao encontrar a imagem, recebem a graça de uma grande pescaria em período pouco propício à pesca. A partir daí seu culto se estende, e chega até o Vaticano que aprova seu culto. A nova classe política republicana utiliza-se de sua popularidade para aproximar a Igreja Católica do novo regime de governo, como era na Monarquia. Nos estudos de santos na História do Brasil, principalmente envolvendo a religiosidade popular, a escrava Anastácia é uma uma criação do imaginário escravista.

Saindo dos santos e santas vamos agora expulsar o demônio, prática que está cheia de histórias e superstições. A autora mostra que a imagem do demônio que conhecemos vem dos artistas do Renascimento, que mostravam a luta do bem contra o mal em imagens. E a prática de exorcismos foi cada vez mais carregada de irregularidades, mesmo que Roma tentasse impedir os excessos, e que os exorcismos não passavam de uma forma alternativa de cura de males que a medicina e os tratamentos naturais não davam conta. E cita casos escabrosos de exorcistas com suas práticas individuais, e muitas vezes violentas e sexuais. Dentro do mundo místico no Brasil, os negros escravos têm papel fundamental. Suas práticas religiosas vindas da África se misturam com o catolicismo romano, mesmo com as proibições e punições pela Inquisição. Nestes cultos não participavam apenas os escravos africanos, mas também pessoas brancas que necessitavam da intervenção do Além para a solução de seus vários problemas. Era uma época difícil, principalmente pelo pouco avanço da Medicina e da existência de seus profissionais, que eram em número reduzido. Nas fazendas os proprietários permitiam a prática do Candomblé, da Umbanda e outros ritos nas senzalas.

A Maçonaria é uma associação de difícil conhecimento, pois se declara secreta, portanto os historiadores não conseguem desvendar seus mistérios, a não ser por algumas declarações de pessoas que dizem conhecer a instituição, e das poucas publicações existentes. No Brasil seu nome está ligado à Independência do Brasil, e até às Conjurações Mineira e Baiana. Mas sempre viveu em constantes conflitos internos e externos, de pessoas e do próprio governo. Os articuladores de nossa Independência, a História diz estarem ligados ao processo de desligamento do governo português, como Pedro I e José Bonifácio, entre os principais. Para encerrar o Capítulo sobre Fé, o autor pesquisa e produz um texto sobre o Espiritismo, que tem sua origem na França, mas que rapidamente se expande pelo mundo, principalmente no Brasil. Sua prática espiritual termina se misturando, e até fazendo parte da Umbanda, que foi considerada a primeira religião totalmente brasileira. No início da República, foi legalmente proibida ao lado dos cultos africanos, mas com Getúlio Vargas, termina virando uma religião normal, principalmente por sua identificação com a Igreja Católica em relação à necessidade de obras de caridade em seu cotidiano. Tenta uma explicação científica através do livro dos Espíritos de Alan Kardec, fato que anima a participação de uma elite mais letrada do Brasil, inclusive de políticos.

A produção do açúcar no Período Colonial marcou nossa sociedade até os dias atuais. A autora faz um estudo sobre como funcionou o sistema de produção açucareira e sua importância para o Brasil e a Europa. Mostra como utilizaram a mão de obra indígena no início do processo produtivo, e depois o negro africano, que também era uma mercadoria na engrenagem do Mercantilismo europeu. O chamado Ciclo do Ouro é tratado de forma bem superficial, destacando mais a parte econômica de sua produção, mas mesmo assim sem nenhum aprofundamento, por exemplo de como a grande quantidade de ouro enviada para Portugal, cerca de 800 toneladas enriqueceu a Inglaterra e não a metrópole portuguesa. Mostra o autor o desenvolvimento que a Colônia alcançou com a mineração, mesmo assim de forma muito sintética.

O ciclo do café foi bem desenvolvido pela autora, inclusive com um texto maior. Mostra suas origens desde a sua chegada ao Brasil, possivelmente teria vindo da Guiana Francesa. Com o tempo torna-se um produto essencial no país para exportação. Analisa as influências sociais da produção do café na formação das famílias enriquecidas com sua produção,  fator que vai gerar a expressão "barões do café", pois alguns produtores ricos recebiam título de nobreza do Imperador, geralmente de barão, que era dado a pessoas com grande poder aquisitivo. Mas o grande destaque da produção do café era a mão de obra, que era vinda da África com o tráfico de escravos. Era esta mão de obra que garantia toda a riqueza das famílias, e também provocou sua decadência com a Abolição da Escravidão em 1888. A autora é bem detalhista em seu estudo sobre a produção do café no Brasil, inclusive analisando as influências na moda vinda da Europa, tendo como fonte os estudantes brasileiros que faziam estudos fora do país. Estes estudantes geralmente formavam, mas não trabalhavam, pois sua riqueza era garantida pelo trabalho escravo.

A autora questiona a tradicional expressão "Política do Café com Leite", e utiliza vários argumentos para sua exposição, entre elas, que Minas Gerais e São Paulo nem sempre decidiram os rumos do país apenas com posições dos dois Estados, inclusive cita a influência de outros Estados como o Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro. E as decisões, mesmo dentro dos Estados, não tinham uma unidade, havendo divergências entre os partidos existentes. Mostra também que a expressão certa poderia ser a "Política do Café com Café", pois Minas, junto com o Rio de Janeiro era grande produtor de café, e as decisões partiam mais das decisões políticas do que da produção de leite, ou seja, a política não dependia dos produtores de leite, mas sim das articulações dos partidos em torno das questões nacionais. Revela o papel importante do Exército e do Poder Executivo nas decisões da República Velha. Mostra como as fraudes eleitorais eram dominantes, inclusive destaca a eleição em que o mineiro Afonso Pena conseguiu 97% dos votos, fato só ocorrido com muita fraude. Dentro da política também chamada de "Coronelismo", é tratada no livro, e a ação do Tenentismo, principalmente na década de 1920. Mesmo que os ideais do Movimento Militar dos tenentes tenham um objetivo mais voltado para os interesses da maioria da população, terminam por se associar à Ditadura de Vargas.

A Era Vargas é um período longo e de difícil compreensão pelos historiadores. Foi um tempo de intensas transformações sociais. O Brasil começa a abandonar um perfil agrário para iniciar uma fase de domínio industrial, daí o papel dos trabalhadores se amplia, principalmente em busca de seus direitos. Adquiridos significativos direitos trabalhistas, a classe operária sempre esteve atrelada ao governo e aos patrões, não muito diferente dos dias atuais. Getúlio Vargas foi um ditador, que apesar de suas atitudes autoritárias teve o apoio popular. Os tenentes o apoiaram num primeiro momento, mas depois se afastaram, pois Vargas abandonou suas promessas de campanha. A autora do texto coloca algumas questões que precisam ser compreendidas durante o período, e que até hoje não foram resolvidas. Em resumo, Vargas foi um estrategista político de primeira linha, isto não dá pra negar. Seu governo pôs fim à chamada "República Velha" (1889-1930), mas conservou muito de sua política de fraudes eleitorais, violência e corrupção.

Ainda sobre a Era Vargas, seu antissemitismo é fragrante em sua política de imigração. Pretendia, como a Alemanha Nazista, uma pureza da raça brasileira sem ter a chance de adotar as medidas radicais de Hitler. Até alguns de seus Ministros eram antissemitas. Passou a não aceitar imigrantes judeus no país, mesmo assim muitos judeus chegaram ao Brasil por outros canais, mas Vargas poderia ter evitado a morte de muitos judeus se não tivesse praticado uma política racista de imigração. A Ação Integralista no Brasil faz parte do quadro de governos autoritários e fascistas no mundo, mas não se identifica totalmente com o Nazismo, principalmente na questão da pureza da raça. Foi um partido que recebeu apoio principalmente das colônias italianas e alemãs de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

A seguir, as publicações deslocam o foco das questões políticas, econômicas e ideológicas para as questões mais populares, que geralmente os livros didáticos não trabalham como a alimentação, a prostituição entre todas as classes sociais, inclusive entre os indígenas, a religião oficial e os cultos populares, o adultério, a guerra, etc. Os historiadores entram em detalhes sobre as questões sexuais, mostrando a ação da Inquisição no combate a algumas destas práticas. Analisando sempre o contexto desses fatos, ou seja, revelando uma realidade dentro de uma sociedade em formação. E nos conflitos desde o século XVI destacam o clima belicoso que viveu o Brasil no início de sua formação social. A Bahia foi o espaço inicial de uma guerra em que os índios tomaram parte numa mistura de misticismo com o catolicismo dos jesuítas. A invasão holandesa no Nordeste mostrou a capacidade de nossos soldados no combate ao inimigo, quando 2.000 mil luso-brasileiros venceram 6.000 holandeses. Talvez tivessem a motivação do patriotismo da "nação" brasileira na época.

No período da mineração em Minas Gerais, outro texto é bastante minucioso sobre as relações sociais, econômicas, religiosas e políticas da época. Em uma palavra se vivia um caos social. Portugal ainda não se interessava pela produção de ouro, pois tinha outros interesses econômicos na Europa, portanto nas minas se vivia um aglomerado desorganizado de pessoas buscando seus interesses: índios, negros, mulheres, proprietários de terras. Era uma terra sem lei ou ordem. A escravidão e os quilombos se espalhavam por todo o país, inclusive nas minas, que fazia parte da Capitania de São Paulo. Havia uma relação social dos quilombos com pessoas livres, negros alforriados e proprietários. Geralmente se localizavam nas proximidades dos locais de maior população. Não era como estudamos na escola, locais isolados e comandados apenas pelos negros africanos. Os negros africanos também participaram de movimentos revolucionários em defesa do Brasil, e principalmente buscando sua alforria por sua participação. Tinham outros interesses além da libertação do Brasil do domínio português. Não eram tão ingênuos como pensávamos. Na Guerra da Bahia, conseguem a vitória em 2 de julho de 1823 que se torna a data oficial da Independência do Estado, inclusive sendo feriado estadual. Com maior importância que o 7 de setembro.

No método utilizado pelo autor/organizador do livro, encadeando os textos sem obedecer  a Linha de Tempo Tradicional da História, agora passam, os autores, a narrar e analisar as chamadas Revoltas Regenciais, que tiveram como característica principal o envolvimento de pessoas comuns nas lutas reivindicatórias. Tem início com a chamada Revolução Farroupilha, ou dos Farrapos, que tem como consequência principal a formação da identidade do Estado do Rio Grande do Sul como Estado Federativo do Brasil. Depois passam pela Revolução Praieira que é um misto de conflito liderado pelas elites do Nordeste, mas que deixou espaço para a plebe participar, mas no final não fica claro o objetivo principal do conflito, a não ser a luta pelo poder dos primeiros tempos do Segundo Império; depois é estudada a Revolta de Canudos que foi o movimento mais importante do final do século XIX no Brasil, onde ainda se questiona a volta da Monarquia para o governo do Brasil. O livro Os Sertões de Euclides da Cunha foi considerado a História de Canudos até fins da década de 1950, quando surge uma nova vertente de análise voltada mais sobre as questões do latifúndio no interior do Brasil.

Sobre a Abolição da Escravatura, o livro é bem detalhista principalmente em relação a ação dos chamados Quilombos. Existiam vários Quilombos, sendo muitos localizados bem próximos às cidades e com a participação de intelectuais, jornalistas e políticos, inclusive a Princesa Isabel terminou adotando a causa abolicionista, chegando ao ponto de proteger escravos em seu palácio, afinal seu pai, D. Pedro II, estava fora do país. Aconteceram várias críticas sobre a presença da princesa no movimento, inclusive Rui Barbosa via sua participação como puramente política, mas foi Rui Barbosa o primeiro intelectual a admitir que a Abolição da Escravidão não foi uma dádiva da Princesa Isabel, mas o resultado da resistência e luta dos escravos. Interessante notar como a camélia, uma flor, era o símbolo do abolicionismo, inclusive servindo como uma espécie de senha para identificar um abolicionista. Quilombos que protegiam os escravos e criavam uma espécie de comunidade negra, distante das cidades, não foram muitos, e o que mais se destacou foi Palmares.

Começam, os autores a estudarem as revoltas ocorridas no século XX. Na Revolta da Vacina aprendemos e ensinamos que sua motivação foi a invasão da privacidade da população, sem nenhuma consulta prévia aos moradores. Mas o autor mostra que houve muitas revoltas dentro da chamada Revolta da Vacina, inclusive o envolvimento de líderes socialistas nas invasões e liderança do movimento, e até de militares insatisfeitos com a situação em que viviam. Na revolta da Chibata é realçado o lado violento do conflito, principalmente por parte do governo. Foi uma revolta dos marinheiros contra os maus-tratos recebidos da oficialidade, como se fosse a permanência da escravidão negra, e entre os marinheiros tinham muitos negros e pessoas simples. O governo foi extremamente violento na repressão, inclusive matando e jogando no mar vários marinheiros. Logo o mito do brasileiro pacífico foi por água a baixo. 

Agora os autores passam a narrar eventos fora do Brasil, mesmo envolvendo os brasileiros, como a Guerra do Paraguai. Sobre esta mostram as visões existentes sobre o conflito, ou seja, suas causas. Até a década de 1970 existia a opinião (inclusive li um livro famoso que defendia esta ideia quando fiz Faculdade) de que sua causa foi o Imperialismo inglês, pois o Paraguai fazia concorrência com os produtos ingleses na América do Sul, fato que é negado pelos historiadores a partir da década de 1980, pois afirmam que praticamente não existia indústria no país, mas o domínio de atividades agrárias. Consequentemente, as causas mudam, ou seja, passam a fazer parte do processo de formação dos Estados Nacionais na América do Sul. Durante a II Guerra Mundial mandou os pracinhas (FEB) para participarem do conflito, certamente com o objetivo de resgatar um pouco a falta de credibilidade de Getúlio Vargas diante de sua longa ditadura. Fizeram bonito no conflito ao enfrentarem o maior exército do mundo que era o alemão, apesar das parcas condições materiais e de saúde de nossos soldados. Importante ressaltar que o Brasil foi o único país da América do Sul a enviar soldados para lutarem na Europa, e também por possuir negros no exército, fato que não diminuiu a discriminação no campo de batalha e quando voltaram ao nosso país.

O livro agora volta-se para alguns personagens da nossa história como Maurício de Nassau e Chica da Silva. Sobre Nassau não acrescenta muita coisa, pois sua fama de bom gestor e de seu gosto pelas artes já são conhecidos pela história tradicional. Mas entra em detalhes pouco conhecidos como a existência de vários representantes de outras nacionalidades europeias no Recife, inclusive de judeus. Soube conciliar as várias crenças e interesses no território administrado. Fez uma grande obra administrativa na cidade, inclusive participando de sua construção, Trouxe naturalistas europeus para registrarem nossa belezas naturais, entre outras realizações. Sobre Chica da Silva o livro apresenta uma mulher determinada que enfrentou com coragem e sabedoria os desafios de seu tempo. Não apenas uma mulher sexualmente atraente como temos visto no cinema, livros e imprensa. Viveu intensamente sua vida, mesmo sendo negra, portanto marginalizada. José Bonifácio é revelado como um homem de inteligência rara entre intelectuais, e não só o político que estudamos nos livros didáticos. Atuou em várias áreas, inclusive nas áreas das ciências exatas como a Matemática e as Ciências Naturais, além de enveredar pela Filosofia e Política. Maria Quitéria é uma heroína baiana muito bem trabalhada no texto, mostrando detalhes de sua participação na defesa da Independência do Brasil no combate aos portugueses como soltado, mesmo sendo do sexo feminino. E outras lideranças femininas também são tratadas com Maria Filipa e Ana Angélica, todas da Bahia.

Sobre as lideranças históricas brasileiras masculinas, o General Osório é muito elogiado por sua bravura e seu compromisso de soldado, além de seu bom humor. Inclusive gostava de poesia para amenizar sua vida agitada de estar sempre preparado para conflitos. Recebe um pedido de promoção em forma de poesia, e o concede, mas orienta o solicitante para nunca mais fazê-lo dessa forma. Foi muito amigo de Caxias até aparecerem algumas divergências durante a Guerra do Paraguai (1864-1870). É considerado o Patrono da Cavalaria. E Caxias o patrono do Exército. Outro grande brasileiro é tratado no livro: o Barão do Rio Branco. É elogiado por sua capacidade de resolver questões internacionais sem nunca ter usado o artifício da guerra, mesmo em situações polêmicas no Acre. É considerado o maior negociador de questões internacionais do mundo. O Marechal Rondon é outro exemplo de grande líder militar e humanista do Brasil, pois foi um grande defensor da cultura indígena em nosso país. Foi Positivista e Militar, mas sempre voltado para os interesses humanitários do cidadão brasileiro. Era contrário a qualquer tipo de violência contra a pessoa humana, principalmente sua morte.

Os historiadores passam a estudar a vida dos poetas e literatos, começando com Gregório de Matos, famoso por suas críticas ferrenhas aos governos da Bahia. Interessante notar que o poeta nunca publicou uma linha de suas poesias e escritos. Outras pessoas e amigos juntaram suas falas e transformaram em panfletos e livros. É chamado de "Boca do Inferno" pela indignação manifestada em suas produções ao criticar os governantes baianos. Nasceu em Recife e morreu em Salvador. Sobre Machado de Assis são analisadas suas crônicas, e não seus romances, o que me admirou, pois ficou famoso pelos romances. E suas crônicas tratam principalmente de questões econômicas; nova surpresa, pois nunca vi Machado de Assis preocupado com economia e política. Mas é totalmente lúcido nesta nova faceta de sua obra. Lima Barreto é estudado em seu lado jornalístico, principalmente por suas crônicas políticas, e até em defesa dos direitos das mulheres. É um defensor dos direitos sociais de todos os cidadãos. Coisa nova pra mim. Seu lado do romance é muito mais conhecido e valorizado. A Arte Moderna que teve origem em 1922 é o foco do próximo estudo, revelando o objetivo principal do Movimento que foi a criação de uma identidade da sociedade brasileira através da produção literária inicial de Oswald de Andrade, e tendo como objeto de pesquisa seu livro inicial Pau-Brasil. Uma arte engajada na cultura popular brasileira.

Sobre a MPB (Música Popular Brasileira), o autor foca em Noel Rosa, Chico Buarque e alguns nomes pouco conhecidos. Cita em meio a estes Vinicius de Moraes e o Movimento da Tropicália. Não entra em detalhes sobre o que é música popular brasileira. Vê mais o lado artístico e pessoal de Noel, e a poesia e política de Chico e de seu pai Sérgio Buarque de Holanda. Mostra estes artistas e escritores/historiadores como aventureiros na busca de nossa identidade cultural e social, ainda hoje indefinida, principalmente pela extensão territorial do país e suas várias diversidades em todas as áreas. Parece que vivemos em um aglomerado de "países" que chamamos Brasil. Como explicar esta complexidade em algum estudo específico. Fica muito difícil. Cita o autor que Gilberto Freire, Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda foram aqueles que chegaram mais perto de uma definição de nação brasileira, e Chico Buarque por suas variadas produções, inclusive em romances e teatro, além é claro, da música, que é uma invasora da identidade da mulher brasileira como ninguém fez ou tentou.

No processo de construção do livro, o autor agora trata de política com um mito de nossa História, Getúlio Vargas. Confirma que foi democrata e ditador em seu longo período de governo, mas uma coisa que não tinha visto ninguém afirmar é que sua morte retardou por 10 anos o golpe civil-militar de 1964. No mais são informações dominantes em nossos livros didáticos, inclusive uma certa calma na política brasileira após a sua morte, talvez pelas manifestações populares em quase todas as cidade do país. Juscelino Kubitschek é tratado no texto como o típico político mineiro - tradicional e conciliador. Mas este tradicionalismo não o impediu que fizesse o governo mais progressista do Brasil, talvez pela situação que o país atravessava com o crescimento da classe operária. Não teve medo de fazer grandes investimentos, mesmo sabendo que provocaria grandes dívidas ao país e o aumento da inflação. Foi um Presidente ousado, participativa e presente no meio do povo. A ele devemos a construção monumental de Brasília, com sua estratégia de centralização administrativa e uma aproximação com as fronteiras a oeste do Brasil.

O estudo sobre Tiradentes me surpreendeu ao mostrar uma visão diferente de nosso herói da Inconfidência que trabalhamos nos livros didáticos de História. A última imagem que tinha era a de que Tiradentes assumiu a culpa por tudo, ou foi levado a assumir porque era o menos informado do grupo, e além de ser o mais pobre. Coisas que o texto contradiz na totalidade. Tiradentes era filho de um português que era fazendeiro e possuía escravos. Quando o perdeu foi morar com um parente que era dentista, já crescido foi comerciante e militar, além de possuir uma excelente facilidade de comunicação, chegando a ser comparado aos padres da época que tinham muito poder de convencimento em suas celebrações. Enfim, o texto resgata um novo Tiradentes pra quem estudou a Inconfidência Mineira no século passado. Sobre o Almirante Negro da Revolta da Chibata, percebemos pelo texto, que seu papel não foi tão preponderante no comando da revolta, pois tinha uma boa relação com os marinheiros e com seus comandantes. Foi preso, mas não foi o líder da revolta, o que chama a atenção no estudo é seu registro sobre a revolta utilizando uma arte aprendida em sua função de marinheiro, pois nunca foi Almirante. Mas foi de uma humanidade extrema.

O livro termina com um bom estudo sobre a vida e ação de Chico Mendes e pequenas biografias dos historiadores que tornaram possível a formação de um excelente livro de História do Brasil, principalmente por suas novidades pesquisadas.

domingo, 11 de setembro de 2022

Livro Mulheres e Imprensa no século XIX: Projetos Feministas no Rio de Janeiro e em Buenos Aires - Bárbara Figueiredo Souto

 

Livro Mulheres e imprensa no século XIX: Projetos Feministas no Rio de Janeiro e em Buenos Aires 

Bárbara Figueiredo Souto

Introdução

Este livro é o resultado da Tese de Doutorado da autora transformado em um texto mais acessível a um número maior de leitores. Mostra a atuação de mulheres na imprensa brasileira e argentina, como escritoras e proprietárias de jornais. Bárbara vê nestas mulheres uma pauta feminista na imprensa muito antes de emergir o Movimento Feminista propriamente dito no século XX - o século do feminismo. Faz uma História Comparada e transnacional, ou seja, um estudo do trabalho do jornalismo feminino no Brasil e na Argentina em defesa das questões urgentes da mulher diante de uma sociedade patriarcal dominante. Teoriza sobre as críticas e opiniões de historiadores(as) sobre a chamada História Comparada. Define o período estudado na pesquisa sobre as jornalistas femininas, Juana Paula Manso, Violante Atabalipa  Ximenes de Bivar e Vellasco e Gervázia Nunezia Pires dos Santos Neves, e delas faz uma pequena biografia. Analisa suas produções entre 1852 e 1855. Faz também uma comparação da situação histórica do Brasil e da Argentina no período, aliás muito parecidas em questões de desenvolvimento. Realça a pouca identificação do Brasil com os países da América Latina, e uma predominância europeia nessa relação. Mostra como 1852, na Argentina, foi o ambiente ideal para a produção jornalística, isto porque terminava um governo autoritário que controlava a imprensa, e iniciava um governo que restaurou a liberdade de expressão em todo o país. E Juana Paula Manso, terminou criando os jornais feministas no Brasil, em 1852 onde estava exilada, e em 1854 na Argentina depois de sua volta do Brasil. Discute a questão se as jornalistas eram consideradas intelectuais no século XIX, período em que a mulher tinha pouco acesso à cultura escolar. E para isto disserta sobre a questão do "ser intelectual", revelando que a intelectualidade de uma pessoa se fazia, em linhas gerais, pelo seu conhecimento, e por sua inserção no mundo na presença da vida pública e participante. Volta ao Caso Dreyfus na França onde se reúnem os "intelectuais" para a decisão jurídica do militar acusado de traição. Constata que as feministas em estudo eram intelectuais nos dois sentidos, ou seja, pelo seu conhecimento e por sua participação social. Sua decisão é comprovada por ampla bibliografia pesquisada.

Desenvolvimento da Pesquisa

A autora começa o livro mostrando como as publicações sobre as mulheres ou o feminismo, tanto no século XIX como no início do século XX na imprensa eram feitas através de pesquisa nos grandes órgãos jornalísticos, omitindo as redações em pequenos periódicos, fato ocorrido tanto no Brasil como na Argentina. Sendo que as mulheres publicavam, geralmente para um público menor, e em jornais de pequena circulação, de propriedade feminina ou não. Só a partir da segunda metade do século XX esta realidade começa a se modificar, Analisa a existência de um conceito único de feminismo ou a existência de vários feminismos, dependendo de cada realidade social como a Europa, Estados Unidos e a América Latina, e dentro desta linha de pensamento também questiona a existência das "Ondas" de feminismo no mundo. Defende a ideia de vários feminismos.

A Imprensa e a Educação são pesquisadas pela autora no Brasil e Argentina desde o Período Colonial de forma contextualizada, ou seja, revelando os entraves e evoluções ocorridos em ambas as áreas dentro de um sistema colonialista europeu, no caso um domínio exercido pelos países da Península Ibérica - Portugal e Espanha. Mesmo que na América Espanhola não tenha tido um controle sobre a publicação de jornais no início do domínio sobre os povos colonizados, a imprensa argentina só foi ter uma evolução praticamente na mesma época que no Brasil, ou seja, a partir de 1800; pois os portugueses impediam as publicações na colônia e só com a Vinda da Família Real (1808), implantaram a Imprensa Régia, que deu vazão para outras publicações. A Educação também não teve desenvolvimento satisfatório, pois os governos não se interessavam em aplicar investimentos no setor, daí surgirem escolas particulares mais que públicas em determinado período. No Brasil só a partir de 1827 houve maior investimento na Educação tanto para homens como para mulheres. Conforme a autora: "Observei que o panorama da educação feminina no Brasil possuía grande comunicação com a experiência argentina.(...)". Fato comprovado pela falta de financiamento da educação, principalmente, entre outros fatores.

A manutenção de qualquer jornal ou revista depende de financiamentos, seja de empresas, o governo ou assinantes. Este é um tema tratado no livro pela autora, mostrando a vida árdua para a permanência de circulação dos jornais feministas na Argentina e no Rio de Janeiro. Constata que o maior investimento partia da iniciativa dos governos, pois estes precisavam divulgar suas decisões na imprensa. Analisa também o formato dos jornais em termos de imagens, textos e diagramação. Além das diferenças entre as propostas dos jornais, das revistas e dos livros. Identifica como ocorre a produção dos mesmos, sendo que os jornais têm uma informação mais imediata, apesar de muitas vezes, ser crítica, como eram o jornais feministas no início. As revistas oferecem uma visão do presente, sem uma preocupação com a formação do leitor para o futuro, e o livro é mais elaborado, e portanto tem a possibilidade de uma revisão futura. A autora entra em detalhes sobre a composição dos jornais feministas que analisa; suas colunas, páginas, seus espaços, sua capa, logotipo, elementos compostos para atingir um público alvo - as senhoras. Expõe gráficos e imagens das capas dos jornais para análises e comparações.

Os projetos de Juana Manso desenvolvidos em suas publicações são amplamente estudados pela autora, principalmente aqueles voltados para a Educação. Defende uma escola com maior participação dos(as) alunos(as) no processo ensino-aprendizagem. Utiliza métodos de outros educadores como Pestalozzi. Em sua viagem aos Estados Unidos com o marido visita estabelecimentos de ensino e prisões. Encanta-se com o sistema prisional americano. Juana Manso vê a Educação como instrumento de transformação social, e nela inclui crianças, homens e mulheres. O Estado deve ter participação efetiva no financiamento educacional. Na Argentina, a educadora publica um livro didático da História da região platina para ser usado pelos alunos, e convida o governo para investir na publicação e utilização do material nas escolas primárias. Suas ideias educacionais têm origem, principalmente no pensamento dos iluministas franceses e ingleses, como Rousseau, Voltaire e John Locke, entre outros.

A vida escolar da feminista é narrada pela autora desde a mais tenra idade. Juana Manso frequenta a escola de primeiras letras e depois passa a ser autodidata, inclusive fazendo traduções de livros estrangeiros. Publica romances, sempre com o foco de defesa da emancipação e educação feminina. Participou de várias atividades nas escolas, inclusive sendo Diretora de Escola e professora. Todo seu trabalho foi voltado para a formação integral da mulher, e fazendo críticas diante da postura masculina diante da situação feminina. Tentou de todas as formas a ampliação da participação da mulher na sociedade, e não só no espaço limitado da família. Até no teatro, Juana Manso teve participação como autora e atriz. A questão da Educação da Mulher é fundamental em seu projeto de trabalho. Produz romances, defende a abolição da escravidão no Brasil, a emancipação das mulheres e dos indígenas através de suas obras. É uma educadora permanente, e a imprensa é seu espaço maior de suas lutas. Foi professora, escritora, jornalista, mas acima de tudo foi feminista.

Joana Manso obteve muito apoio pela publicação de seus jornais, especialmente no Brasil, através de suas leitoras e colegas de trabalho, mas teve também, durante toda sua vida, oposição de pessoas contrárias a suas ideias, e até ao seu perfil de mulher fora dos padrões estéticos e ideológicos da época, pois não era recatada, delicada, bela e submissa, e ainda era gorda, feia, pobre e protestante. Foi agredida fisicamente enquanto fazia palestra em defesa de suas ideias, além dos ataques de críticos na imprensa. Muitos estudos sobre Joana Manso são citados e analisados pela autora no livro. Questiona algumas ideias sobre o papel social e histórico da feminista nesses estudos, tanto de pesquisadores brasileiros quanto estrangeiros, mas não deixa de ressaltar que esses trabalhos constituem-se em contribuições intelectuais para a valorização e resgate da memória da grande personagem que deixou suas marcas em defesa da mulher, utilizando principalmente a imprensa, em três países: Argentina, Uruguai e Brasil.

No final do livro, a autora analisa com mais detalhes os projetos dos jornais feministas do final do século XIX na Argentina e no Brasil, e de suas autoras e colaboradoras. Explicita, entre outras conclusões, que a imprensa era o espaço de criação literária, não só para as mulheres, mas para os homens que tinham vocação para a escrita, além de ser o espaço de formação da cidadania, como era proposto pelas feministas em todas as suas publicações. Como Juana Manso, que tinha como meta principal a educação moral e intelectual das mulheres, em linhas gerais. Destaca, a autora, o papel das colaboradoras do Jornal das Senhoras, no Rio de Janeiro, que pretendiam dar sequência ao trabalho de sua criadora, apesar, que de forma estratégica, me parece, demonstrassem sua pouca capacidade para o cargo, ou talvez, para não, de forma ostensiva, competir com os homens em seu domínio, afinal a sociedade patriarcal não "permitia" este papel de escritores(as) para as mulheres, ainda. Um discurso moderado parece ser, na visão da autora, elemento importante para conquistar as leitoras. Destaca também que quanto maior o número de colaboradoras, mais tempo o periódico duraria, o que confirma o maior tempo de circulação do Jornal das Senhoras no Rio de Janeiro, que conseguiu circular por quatro anos. Juana Manso com a separação do marido passa a dedicar maior tempo de sua vida como mãe, como era comum em sua época.

Em uma breve tentativa de conclusão percebi que os jornais criados pelas feministas de meados do século XIX foram espaços privilegiados de crítica social e defesa de direitos iguais entre homens e mulheres, além da insistente defesa da Educação feminina como instrumento imprescindível para a garantia desses direitos. Em sua crítica, entre muitas outras, opinavam até sobre a moda feminina. Achavam que a moda europeia, e principalmente a francesa, precisava de adaptações para nossa realidade tropical. Também utilizaram publicações masculinas que defendiam os direitos das mulheres, afinal não queriam tomar o poder dos homens, mas garantir a todas as mulheres os mesmos direitos. Além dos direitos legais defendiam a igualdade quanto à capacidade intelectual igualada à dos homens. Não podiam ser inferiores aos homens, pois como eram capazes de educar seus filhos e dominar o espaço do Magistério? A suposta inferioridade feminina só podia ser justificada com  a aplicação de uma sutil ideologia de poder, que as jornalistas tentaram desconstruir/revelar com suas publicações.

Querem mais? Acho que não!





quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Livro Frans Kracjberg - Roseli Ventrella e Silvia Bortolozzo

 

Livro Frans Kracjberg

Roseli Ventrella e Silvia Bortolozzo

Introdução

Excelente livro sobre o artista Frans Kracjberg, inserido nas questões da arte em geral,  muito útil principalmente para se trabalhar em escolas com o objetivo de educar os alunos para as questões da arte e das preocupações com o meio ambiente. Como não temos a disciplina de Artes nas escolas, poderia utilizar a obra do escultor em temas transversais, tanto em Língua Portuguesa como em História, esta é minha sugestão, principalmente nas escolas de Nova Viçosa.

Desenvolvimento do texto

As autoras produziram um texto de fácil leitura e com uma composição visual muito atraente para qualquer tipo de leitor, e principalmente para os alunos das escolas. Começam o livro fazendo uma análise dos Movimentos artísticos europeus em que Kracjberg conviveu em seus estudos e em contato com amigos pintores e escultores. Mas Kracjberg não se enquadra em nenhum, adotando uma postura própria, como um Kafka que também, na literatura, terminou por criar sua própria escola, chegando a ser chamada de Kafkiana. Continuando o estudo, inserem no texto sempre alguma imagem das obras de Kracjberg ou de outro pintor, além das falas mais importantes sobre sua obra e a preservação do meio ambiente e, o que é essencial, leva o aluno a produzir sua própria arte utilizando as técnicas da escultura de Kracjberg. A sensibilização do aluno sobre a importância de se preservar o meio ambiente como garantia da permanência da vida humana no planeta é enfatizada durante todo o livro. Apresenta um mapa do Brasil com as áreas da Mata Atlântica à época do Descobrimento, em 1500, e a atual situação desta vegetação nos dias atuais, salientando pela imagem do mapa como foi violento o desmatamento e a exploração sem limites deste nosso patrimônio ecológico e histórico. Pelo mapa vemos como ficou a Mata Atlântica nos dias atuais, com apenas alguns focos dispersos ao longo do litoral brasileiro, ressaltando que apenas o sul da Bahia, local onde o escultor veio se instalar, preserva uma porção maior da mata original. Explica as autoras todo o processo de criação da arte de Kracjberg, tanto na coleta de matéria-prima, como as árvores queimadas pelas madeireiras, e o processo artesanal de feitura da tinta utilizada nas esculturas, também tirada da natureza, principalmente nas regiões de Itabirito, Minas Gerais, que possui muita quantidade de minério de ferro e outros minerais. Kracjberg restaura a vida à uma natureza morta em forma de arte que clama por justiça com o meio ambiente natural. É um grito de alerta para todas as gerações revelando o risco que corremos ao destruir nossa casa maior em nome da ganância capitalista. É um trabalho didático que deveria ser incentivado e utilizado nas escolas e nas comunidades. Excelente livro produziram as autoras. Não deixe de ler. Abaixo o mapa da Mata Atlântica antes e hoje (p. 56).

Situação preocupante para todo cidadão consciente de seu papel social




quinta-feira, 21 de julho de 2022

Frans Krajcberg - O poeta da árvore

 




Livro Frans Krajcberg
O poeta da árvore
Athylla Borborema

Apresentação
Na Apresentação, como é normal, o autor dá informações gerais sobre o livro e sua amizade com o biografado. Conta como ocorreu o primeiro contato com sua obra, ou seja, ainda no término de seu curso de Jornalismo. Depois disto passou a acompanhar a trajetória do artista até sua morte em 2017. Mostra a grandiosidade de sua obra e sua história de vida, desde o seu nascimento na Polônia, sua participação na II Guerra Mundial, o extermínio de sua família, sua opção de fazer o Curso de Engenharia e Arte na União Soviética, e depois, incentivado por um artista francês vir para o Brasil, indo morar nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Minas Gerais. E posteriormente, vir para Nova Viçosa, em 1972, por causa de seu ambiente natural, fator determinante de sua permanência aqui por 45 anos. Mostra também sua extensa obra artística produzida e publicada, e sua opção na defesa permanente do meio ambiente; missão que passa a dar sentido a sua vida de tanto sofrimento.

Introdução
Na Introdução o autor dá uma visão geral do assunto que será tratado no livro, ou seja, a vida e a arte de Frans Kracjberg. Mostra os instrumentos utilizados para a construção do livro como as inúmeras publicações existentes sobre o artista e sua convivência ao seu lado. Conta algumas passagens dessa vivência como a antecipar o que encontraremos no livro. Mostra como a vida do escultor está inserida em sua obra como parte essencial dela. Sua experiência na infância, seu sofrimento durante o período da II Guerra Mundial, seus problemas quando chegou ao Brasil, entre outros. Enfim, foca em sua militância em defesa da natureza e sua vida simples em contato com o meio ambiente natural. Valorizava os pequenos aspectos da natureza, como a beleza de uma flor e de uma pequena folha, o contato com a terra; inclusive chegava a dormir no solo ao lado de sua casa em cima da árvore. Gostava muito de fotografia, chegando a fotografar tudo que presenciava, mas não se via como um fotógrafo, e sim como escultor, mesmo tendo exercido a arte da pintura antes.

Desenvolvimento do livro
O autor começa o desenvolver o tema do livro - a biografia de Frans Kracjberg - fazendo uma análise artística de sua obra dentro do contexto do mundo das artes, suas características e seu papel social e pessoal. Vê a arte como a manifestação de uma visão de mundo do artista inserido no espaço em que viveu: seus ideais, seu sofrimento, suas alegrias, etc. Kracjberg teve uma vida tumultuada desde a infância, pois viveu momentos históricos traumáticos na Europa, como a II Guerra Mundial e a perseguição aos judeus pelos nazistas. Participou da guerra no exército da União Soviética, tendo sido homenageado por Stalin. O artista é comparado a um Picasso e Van Gogh (foi pintor antes de ser escultor). Defende uma Educação Ambiental para a formação das novas gerações capazes de combater a exploração do meio ambiente pela ganância capitalista. É um permanente educador ambiental em suas entrevistas, palestras e através de suas obras.

Em sua narração, o autor adota a técnica de repetir informações anteriores, acrescidas de outros fatos, formando um novo texto. Mostra um itinerário raro da vida de Kracjberg, pois foi um artista cosmopolita em sua arte e pela peregrinação pelo mundo, tendo feito exposição em 28 países do mundo, e sido homenageado na França e em outras nações, inclusive na Europa e no Japão foi considerado o maior escultor do planeta. No Brasil, morou nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Bahia. No Brasil vive uma vida de simplicidade, inclusive morando em cavernas, e em uma Kombi em Itabirito, em Minas Gerais. Poderia ter morado em qualquer parte do mundo, mas sua arte o chama para determinado ambiente - a arte comanda seu itinerário. Escreve 14 livros, inclusive um em homenagem a Nova Viçosa - Natura, em 1987 (na verdade são livros sobre o artista, pois ele mesmo afirmava que não era escritor, mas sim, escultor). É um livro só de fotografias do autor e pequenos textos seus e de amigos. Compra um terreno em Nova Viçosa, em 1972, incentivado pelo arquiteto e escultor José Zanine Caldas que pretendia desenvolver um projeto cultural na cidade, e constrói seu sítio Natura, onde viverá por 45 anos e produzirá um grande número de trabalhos. Utilizava restos das queimadas como matéria-prima de sua arte, pois assim revelava ao mundo o descaso do homem com a natureza.

O autor descreve suas passagens em filmagens produzidas e dirigidas por profissionais famosos no ramo. Inclusive para um de seus filmes, Kracjberg é entrevistado já aos 95 anos em seu sítio Natura, mesmo com a saúde debilitada. O texto faz uma análise das produções cinematográficas que revelam um artista profundamente engajado com sua realidade social, ou seja, a questão do desmatamento, principalmente da Amazônia, que o artista consegue relacionar aos fatos da II Guerra Mundial, ou seja, o pós-guerra com a Europa queimada pelas armas militares, mas mostra a diferença pela ausência de mortos nas queimadas no Brasil. Interessante notar como o artista tentou viver uma vida normal em solo brasileiro, tendo trabalhado em uma fábrica de celulose e numa azulejaria, mas sua arte o chamou para o isolamento para desenvolver sua vocação. O artista se diz revoltado com a ganância capitalista e com a violência contra a natureza. Acha o Brasil um país lindo para se viver - um Paraíso -, que devemos amar e preservar.

O legado de Frans Kracjberg, conforme o autor, foi sua prática educativa pela arte. Mostra como sua arte revela aos seus admiradores sua visão de mundo, e como a sociedade pode viver melhor valorizando suas riquezas naturais, que constituem o seu meio ambiente que deve ser preservado e cuidado. Faz o autor, uma viagem pelas correntes artísticas ao longo da História, analisando cada uma, e citando produções e artistas que foram importantes na História da Arte. Comenta sobre as mudanças na legislação brasileira sobre o currículo escolar, inclusive realçando como foi tirada a disciplina de Artes nas grades curriculares das escolas. Trabalha um pouco sobre a questão do uso da imagem nas aulas, e principalmente sobre a fotografia, em que Frans Kracjberg soube utilizar na produção de sua arte como memória do que visualizava na natureza. Cita alguns estudos sobre a vida do artista, inclusive elogiando algumas publicações em livro sobre a vida e a obra do escultor, mostrando que as duas são inseparáveis.

A chegada de Frans Kracjberg ao Brasil foi marcada pelo sofrimento intenso, pois não falava nossa língua e sem dinheiro, inclusive sua passagem de navio foi paga por um amigo  artista com quem conviveu na França. Viveu na miséria por um bom tempo, até conseguir emprego braçal para se sustentar. Com o tempo, e tendo trabalhado em museus fez amizade com artistas que lhe  ofereceram ajuda e moradia. Quando conseguiu um emprego na área de engenharia, mesmo não tendo terminado o curso devido a sua participação na II Guerra Mundial, não quis continuar devido ao seu espírito ecológico, pois presenciou a exploração das madeiras para utilização na fábrica. Saiu e foi morar isolado, apenas com um gato no meio do mato, fato ocorrido no Estado do Paraná. Com as muitas mudanças que fez, terminou por se estabilizar em sua vocação de artista, principalmente na escultura, tendo a natureza como seu foco de trabalho; não como seu imitador, mas com sua transformação em arte, principalmente utilizando a madeira. O autor do livro trabalha bem as questões teóricas sobre as artes plásticas, parece ser uma de suas especialidades.

O autor faz uma lista de eventos e publicações de Frans Kracjberg no Brasil e no mundo. Em sua longa vida e carreira produziu muita arte e participou de vários eventos em sua homenagem e sobre ecologia. Interessante sua participação na ECO-92 no Rio de Janeiro, fato bastante divulgado pela imprensa, mas que na época não tinha conhecimento da obra do artista, por isto não me interessei em acompanhar... uma pena! Pois através deste livro e de outras publicações que li depois de vir morar em Nova Viçosa, pude perceber seu valor como artista e revolucionário das artes, e das denúncias corajosas contra as atrocidades cometidas contra o meio ambiente. Achei que deveria ter feito mais exposições no Estado da Bahia, e não só em seu sítio Natura. Concordo quando o autor do livro diz que Frans Kracjberg foi um educador ecológico, pois seu discurso é professoral comprovado com a prática que viveu na arte e sua militância de cidadão.

Duas questões são essenciais na obra de Frans Kracjberg, conforme o autor: a obra enquanto instrumento de educação ambiental para os jovens, principalmente; e a quebra de paradigmas e conceitos pré-concebidos, ou seja, sua arte não seguia nenhum Movimento Artístico tradicional ou em moda; como Kafka na literatura, na qual tinha seu próprio estilo literário, inclusive chamado de kafkiano. Mas vamos à confirmação disso nas palavras do autor: "A contribuição de Frans Kracjberg para o contexto educacional advém das obras de arte (identidade como artista), do diálogo que elas proporcionam como componente pedagógico (mediação/contextualização) e do próprio artista, com seus depoimentos e a sua vivência (identidade como educador ambiental). A grande arma de Frans Kracjberg sempre foi a quebra de paradigmas e conceitos pré-concebidos, foi uma pessoa que teve uma visão além do tempo dela, que pensava nas gerações futuras, que hão de vir, e nos fez enxergar ao seu modo que todos nós somos responsáveis pelo meio que vivemos. (...)" (p. 167).

O autor faz um amplo roteiro de viagens de Frans Kracjberg em busca de materiais para a realização de suas obras no território brasileiro, especialmente pelas regiões da Amazônia. Nestas viagens era sempre acompanhado por companheiros, geralmente artistas como ele, preocupados com uma arte comprometida com as questões sociais, especialmente as ambientais. Nestas viagens, o autor relata com pormenores a situação vivida pelo artista e seus companheiros como as péssimas condições do ambiente natural; além das queimadas, o enfrentamento com insetos e mosquitos. Não era uma vida fácil de se viver, mesmo que por pouco tempo, nas condições de sobrevivência de extrema precariedade. Nestas viagens participou um morador de Nova Viçosa, José Alves da Silva, o "Zé do Mato". Importante notar que seu trabalho artístico, apesar de utilizar madeiras pesadas, foi feito individualmente até os últimos 20 anos de sua vida, e só a partir daí recrutou ajudantes para a realização de suas obras.  

De acordo com o autor do livro a Segunda Guerra Mundial, com os consequentes sofrimentos na vida do escultor e da população europeia, foi fundamental para fazer nascer a arte como forma de se formar uma nova identidade na vida de Kracjberg. Teve o artista de criar uma solução que desse sentido a sua vida. E a arte foi este caminho, mas que não deixava de revelar o que tinha passado, mesmo que com uma visão nova, ou seja, de transformar todo seu sofrimento, de sua família e de seu povo em instrumento de alerta contra as atrocidades que estavam acontecendo com a natureza, e o Brasil foi seu espaço escolhido como novo lar e como local para observar e manifestar sua revolta contra o que continua acontecendo, principalmente a queimada de nossas matas em nome da ganância capitalista.

Relata, o autor, sobre os artistas que influenciaram a obra de Frans Kracjberg, e o ajudaram na realização de seu sonho, e aqueles seus discípulos que tiveram sua influência, com destaque para Bia Doria, que pratica uma arte contestadora, utilizando os materiais que restaram das queimadas, e de outros desastres naturais, como o fez Kracjberg. Inclusive ficaram amigos e trocaram experiências na produção de sua arte. Como Kracjbert, Bia Doria realiza a mesma prática de seu mestre de buscar restos de madeira queimada em vários locais do Brasil. Bia Doria esteve várias vezes no Ateliê de Nova Viçosa e participou de um evento na cidade ao lado de Kracjberg - O Movimento "O Grito". Li o livro de Bia Doria: Redesenhando a natureza - Esculturas e Relevos. É o resultado de sua participação na exposição no Museu de Arte Contemporânea em Goiás, em 2015. No livro temos as esculturas famosas da artista: As Bailarinas da Natureza. Suas esculturas são muito semelhantes à escultura de Kracjberg. No livro, Kracjberg é citado como seu mestre, e por sua luta em prol da defesa do meio ambiente e do futuro do planeta.

Outros artistas que seguiram o caminho percorrido por Kracjberg na produção artística engajada na luta em defesa do meio ambiente, mesmo que não tenham a motivação do grande mestre da escultura de Nova Viçosa, também são destacados no livro. Mas o espírito de "grito" de socorro pelo planeta e pela natureza, neles permanece, além da utilização da matéria-prima degradada pelo ser humano como objeto de sua construção/reconstrução para uma arte em busca do ideal de sustentabilidade. Alguns artistas são estudados como Sergio Caribé; Bia Doria (já citada no parágrafo anterior); Cléa Lobato, que inclusive esteve no Ateliê em Nova Viçosa, e que aplicou os ensinamentos de Kracjberg na Educação, pois foi uma educadora múltipla; Everaldo Costa, que nasceu em Nova Viçosa, tendo trabalhado com o Mestre, e produzido a famosa obra "Casa da Árvore" de nome internacional, este artista mantém seu Ateliê na cidade, tendo sido amigo pessoal do escultor por 6 anos; Carlos Vergara, artista que se tornou amigo pessoal, inclusive foi companheiro de viagens de pesquisa de Kracjberg. É certo que Kracjberg, apesar da pouca confiança no ser humano devido à guerra, soube fazer ótimas amizades que souberam valorizar e divulgar sua arte, e se tornaram seus discípulos. Ou seja, a violência da guerra não lhe tirou a humanidade.

Escultura de Everaldo Costa - artesão de Nova Viçosa e discípulo do Mestre Frans Kracjberg

Em seu espírito de pesquisador sobre a obra e a vida de Frans Kracjberg, o autor praticamente não deixou ninguém de fora entre os amigos do escultor, seja em Nova Viçosa, Bahia, Brasil e no exterior. Fez várias entrevistas de pessoas que conheciam o artista e suas obras. Procurou por pessoas de todas as áreas, inclusive da classe política como o Governador do Estado da Bahia, escultores, intelectuais, e até atores de televisão e cinema como Christiane Torloni e Victor Fasano. Todos mostraram o valor do artista quanto a sua obra inovadora e sua revolta contra a violência praticada contra o meio ambiente. Só vimos elogios a sua obra, postura pessoal e relacionamento interpessoal. Recebeu o título tão sonhado de cidadão baiano das mãos do Governador da Bahia. E fez questão de frisar que nunca se considerou um polonês, como alguns órgãos de imprensa o tratavam, mas queria ser chamado mesmo era de brasileiro, mesmo tendo sofrido muito aqui também em sua chegada ao país, inclusive passado fome no Rio de Janeiro.

Aos amigos de Nova Viçosa, o autor dedica várias páginas e falas que demonstram a afetividade de Kracjberg com quem ele realmente confiava. Não eram muitos, como nenhum de nós tem um número grande de amigos verdadeiros, mas quando fazia um amigo a ele se dedicava plenamente como disse a sua amiga Lú Araújo: "Kracjberg era muito fechado, rebelde, escolhia as pessoas com quem ele queria se relacionar, mas quando gostava, ele era até pegajoso, muito atencioso." (p.268).  O Célio da Farmácia foi outro morador de Nova Viçosa que teve uma intensa amizade com o escultor, inclusive ele me contou que durante 10 anos os dois almoçavam juntos todos os domingos. Chegou também a cuidar do câncer de pele que Kracjberg adquiriu por sua cor muito branca, e o farmacêutico cuidou todo o tempo de sua doença, chegando até a dar banho no artista neste processo curativo. Outras pessoas são citadas no texto, principalmente seus auxiliares na arte da escultura, como José Alves da Silva, o "Zé do Mato", que ficará ao lado do Mestre por décadas, amizade que tem início em sua infância; Moacir Freitas da Silva, se torna um dos ajudantes do artista, ainda com 15 anos; Silvino Borges, foi seu principal escultor auxiliar até 1979; Benedito Nunes da Silva, o "Bibi", chega em 1976 ao sítio para trabalhar; em 1988 foi a vez de Manoel Nunes da silva, irmão de Bibi, chegar ao sítio. Ainda existiam os outros auxiliares no ateliê como Pedro Nunes e Ernesto Vitório do Nascimento.

Num gesto de compromisso com o futuro de sua obra, Kracjberg doa em cartório todo seu patrimônio  para o Governo da Bahia, em 2009, e em 2015, registra uma Comissão para a ajudar a cuidar de sua obra em sua ausência, unindo forças nesse trabalho de preservação de sua imensa herança. Escolhe uma equipe de cinco pessoas e registra no cartório de Nova Viçosa. Essa Comissão não tinha direitos materiais, portanto tinha que ser formada por pessoas da confiança do escultor e que amassem sua arte. A Comissão era formada pelas seguintes pessoas: a escultora, pintora, marchand e galerista carioca Márcia Barrozo do Amaral, que por 30 anos era a pessoa que organizava as exposições do artista e comercializava sua obras a partir do Rio de Janeiro. O escultor Oraldo do Nascimento Costa, funcionário do artista nos seus últimos 20 anos, e era amigo de confiança de Kracjberg; o policial militar Carlos Roberto Magalhães Monteiro, que por 14 anos chefiou a segurança de Frans Kracjberg, e com ele manteve uma grande amizade; Marlene Figueiredo Gonçalves, secretária direta do escultor e gerente dos seus negócios que trabalhou por 13 anos com o artista, e era considerada como uma filha para o artista; e o advogado Ernani Griffo Ribeiro, amigo por 30 anos de Kracjberg e cuidava de sua vida jurídica. Toda a Comissão faz análises e comentários valiosos sobre a vida e a arte de Frans Kracjberg.

Mãos que transformam morte em vida através da arte

É incrível como o ser humano é invejoso e ganancioso, apesar dessa não ser uma prática em sua maioria, e isto nos anima, principalmente quando descobrimos pessoas como Frans Kracjberg, homem desprovido de todo o interesse de ganhos pessoais, e sim preocupado com o bem das pessoas, da natureza e do planeta... mas como são raros! Estas pessoas vitoriosas na vida, mesmo depois de passar por tanto sofrimento, ainda são perseguidas, roubadas e até violentadas por gente desumana e insensível a tudo que há de bom em nosso caminhar por esta Terra. Kracjberg foi várias vezes assaltado, e até envenenado, em seu sítio Natura em Nova Viçosa, inclusive por pessoas que ele ajudava dando trabalho e carinho em sua companhia e em sua arte. Parece impossível isto acontecer, mas aconteceu, chegando levar o artista a falar em mudar de nossa cidade. Se mudasse, que patrimônio humano e cultural a cidade não iria perder! Mas felizmente resistiu e continuou seu trabalho em Nova Viçosa, mesmo com idade avançada com seus 90 anos de existência produtiva. Estes assaltos aconteceram, a maioria, em 2011, época em que o artista já tinha doado todo seu patrimônio cultural para o Estado da Bahia, portanto faltou a participação do governo estadual para a preservação da segurança do escultor e do acervo recebido. Mas Krascjberg ainda fez muita arte depois desses lamentáveis fatos, talvez o sofrimento na II Guerra Mundial tenha armazenado coragem no espírito do artista.

Justa homenagem do governo municipal em 2022 a Frans Kracjberg

É importante notar pelo texto do livro, que o artista Frans Kracjberg, apesar da opção por uma vida isolada da convivência com o ser humano em meio ao espaço natural, nunca foi apolítico, mas sim apartidário, pois sempre soube acompanhar o que acontecia no mundo, especialmente em relação ao meio ambiente, onde o homem e a natureza se relacionam necessariamente. Tanto isto é verdade, que faz duras críticas a posturas de governos chamados de esquerda, sabendo que estes têm em seu ideário uma ação mais voltada para as questões sociais como a cultura, a educação e a saúde. Prova disso é sua crítica ao Programa Fome Zero do Governo Federal, quando afirma que a riqueza que destroem serviria para dar comida a todos. "São poucos os brasileiros que conhecem este país. Não conhecem sua região. País rico, grande e muito problemático. Planos e projetos são efetuados sem análises prévias. O ouro sai do país via contrabando, a madeira também. Minas Gerais, Espírito Santo, Sul e extremo sul da Bahia tiveram sua floresta muito rica com uma exuberante Mata Atlântica, mas foi destruída em 50 anos, somente no sul baiano as madeireiras capixabas acabaram com tudo. E ninguém lembra que antes de tudo existia aqui, o índio. Se esquece dos índios, fala-se pouco desta raça e da sua cultura. E como todos nós nasceram neste planeta, temos o direito de viver", proclamou. (p.333). Essa sua visão política, se manifesta também na valorização financeira de sua arte, pois em média o valor de uma obra sua era de R$ 120 mil, chegando a R$ 1,5 milhão nos trabalhos grandes. Sua última festa de aniversário, quando completou 96 anos, teve a participação de muita gente importante como artistas, intelectuais e políticos, no seu aconchegante sítio Natura.

No final do livro, o autor trata do falecimento de Frans Kracjberg e do processo de doação de seu patrimônio ao Estado da Bahia, e da morosidade da realização das promessas de obras do governo no sítio Natura, em Nova Viçosa. Traça um quadro da vida pessoal do artista com detalhes pouco conhecidos como a sua convivência com um problema cardíaco desde a sua juventude, fator, que certamente determinava seu espírito inquieto e nervoso. Mas a manifestação deste problema se agrava no final de sua sua vida com suas várias internações e tratamentos. É interessante notar, como sua saúde debilitada não impedia o desenvolvimento de seu trabalho, e com certeza, em muitos momentos teve que utilizar de muita força física. Este fato só se justifica pela ausência de medo da morte do autor, e sua insistente vontade de viver. O autor fala de suas amizades, colegas de trabalho, sua afetividade com as pessoas que o cercavam e seu modo excêntrico de viver, com alguns detalhes importantes, como apesar de dormir cedo, não tinha uma boa noite de sono, conforme depoimento de sua enfermeira, pois acordava muito e tinha pesadelos; resultado claro de sua experiência de vida durante a II Guerra Mundial, guardada no seu inconsciente para sempre. Depois de sua morte, várias autoridades, artistas e intelectuais falam de seus valores artísticos e humanos, e lamentam a sua perda para a arte, a humanidade e para a natureza. Depois de uma batalha judicial entre a Comissão encarregada de cuidar do patrimônio do artista, e uma Associação Judaica alegando que Kracjberg era descendente de judeus e sobrevivente de guerra, portanto deveria ser sepultado em Israel, o artista foi cremado no Brasil e suas cinzas depositadas em local previamente escolhido no sítio Natura em Nova Viçosa. Assim afirma o autor, à página 386 do livro: "A cerimônia de imortalidade de Frans Kracjberg aconteceu na manhã de domingo, do dia 4 de dezembro de 2017, no Sítio Natura, em Nova Viçosa.". As promessas do governo da Bahia continuam sem realização até hoje, confirmando o que diz o autor no final: "Mas o tempo do Estado é o tempo do Estado.". 

Livro excelente que deveria ser lido por todo cidadão brasileiro. Provavelmente esta obra se tornará a fonte definitiva da vida e obra de Frans Krajcberg. Fica a sugestão de uma publicação pelo autor da mesma obra com um formato mais acessível ao público que ainda não tem o hábito de leitura; com menos páginas, e algumas ilustrações com as obras do grande escultor que projetou o nome de Nova Viçosa (BA) para o mundo. 

Parabéns ao autor do livro pela excelente produção literária que ficará para a história de Nova Viçosa e de nosso país!





terça-feira, 17 de maio de 2022

O Poeta da Paixão

 


Livro O Poeta da Paixão

Vinícius de Moraes

Inrodução:

No Prefácio, o autor mostra a dificuldade dos escritores, e principalmente dos historiadores, em reconstituir o passado em sua integridade, e aí entram também aqueles que pretendem retratar a vida de uma pessoa, como os biógrafos. Mostra como em determinada época as biografias eram tratadas como simples fofocas sobre os biografados. Mas insiste em seu trabalho de fazer uma biografia de Vinícius de Moraes o mais perto de sua realidade pessoal, especialmente no conhecimento do poeta - um ser humano em busca de sua realidade de vida através da arte da poesia. Não quer ser um simples narrador do herói e de suas aventuras amorosas e profissionais, mas um investigador dos segredos mais profundos da alma humana em sua caminhada pela estrada da vida, sempre com suas nuances de convivência.

Desenvolvimento da Biografia

O autor começa o livro relatando os detalhes da infância de Vinícius: seu nascimento, suas moradias, sua descendência, suas amizades na família, etc. Escreve quase um romance histórico, pois é cativante sua escrita; leve e objetiva. Mostra suas primeiras produções poéticas e seus primeiros "amores" ainda na adolescência. Destaca como Vinícius utilizava os poemas de seu pai como inspiração para suas primeiras obras. Dos primeiros relacionamentos faz, inclusive uma evolução em seus contatos no futuro, como seu encontro com a primeira namorada da infância em seu show depois de 56 anos. Dos anos de escola, herda sua preocupação mística dos primeiros versos, pois estudou em escola de Jesuítas. No período escolar participou de todos os eventos culturais promovidos pelos professores. Aprende a tocar violão, e com 14 anos já cria um conjunto musical. Começa um conflito entre o mundo religioso e o que ocorria em sua vida diária de adolescente., sendo que a realidade do Rio de Janeiro vai passar a dominar a maior parte de sua obra. Tem como primeiro e único guru o romancista Octavio de Faria, que terá de abandonar para definir os caminhos de sua poesia.

Nos relatos do livro sobre a vida de Vinícius nos anos 1920-30, mostra com detalhes a vida da juventude estudantil universitária da época, contextualizando os fatos ocorridos com as posições adotadas pelas autoridades e intelectuais. Vinícius ainda mantém sua origem religiosa, ainda muito influenciada pela Igreja Católica e os padres Jesuítas. É um estudante de Direito de acordo com os ideais da direita, em oposição ao Movimento de Esquerda nascente em decorrência da divulgação das ideias comunistas, das quais existiam alguns intelectuais seus seguidores. Começa nesta época a se definir como poeta publicando dois livros iniciais com ampla influência mística e religiosa.

Ao mostrar as influências de intelectuais, principalmente romancistas e poetas na formação literária de Vinícius, o autor traça um perfil político e social da primeira década do século XX. Refere-se aos artistas e suas tendências ideológicas como o Comunismo e o Fascismo, principalmente. Vinícius termina por se envolver com nomes do Fascismo no Movimento Integralista, mas a ele não se filia. Revela mais tarde, sua tendência política de esquerda. Se envolve com nomes que adotam um Catolicismo radical, mas também não tem um envolvimento efetivo, mesmo que tenha estudado em Colégio Jesuíta. A escrita do autor é leve mesmo em questões teóricas, o que dá prazer na leitura.

O autor faz uma evolução e análise das características da obra poética de Vinícius, não só a partir das obras publicadas, mas de rascunhos (às vezes sem muita qualidade), doados para a Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, pela família do poeta. Começa utilizando poemas escritos no período de seu envolvimento com a Igreja Católica, portanto analisa sua fase mística e religiosa. Pega alguns poemas e poesias e faz um estudo literário da obra. Interessante notar que algumas poesias eram bem elaboradas, mesmo sofrendo algumas críticas do autor do livro, mas revela já. um sentido de vida que corresponde a sua visão de felicidade que percorre toda sua vida.

Um bom estudo é feito sobre as relações entre Vinícius e Octávio de Faria. Suas trocas de correspondências, levam Vinícius a perceber que o romancista tinha outras intenções além de amizade, e numa época em que o homossexualismo ainda era tabu na sociedade brasileira e mundial. Os livros de Octávio de Faria na coleção Tragédia Burguesa revelam em suas histórias os traumas do autor com a questão sexual, que não chega a assumir. Seus personagens sofrem este trauma, chegando ao suicídio por não conseguir resolver esta situação, em uma de suas histórias. A relação entre os dois amigos é revelada na coleção de romances, mas não de forma explícita, mas muito provável. A amizade termina depois de uma longa carta (1932) de Octávio de Faria a Vinícius, pois a mesma não teve uma resposta conforme as intenções de seu autor. Consequentemente a carreira de Vinícius toma rumo próprio.

Vinícius, durante toda sua vida, conviveu com grandes nomes da literatura no Brasil. Foi privilegiado por passar sua juventude e fase adulta em uma época de grandes transformações culturais e artísticas. Com apenas 24 anos já tinha publicado 4 livros. Em sua fase produtiva conviveu com grandes nomes da poesia, do romance e da crônica, como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos; e os arquitetos Oscar Niemayer, Lúcio Costa, e pintores como Portinari. Certamente estes intelectuais deixaram suas marcas na obra de Vinícius. Quando entra para a Bossa Nova sofre críticas de algumas pessoas que acham a música, quase uma banalização da poesia. Sua fase em Oxford foi muito produtiva, talvez pela solidão necessária do artista. Casa-se com Tati e vive seu primeiro amor real, sem a visão mística da paixão. Nos Estados Unidos apaixona-se pelo cinema e o Jazz.

Os estudos de Língua e Literatura Inglesas é interrompido pelo início da Segunda Guerra Mundial. Vive uma aventura de fuga da Europa junto com a esposa Tati. Lá se encontra com o escritor Oswald de Andrade. Chegando ao Brasil se prepara para o Concurso no Itamarati e se envolve com muitos escritores e artistas, não só do Brasil como de outros países como Pablo Neruda e Orson Welles. Suas amizades envolviam artistas de várias áreas, e não só da Literatura. É um período de muitos encontros, sendo que algumas amizades permanecerão por toda sua vida, como dos mineiros Hélio Pellegrino, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende, além do capixaba Rubem Alves. São contadas várias histórias interessantes de sua volta ao Brasil, principalmente como resultado de seus encontros nas famílias de amigos e nos "bares da vida".

Uma viagem ao Nordeste com o escritor americano Waldo Frank revela ao poeta um Brasil real, sem o conforto e riqueza do Rio de Janeiro e outras cidades brasileiras. Esta viagem "gerou um novo Vinícius, mais apegado às coisas do chão.". O poeta chega a afirmar que saiu do Rio de Janeiro como homem de direita e voltou como homem de esquerda. Além do conhecimento da realidade social nordestina, começa a conviver com sua cultura espiritual, talvez daí sua volta para a Bahia para um bom período com o povo e a cultura baianas. Relação que provocou grandes obras musicais, chegando até a criar o Afro samba, que o autor não cita. A partir daí produz várias músicas de sucesso com temas nordestinos, como Tarde em Itapuã, Canto de Ossanha, entre outras. Um novo artista surge para o poeta sempre em transformação. É um amante da liberdade e da busca sem medos de novos caminhos.

O autor agora começa a narrativa dos nove casamentos do poeta, tendo início com a união mais longa que é com Tati (Beatriz Azevedo). Depois de algum tempo, Vinícius casa-se só na Igreja com Regina Pederneiras, mesmo estando casado com Tati. O casamento dura apenas um ano, pois Regina termina a relação. Vinícius entra em depressão e chora a separação, mas depois volta para Tati, que continua apaixonada. O estudo continua realçando o lado místico de Vinicius, com seus pesadelos, sonhos e presságios, além dos presságios de amigos como Fernando Sabino, que previu o acidente com o avião que ia do Rio de Janeiro a Buenos Aires. Vinicius muda-se para os Estados Unidos com a família e se envolve com muita gente famosa do cinema e da música, principalmente do Jazz. Neste período sua produção literária é muito limitada.

Agora é a vez do terceiro casamento de Vinícius (Lila Boscoli). Uma mulher culta que tem Vinícius como seu ídolo na poesia. É mais nova 18 anos que o poeta, este tem 38 anos e ela fazendo 20. Mas é um amor que é pura paixão. O poeta dedica poesias maravilhosas em sua homenagem, afinal era muito nova e tinha muita semelhança com a cultura de Vinícius, e vinha de uma família de artistas e intelectuais. Neste período Vinícius passa por várias aventuras em sua vida, por ser um "descobridor" de novos ambientes, e um dos preferidos é a convivência em Belo Horizonte com seus amigos escritores mineiros, e por um trabalho sobre o Aleijadinho que é chamado a colaborar, e para isto tem que conhecer as várias cidades históricas de Minas, onde o escultor produziu suas obras. Vinícius é múltiplo e numeroso em sua obra e em sua vida. Não dá para conhecê-lo, apenas amá-lo, como diz o autor de sua biografia.

Interessante notar como Vinícius, apesar de ser um funcionário de Carreira do Itamaraty vive sem dinheiro, mesmo pagando pensão de seus dois filhos com a ex-esposa Tati. Certamente não administrava bem sua renda - coisa de artista. Li inclusive, que mesmo quando ele era já famoso, inclusive internacionalmente, seu dinheiro era escasso, pois gastava em excesso, e chamaram a esposa de Tom Jobim para administrar suas rendas, sendo este último um amante de um bom capital. Por causa de suas dívidas, teve de trabalhar em vários jornais, inclusive em uma coluna de conselhos sentimentais e com nome de mulher que ele criou - Helenice. Só saiu quando foi servir na Embaixada Brasileira em Madri. Com sua nova esposa, Lila, tem duas filhas: Georgiana e Luciana.

O livro mostra o lado humano de Vinícius, com seus traumas, desilusões, manias e também, seus sonhos. Revela seu lado carente de atenção quando faz de tudo para estar acompanhado de amigos e amigas. Até sua mania de desmaios quando não queria fazer alguma coisa ou quando não gostava de alguma situação. Fato que nunca tinha visto falar ou sendo publicada, que são duas tentativas de suicídio quando estava desanimado com a vida, mas sempre teve muita sorte de encontrar pessoas que o socorressem. Quem conhece um pouco da vida do poeta não pode imaginar uma situação dessa, pois sempre foi bem sucedido na vida; sendo valorizado e possuído bons cargos públicos. O lado humano é permanente nesta sua biografia, talvez pelo fato do autor ter utilizado muitas fontes inéditas.

O autor dedica um capítulo sobre a produção da peça teatral Orfeu da Conceição, que depois vira filme, e do início da parceria de Vinícius com Tom Jobim, elemento essencial para a realização musical da obra. Começa pelo contato com uma francesa sobre a produção de um filme, que é descoberto pelo poeta em seus arquivos de dez anos atrás. Obra abandonada pelo autor e que viu a chance de utilizá-la nessa ocasião. Inicia os trabalhos de recuperação da obra. Nessa fase encontra colaboradores de todos os níveis artísticos, inclusive de Niemayer na produção do cenário. Nesta narração insere fatos marcantes na vida de seus parceiros, inclusive envolvendo situação financeira. Esta obra marca o início de uma nova fase em sua vida e de Tom Jobim. Viram artistas internacionais.

A capacidade musical de Vinícius é valorizada, principalmente como compositor. O autor afirma que a história da música popular brasileira pode ser dividida em antes e depois de Vinícius, pois até meados do século XX a música brasileira possuía boa qualidade nas melodias, mas as composições eram fracas. Vinícius traz a poesia romântica para a música, além de sua modernidade através de sua participação na Bossa Nova - símbolo de qualidade musical, mesmo que esta não seja tão popular. O texto do livro mostra sua relação com músicos de sua época, principalmente com Antônio Maria, seu amigo compositor e jornalista. Neste período a paixão por Lila já está no final, e o poeta faz uma bela poesia de despedida, e um novo amor irá surgir em sua vida, provavelmente seu maior amor - Lucinha Proença.

O autor dedica boa parte do livro à relação entre Vinícius e Lucinha Proença. Volta na história quando Lucinha tinha apenas 15 anos e participa de um encontro quando o poeta já era casado. Depois que os dois estão casados, e com os casamentos à beira do fim, é que novamente se reencontram e nasce uma grande paixão. Lucinha Proença vai ser o quarto casamento do poeta. Seus encontros são planejados e literalmente viajados dentro do Brasil e fora do país. Mas nasce realmente uma paixão correspondida já na maturidade dos dois amantes na década de 1950. Nas relações artísticas do período vale ressaltar o surgimento de Baden Powell na vida de Vinícius, fato que vai marcar sua vida para sempre e a produção de grandes sucessos, além do estilo Afro samba; uma marca baiana de Baden. Interessante notar nos círculos de amizades intelectuais de Vinícius a presença de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir em sua residência no Brasil.

Vinícius está trabalhando no Uruguai e loucamente apaixonado, como é seu estilo. Então pede uma transferência para o Rio de Janeiro para ficar perto do seu amor, e o faz como ninguém jamais o fez na história do Itamaraty, ou seja de forma pessoal e poética. Assim se expressa em carta para o Itamaraty: "Preciso de fato voltar para o Rio. Não é um problema material, de dinheiro, ou de status profissional. Tudo isso é recuperável. É um problema de amor, pois o tempo do amor é que é irrecuperável." (p. 212). E o poeta conseguiu sua transferência em 1960.

De volta ao Brasil, Vinícius vai morar em Petrópolis com a família e passa a receber vários amigos para conversas e produções artísticas. Petrópolis não é só um ambiente de descanso, mas de trabalho principalmente. Sua casa é uma reprodução do Catetinho que era a habitação inicial de JK em Brasília, obra do arquiteto Oscar Niemeyer. Os parceiros de costume fazem da casa do poeta quase uma moradia. Surge um novo parceiro: Francis Hime. No ir e vir da narrativa do autor, este revela algumas produções interessantes de Vinícius com Tom Jobim, por exemplo, que compõem uma sinfonia para Brasília a pedido do Presidente JK, e a criação do Hino Oficial da UNE (União Nacional dos Estudantes), por Vinícius e Carlinhos Lyra, um ano antes do golpe militar de 1964.

Agora é a vez da quinta esposa de Vinícius, Nelita de Abreu Rocha. Mesmo que o poeta viva solicitando a presença de Lucinha Proença nos intervalos dos relacionamentos, nunca mais retorna para o amor de sua vida, fato confirmado, inclusive por suas ex-esposas. É durante o início de um novo amor, que Vinícius encontra o Quarteto em Cy, e passa a frequentar as altas rodas artísticas do Rio de Janeiro em sua companhia. Vê as baianas do Quarteto musical como excelentes cantoras afinadíssimas. Vinícius é campeão em dar força e ter a companhia de futuros artistas e profissionais da imprensa, como Cazuza e Pedro Bial (repórter de sucesso da rede Globo até hoje. E Cazuza, no futuro, um grande sucesso do Rock brasileiro de qualidade.

O casamento com Nelita de Abreu é quase uma aventura dos filmes de Hollywood, pois por sugestão de Carlos Lyra, Vinícius aceita raptar Nelita e levá-la para Paris, Embaixada do Brasil para a qual conseguiu, num golpe de sorte, sua transferência. Carlos Lyra, Tom Jobim, Fernando Sabino e Otto Lara Resende ajudam na manobra até o aeroporto. Mas em Paris a vida de Nelita não é nada do que sonhara, pois Vinícius volta ao alcoolismo, e deixando a esposa de lado. Além da situação financeira precária, pois o Itamaraty atrasou todos os pagamentos por três meses. Eram tempos difíceis no Brasil. O desastre da renúncia de Jânio Quadros e o governo João Goulart com as constantes pressões de militares e trabalhadores.

O autor dedica um bom texto sobre a criação da música Garota de Ipanema,, fato já bem conhecido, mas que lança a música popular brasileira a um nível internacional. Esta música termina se tornando um símbolo do Brasil, como o futebol, o samba e o carnaval. A musa que deu origem à música, Helô Pinheiro custou a acreditar que estava sendo homenageada por dois grandes músicos e poetas da época. A música virou filme, mesmo que de baixa qualidade. E a atriz principal conseguiu atuar em filmes até no exterior, por causa de sua participação no filme, mas no Brasil teve papel insignificante no cinema brasileiro.

A parceria com Baden Powell garante o Vinícius múltiplo. Com um baiano, Vinícius se afasta um pouco da Bossa Nova elitizada do Rio e vive uma nova realidade social mais popular e trabalhista (O Operário em Construção). Nesta época o país passava por tempos difíceis e, e muitos artistas e cineastas vão para Paris onde Vinícius atua na Embaixada brasileira. Lá acontece o encontro de nomes da música e do cinema que produzirão trabalhos que ficarão para a História. Glauber Rocha e Cacá Diegues são os principais cineastas em ação na França, e Vinícius e Baden Powell trabalham sem parar neste ambiente. Nelita, esposa de Vinícius é homenageada com a música Minha Namorada de Carlos Lyra e Vinícius, e belas poesias do poeta. Nelita termina se adaptando ao ritmo de vida de seu marido... por enquanto.

O autor não deixa de contextualizar a participação artística do poeta, pois sempre mostra o ambiente político em que o personagem está inserido. Depois do golpe militar de 1964, Vinícius deixa Paris e volta ao Brasil, pois não se sente à vontade em representar um país que implantou uma ditadura em oposição a uma democracia que caminhava a passos largos com o envolvimento cada vez maior da classe trabalhadora, artistas e intelectuais. No Brasil se envolve em várias produções artísticas como o teatro e o cinema, principalmente mas que nada vai para frente. Nesta fase fica amigo de Dorival Caymmi, do qual recebe algumas boas influências. Até seus amigos históricos ficam impressionados com seu poder de criação nesta fase da vida. 

Minas Gerais é o Estado de refúgio de Vinícius de Moraes, pois sempre que está com problemas de solidão ou separação procura o aconchego das cidades e amigos mineiros. Ouro Preto é a cidade preferida do poeta para seu refúgio. Belo Horizonte é a cidade de seus amigos, principalmente dos escritores Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos, além de outros fora do círculo literário. Pede ao Itamaraty para transferi-lo para prestar serviços ao governo de Minas, solicitação atendida. Começa então um projeto cultural em Ouro Preto. Neste período se separa de Nelita, depois de muito tempo de espera da esposa para a separação, pois o estilo de vida de Vinícius não é suportado pela jovem Nelita.

Entre 1968 e 1969 o poeta passa sua pior fase, pois perde a mãe e no Brasil, o Regime Militar edita o AI-5 - implantando a linha mais autoritária do governo. Mas em 1969 começa outra boa fase musical com a parceria com Toquinho, na Bahia, quando canta Tarde em Itapuã. No Itamaraty sua situação se complica com o ato de exceção, pois é considerado um alcóolatra, situação que leva a sua aposentadoria compulsória. Seu casamento praticamente já acabou, e como de costume tem uma nova paixão que conheceu em tempos antigos - Cristina Gurjão -, seu sexto casamento. Com ela tem uma filha, Maria Gurjão. Mas seu casamento com Cristina vive abalado pelas aventuras do poeta, como com Neusa Borges. Com sua aposentadoria compulsória, passa por uma breve crise financeira, resolvida por suas economias nos Estados Unidos. Segue o autor relatando as aventuras de Vinícius com seus amigos, principalmente os paulistas. Recebe elogios de Drummond e Neruda, e também críticas de amigos por suas constantes mudanças de parceiras, chegando a perder o título de poeta do amor, mas da paixão explosiva, empolgante, e passageira.

O autor aprofunda a relação entre Vinicius e Chico Buarque, sendo que este último conheceu o poeta quando ainda era criança na casa de seu pai, Sérgio Buarque de Holanda. Nas músicas produziram algumas raridades como Valsinha, mas Chico terminou tendo vida própria na música. Vinícius dá a parceria de Gente Humilde a Chico sem nenhuma necessidade, como atesta o próprio Chico, fato que seria compensado em canções em que o poeta não participa e recebe a parceria de duas músicas de Buarque. As relações extraconjugais são frequentes na vida de Vinícius, e em determinado momento sua falta de sensibilidade para questões fora da paixão pelas mulheres é revelada, talvez isto mostre a nossa multiplicidade e individualidade de sentimentos, como ocorre com a inteligência. Fato que deve explicar o amor de algumas pessoas mais por animais do que por seres humanos. Até os governos hoje adotam posturas parecidas com os direitos humanos e dos animais e plantas.

A separação de Vinícius e Cristina Gurjão é narrada com detalhes, inclusive nos diálogos e agressões físicas e nas palavras. Foi uma separação difícil, pois Cristina estava grávida de Maria, não muito longe de seu nascimento. O motivo foi uma nova paixão do poeta: Gessi Gessy, seu sétimo casamento, baiana envolvida com o candomblé. Vinicius se encanta com sua beleza, e certamente com seu misticismo. Mesmo separado de Cristina, o poeta não deixa seu ar de onipotente, inclusive com o pedido de mudança da data de nascimento de sua filha, pois a mesma iria nascer de uma cesariana. Mas Cristina não aceita a mudança, e Maria nasce um mês antes da data prevista. Vinícius faz um soneto lindo para Gessi - Soneto de Luz e Treva.

Varias páginas são dedicadas à relação entre Vinícius e Gessi. O poeta, penetra, através da amante, de um mundo novo e místico. Está com sessenta anos, fase em que todos nós, seres comuns, procuramos nos acomodar em nossa situação, sendo mais cuidadosos, prudentes, sábios. Mas Vinícius não é uma pessoa comum. Com esta idade começa um casamento com uma mulher mais nova que ele 26 anos. Inicia sua parceria com Toquinho, que podia ser seu neto, com apenas 23 anos. Faz shows em Universidades com maioria de jovens estudantes. Enfim, o poeta surpreende mais uma vez. Quanto à Bahia já conhecia desde a década de 1950, mas é com Gessi que entra no mundo místico de sua sociedade. Gessi é sua juventude resgatada, mesmo que sinta um certo desconforto neste mundo novo. Revela-se tímido em determinados momentos... seria esta uma característica dos artistas? Devem possuir um certo medo de uma possível rejeição da qualidade de sua obra, talvez seja este o problema. No período na Bahia, Vinícius adiciona um novo parceiro em sua longa lista de parcerias, desta vez é Jaime Lerner, quando participa de um projeto cultural em Curitiba, Paraná.

A parceria com Toquinho marca a fase mais produtiva do poeta, Vinícius de Moraes, mesmo estando com a idade já avançada. Toquinho parece fazer renascer sua juventude, como Gessi sua esposa, que realiza os sonhos eróticos do poeta com suas festas cheias de orgias e liberdade sexual. A própria Gessi, incentiva Vinícius a ter outras experiências sexuais fora do casamento, coisa que nunca aconteceu antes, pois esta prática era realizada às escondidas nas outras relações. A década de 1970 era o tempo do surgimento da Tropicália e da decadência da Bossa Nova. Mas isto não afetou a produção musical da dupla, pois Vinícius trabalhava em um projeto, mas sempre se voltava para novas aventuras na vida pessoal e artística. Era o auge da Ditadura Militar no Brasil, mas Vinícius não enfrentava o governo e nem o apoiava, apenas fazia sua arte, postura que foi criticada pela imprensa.

Sobre o casamento com Marta Rodrigues Santamaria, seu oitavo casamento, uma moça argentina, quase quarenta anos mais nova que o poeta, o livro quase não fala, focando mais na obra e shows do poeta. Marta também continua o resgate da juventude do poeta. Mas ele não dedica muito tempo em sua convivência, principalmente agora que tem a companhia de Toquinho em sua parceria mais produtiva. Na política, Vinícius apesar de ter uma origem burguesa, e até uma breve simpatia com o fascismo do Integralismo, volta-se para a esquerda, inclusive filiando-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas sem envolvimento efetivo em suas ações, pois não aceita seu dogmatismo e seu espírito conspiratório. Talvez tenha sido influenciado pelos inúmeros amigos comunistas como Ferreira Gullar, Carlinhos Lira, Augusto Boal e outros.

Sua nona esposa, Gilda Mattoso, apesar de ser a mais nova de todas, com apenas 19 anos, ou seja, mais de quarenta anos mais nova que o poeta, é quem vai ver seu triste, mas produtivo final. O início do relacionamento foi quase uma aventura de cinema, com suas variantes de encontros sem planejamento algum. Viaja com a esposa para a Europa e vários outros lugares, inclusive Gilda faz-se amiga das duas últimas ex-esposas de Vinícius. Suporta bem sua vida desregrada, agora acompanhada de doenças sérias que levam ao seu fim, mas sempre que tinha uma pausa, o artista continuava produzindo obras e apresentando seus shows. O autor do livro termina sua narrativa de forma brilhante: "Vinicius de Moraes viveu, amou, escreveu, cantou, para fugir da morte. Para negá-la. Todos fazemos o mesmo. Mas só um de nós se chamou Vinicius de Moraes.".

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