domingo, 7 de fevereiro de 2021

As Escolas Históricas - Guy Bourdé e Hervé Martin

 Livro As Escolas Históricas

Guy Bourdé e Hervé Martin

No prólogo, os autores explicam o objetivo do livro, afirmam que mesmo podendo ter um enfoque diferente do estudo dos métodos da História, escolheram "... uma perspectiva acima de tudo historiográfica, ou seja, o exame dos diferentes discursos do método histórico e dos diferentes modos de escrita da história, da Alta Idade Média até os tempos atuais." Poderiam adotar um ângulo filosófico, examinar as relações entre a história e outras ciências, ou enumerar técnicas das ciências auxiliares da história, por exemplo. Mostra como alguns métodos dos historiadores gregos antigos como Heródoto e Tucídides continuam presentes até hoje, apesar das falhas de Tucídides em alterar os discursos dos protagonistas de suas narrativas, mas apontam que a ciência histórica evoluiu muito desde então. Fazem uma crítica do próprio trabalho ao constatar o estudo privilegiado dos historiadores franceses. Ao final de alguns capítulos, os autores inserem documentos que ajudam a explicar o conteúdo estudado, como alguns livros didáticos de história o fazem.

Capítulo 1 - Perspectivas sobre a historiografia antiga
Sobre a historiografia na Antiguidade Clássica, o livro realça o papel de Heródoto - "um espírito que tem curiosidade por tudo." e de Tucídides - "... o fundador da história crítica, para não dizer de toda a história clássica..." Analisa a metodologia da pesquisa histórica de ambos, sendo que os dois historiadores deram início ao processo "científico" do conhecimento histórico, pela constante busca da verdade dos fatos através de depoimentos, da experiência dos autores e de documentos oficiais. Valoriza a a ação dos dois historiadores para o início dos estudos históricos. Não vejo muita diferença entre Heródoto e Tucídides quanto à metodologia da pesquisa histórica; como disse Paul Veyne, "o método histórico não sofreu nenhuma mudança desde Heródoto e Tucídides". Apenas Tucídides é mais sistematizado que é Heródoto, assim como Políbio o é mais que Tucídides. Outra questão importante trabalhada no texto é sobre as causas dos eventos, mais que a simples narração dos fatos, e a partir dos historiadores romanos esta questão é tratada com mais relevância. Fica claro no texto a presença de quase todos os historiadores antigos nos eventos narrados, principalmente como militares, e uma preocupação com uma história recente.

Capítulo 2 - A história cristã da Alta Idade Média (séculos V-X)
O próprio nome do capítulo já identifica a característica principal da Alta Idade Média - cristã. Todos os historiadores se preocupavam mais em narrar feitos ligados à Igreja e seus seguidores e autoridades religiosas. Não se preocupavam tanto com a "verdade" dos fatos, mais com a maneira de contá-los, e nisto foram muito bons, conforme opinião dos autores do livro. Suas fontes mais importantes eram as orais, e mesmo quando tinham documentos, desconfiavam dos mesmos. Misturavam fatos históricos com lendas e feitos maravilhosos em suas narrações. Geralmente, os historiadores eram membros da Igreja: padres e bispos. A experiência dos autores fazia a diferença no "contar a história", dando a esta credibilidade.

Capítulo 3 - Os cronistas dos séculos XI-XV
Os chamados cronistas dos séculos XI-XV, em sua maioria, não adotavam os métodos da História como conhecemos hoje, mas mesmo assim encontramos historiadores no período. Os cronistas narravam fatos do dia a dia e também de longa duração. Não se preocupavam com as causas dos acontecimentos e nem com suas fontes e veracidade, salvo raras exceções. Muitas vezes faziam elogios a reis e autoridades políticas e religiosas. Até a história oral era pouco explorada, além da autenticidade dos documentos ser "garantida" pela palavra ou depoimento de uma autoridade. Tinham historiadores leigos e oficiais. E a experiência do "historiador" fazia parte da maioria das narrativas.

Capítulo 4 - Historiadores e geógrafos da Renascença
Os historiadores da Renascença rompem com a história medieval caracterizada pela crônica e uma solução religiosa para os problemas humanos. Os renascentistas buscam a razão para a explicação dos acontecimentos humanos, e para isto procuram as causas que movem os fatos. A História se divide e procura uma narração específica sobre a vida militar, sobre os nobres, os clérigos, a história política, etc. Utiliza outras ciências para a compreensão dos fatos históricos como a Geografia e a Economia Política. Tenta uma história total abarcando todos os questionamentos e informações possíveis para a reconstrução da realidade. Também pratica uma História Regional para o conhecimento de determinadas regiões estudadas pelos historiadores. Neste capítulo os autores não utilizam de documentos para melhorar a compreensão do texto.

Capítulo 5 - As filosofias da história
Neste capítulo os autores fazem comentários sobre o pensamento dos filósofos, principalmente a partir do século XVIII, sobre a história. O Iluminismo é o período que dá origem à filosofia da história. Buscam estes pensadores compreender a importância, seu método e alcance dos estudos históricos. Partem, quase sempre, da realidade vivenciada para explicar os "mecanismos" históricos, como a ascensão do Nazismo e das Guerras Mundiais. Alguns filósofos como Kant, Hegel, Comte, Spengler e Toynbee são estudados com mais detalhes, além da realização de comparações entre eles. O que se pode notar é o profundo interesse de outras áreas pela História, principalmente a partir do Renascimento e Iluminismo, o que termina envolvendo os intelectuais na discussão histórica. Também neste capítulo não se utiliza documentos para completar o texto.

Capítulo 6 - A História erudita de Mabillon a Fustel de Coulanges
Neste capítulo entramos em uma parte de muita teoria da metodologia para a pesquisa histórica. Os métodos de pesquisas dos vários historiadores do período são amplamente analisados. Percebemos a preocupação constante com a busca da verdade histórica, e para isto buscam elementos de sua garantia. Nas páginas 125-126 temos um breve relato desta preocupação: "Quem diz história, diz um narrado fiel, um relato exato e sincero dos acontecimentos, apoiado no testemunho de seus próprios olhos, em registros fidedignos e indubitáveis, ou no que contam pessoas dignas de fé.". O autor produz um longo texto sobre Voltaire, valorizando sua pesquisa histórica como marco de um novo tempo da historiografia, pois o mesmo é rigoroso na produção histórica e possuidor de um senso crítico apurado. Voltaire defende, em linhas gerais, uma história de grandes personagens e de uma história total. Veja abaixo, texto de Voltaire (pág. 129):

O autor se utiliza de documentos para a melhor a compreensão do texto.


Capítulo 7 - Michelet e a apreensão "total" do passado
Neste capítulo, o autor faz uma defesa inicial do historiador que cria grandes expectativas sobre seu papel na historiografia, mas na exposição textual não mantém esta imagem de um nome "superior" aos demais historiadores. Michelet tem um projeto ambicioso de história, ou seja, o de ressuscitar e recriar a própria história ou sua realidade em determinado momento. E para isto busca os detalhes da convivência humana, pensando a prática de uma história global. Para o erudito, a questão as raças e seus costumes são fundamentais. "A 'totalidade vivida' que Michelet quer reconstituir se situa num nível mais profundo que o 'global' dos historiadores atuais. Trata-se da captura de uma unidade viva e não apenas de instâncias interconectadas." Daí o a diferença entre Michelet e os demais historiadores, conforme o autor. Utiliza de documento no final do texto para melhorar a compreensão do texto.

Capítulo 8 - A Escola Metódica
Esta escola histórica é a única que tem um método próprio de pesquisa para a produção historiográfica, pois não utiliza de metodologias de outras ciências humanas como a Sociologia, a Etnologia, a  Filosofia, a Economia, etc. É uma "história pura", pois possui um método próprio e sistematizado para a busca do conhecimento histórico. Suas fontes principais são os documentos escritos, e para sua compreensão criou um método próprio.  Como o próprio autor do texto afirma: "A escola metódica quer impor uma pesquisa científica que afaste qualquer especulação filosófica e que vise à objetividade absoluta no domínio da história; acredita poder chegar a seus fins aplicando técnicas rigorosas concernentes ao inventário das fontes, à crítica dos documentos e à organização das tarefas na profissão." Esta escola é também chamada de "positivista", erroneamente, pois não se preocupa com as questões filosóficas, principalmente do Positivismo de Comte. É uma escola que se preocupa com a educação da juventude, cultuando valores morais e nacionalistas. É uma história que privilegia os acontecimentos políticos e seus grandes líderes, em detrimento dos fatos econômicos, sociais e culturais. Ao longo do texto são realçadas as contradições dessa escola, pois termina por praticar ações contrárias aos seus princípios, principalmente em relação à especulação filosófica, pois se posiciona em várias questões do governo francês. Os Annales fazem uma crítica sobre o ausência das fontes históricas de pesquisa não documentais que a escola negligencia.

Capítulo 9 - A Escola dos Annales
Logo no início do capítulo o autor mostra que a Escola dos Annales combate a Escola Metódica com suas características principais como a valorização do acontecimento e a vida política e anuncia o novo foco dos Annales, ou seja, o predomínio do econômico sobre o político, a organização social e a psicologia coletiva. Aproxima também a História das demais ciências. Nasce com os Annales a História das Mentalidades e a longa duração. Pela exposição do texto sobre Marc Bloch, este me parece o verdadeiro criador do método da Escola dos Annales, pois em seu livro A apologia da História ou o ofício de historiador propõe uma história integrada e abrangente, principalmente em suas fontes de pesquisa: "É o espetáculo das atividades humanas que forma o objeto particular da história". Portanto precisa, a História, de outras ciências para esta compreensão. No final do capítulo percebemos a defesa cada vez maior da relação entre a História e as outras ciências humanas, tanto nas palavras dos autores da Escola dos Annales quanto em suas produções. Na produção historiográfica, esta se apropria dos métodos de pesquisas de outras ciências, como a Sociologia, a Antropologia, a Etnologia, entre outras.

Capítulo 10 - A História nova, herdeira da escola dos Annales
A História Nova é realmente herdeira da Escola dos Annales, pois utiliza do mesmo pensamento dos iniciadores desta escola, ou seja, uma pesquisa interdisciplinar, sem sistematização e com novas fontes de pesquisa. O autor faz um longo texto sobre a teoria que gerou a Escola dos Annales, comparando seus iniciadores e outros teóricos de escolas anteriores. Na História Nova, as fontes se ampliam, pois algumas fontes esquecidas tornam-se fundamentais para a pesquisa. Continuam utilizando de outras ciências para o conhecimento cada vez mais completo da realidade. Preocupam-se com uma História Global, mesmo partindo de fatos particulares. Faz uma dura crítica da Escola dos Annales por seu personalismo, pois seus criadores se beneficiaram do sucesso para se desenvolverem nas carreiras. O autor afirma que a Escola Nova apresenta problemas, principalmente em relação ao método de crítica dos documentos, pois se baseiam, em geral nos métodos eruditos dos séculos XVII, XVIII e XIX.

Capítulo 11 - O marxismo e a História
O autor conta um pouco sobre a biografia de Marx e suas principais obras. Analisa sua filosofia, economia e o Materialismo Histórico. De forma bastante clara explica o método de estudo de Marx, em relação ao Capitalismo e os modos de produção. Para a História vê a importância do Materialismo Histórico, mas revela um determinismo final para a sociedade bem parecido com o futuro dos cristãos. Marx desenvolve os temas de classe social e ideologia, formando a ideia dominante ainda hoje sobre a mesma (a ideologia), ou seja: "Os pensamentos da classe dominante são também os pensamentos dominantes de cada época." Marx vê a história como vê a política, a ideologia. Não é um historiador na busca da verdade. O Marxismo continua sendo estudado desde sua origem até as contradições e desvios ocorridos após a morte de Lenin. Sua influência se percebe nos estudos históricos, principalmente na Escola dos Annales. Podemos até identificar historiadores marxistas, pois adotam o Materialismo Histórico como método de pesquisa. O autor faz um estudo detalhado sobre a origem e evolução do Marxismo, com suas características e nomes de seus defensores e estudiosos.

Capítulo 12 - O estruturalismo e a história
Este é o capitulo mais teórico do livro, portanto o mais cansativo. O estruturalismo tem sua origem na etnologia, que tem uma base teórica mais complexa, pois é o "Conjunto dos estudos antropológicos que procuram generalizar e sistematizar, por meio de comparação, análise e interpretação, os conhecimentos a respeito dos diferentes povos e suas culturas, obtidos através da etnologia." (Dicionário Aurélio). Que de forma mais simples, a etnologia é o estudo histórico dos povos e suas culturas. No texto o etnólogo Lévi-Strauss faz duras críticas à história pelos métodos que utiliza para o conhecimento histórico, principalmente sobre valor dos acontecimentos e da cronologia, que são próprios da história. O texto é bem cansativo e teórico e não acrescenta nada à pesquisa história antiga e contemporânea. Parece que Paul Veyne está certo: "Que o método histórico não sofreu nenhuma mudança desde Heródoto e Túcídides.". O historiador, disse Tucídides: '... deve se aplicar à busca da verdade e, para tanto, examinar os documentos mais fiáveis, mais próximos dos fatos relatados, confrontar os testemunhos divergentes, desconfiar dos erros veiculados pela opinião comum..." Todos estes preceitos permanecem válidos ainda hoje... e talvez para sempre no estudo histórico. (Livro As escolas históricas, p. 8). Apesar de complicado, no final tudo se resolve com clareza, pois percebe-se na história estruturalista ou Antropologia Histórica uma busca com mais profundidade do conhecimento, do fato, do sujeito, e para isto tem que se apropriar das outras ciências sociais. E novamente Veyne no ajuda na compreensão:

Capítulo 13 - A dúvida sobre a história
Neste capítulo o autor coloca as principais dúvidas surgidas ao longo do tempo sobre a capacidade e "métodos" da História de desvendar o passado. Por mais que se fale da preocupação da História com o presente, percebemos pelo texto a tentativa insistente de compreensão do conhecimento do passado. Dá pra perceber claramente que a História é uma "ciência" do passado. Vários historiadores são investigados sobre seus pensamentos sobre o conhecimento histórico, além do estudo de vários conceitos e escolas históricas. No final, chegamos à conclusão que a História nunca vai chegar a reconstituir o passado em sua integridade, e que a figura do historiador é inseparável de sua produção historiográfica. O historiador Paul Veyne me parece, com sua crítica sempre presente, o que se aproxima melhor do que conhecemos e estudamos como história: "Uma narrativa verídica que relata 'acontecimentos que têm o homem como ator', submetendo-se às exigências do gênero narrativo: 'como o romance, a história tria, simplifica, organiza, faz um século caber numa página'. Essa narração é centrada no individual, ou seja, em seres e acontecimentos situados num momento preciso do tempo." (p.322). E a discussão sobre a dúvida sobre a história continua, mas no final, sua importância é reconhecida: "... sob todas as suas formas está a serviço da sociedade presente." (p. 335).

Capítulo 14 - A renovação da história política
O texto começa com uma crítica da Escola dos Annales sobre a História Política, inclusive afirmando que nunca teve uma história política, mas sim uma história positivista e historicista da valorização dos grandes acontecimentos e líderes. Mas no final, sua renovação alcança uma história total englobando o método e o objeto da Escola dos Annales. Notamos que existe uma verdadeira batalha entre os historiadores sobre a melhor escola da História, que no fundo acabam misturando métodos e fontes de pesquisas das várias escolas da historiografia.

Conclusão
O autor mostra o objetivo do livro, realçando o que não deveria ser feito, ou seja, estudar todos os historiadores. sendo que alguns não fazem parte de nenhuma "escola" histórica. Questiona o valor da palavra "escola" para o estudo proposto. Enfatiza as lacunas deixadas, e que poderão ser resolvidas em uma próxima publicação e insiste no papel social e histórico do historiador em sua produção.

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