sábado, 2 de outubro de 2021

Em Nome da Ordem

 

Livro Em Nome da Ordem

Roger Aníbal Lambert da Silva

Introdução 

O autor tem uma escrita leve e compreensível para seus leitores, mesmo àqueles não acostumados com um texto histórico e acadêmico. Sua escrita é didática, própria dos professores(as) "facilitadores" da aprendizagem. Mesmo em conteúdos mais complexos como os da Teoria da História, consegue ser didático, claro e de fácil compreensão. Mostra ser um profundo conhecedor do assunto proposto, principalmente por ser um professor de muitas leituras e pesquisas, infelizmente coisa rara em tempos de tantas informações e desinformações pela internet e redes sociais. Apresenta uma ampla bibliografia consultada e estudada, fator que facilita e direciona o entendimento da mensagem principal do estudo.

Desenvolvimento das ideias, informações e análises da obra

Sua introdução é muito clara sobre o objetivo da obra e sua formação textual através da divisão dos capítulos. Mesmo que no início, a Teoria da História dificulte um pouco a identificação do destino a seguir, no final o autor revela com certeza o "GPS" da chegada.

Seu estudo da linguagem em Filosofia justifica sua escolha pelos caminhos de uma Imprensa não apenas informativa, mas formadora de opinião, principalmente política.

Destaca o embate entre o espaço público, representado pela Imprensa escrita, principalmente pelo Jornal do Commercio - arena de debates e participação política em torno dos assuntos mais importantes da época -, e o político representado pelo Poder do Estado Imperial.

O autor consegue ir e vir no tempo para uma análise coerente da historiografia. Quando fala da atuação dos personagens históricos do século XIX, relaciona sua situação com a abordagem historiográfica da década de 1980, quando se questionava o estruturalismo e voltava-se para ,a valorização da ação dos cidadãos.

A reconstrução do ambiente social e político e da caracterização dos principais jornais do século XIX foi fundamental para se situar o perfil de pretensa neutralidade do Jornal do Commercio.

Faz um estudo das polêmicas origens do Jornal do Commercio e uma história de seus fundadores e redatores ao longo de sua centenária duração. Valoriza a ação de cada proprietário como responsável pelo sucesso e longevidade do empreendimento.

Resgata o valor de editores pouco lembrados pela História do Jornalismo e do Movimento Abolicionista na Imprensa. Torna mais próximos, por sua ação na Imprensa, personagens históricos importantes como Rui Barbosa, José do Patrocínio e Joaquim Nabuco, antes só lembrados no Movimento Abolicionista nos livros de História, como se limitassem suas presenças apenas numa História Positivista. Destaca opiniões de editores de outros jornais sobre os principais editores do Jornal do Commercio, mesmo quando não são elogiosas, buscando sempre a verdade impressa.

Para "garantir" a neutralidade, o autor utiliza-se da ampla citação de textos de outros autores, mas todos convergindo para o "espírito" da publicação do Jornal do Commercio, com informações sobre o cotidiano da época, e não só de debates políticos e polêmicos; além de destacar sobre a importância da seção "Publicações a pedido" que dava uma sensação de pluralidade de opiniões, pois constituía-se no espaço de participação dos leitores na produção do jornal, mesmo que grandes escritores escrevessem na seção com pseudônimos. Sua longevidade se deve ao seu perfil conservador e moderado, tendo alguns momentos de manifestações liberais. Mas sempre um jornal preocupado com a estabilidade social, tendo as instituições como o ponto de equilíbrio social.

Interessante notar que a questão da neutralidade era disputada pelos jornais da época, e ficando claro que a defendida isenção se definia como uma posição jornalística em defesa ou contra o governo, ou seja, o jornal neutro era aquele que não falava mal do governo, e o político era o que combatia o governo.

Outra questão importante tratada pelo autor é a relação entre os discursos dos jornais, pois os mesmos terminavam escrevendo uns para os outros, além do público letrado da época, que não era grande. Jornalistas de um jornal escreviam e comentavam artigos dos outros.

Para a formação da chamada opinião pública - um objetivo perseguido pelos jornais -, contribuía a divulgação oral de suas matérias, pois a maioria da população era analfabeta. E nessa opinião pública, os jornais representavam os diversos segmentos sociais e correntes de pensamentos dominantes na sociedade, em sua maioria representados pelos partidos Conservador e Liberal.

Questão importante colocada é sobre o espaço da discussão sobre a escravidão: se no público ou no Parlamento. A ideia predominante nos setores político e jornalístico é que os debates deveriam passar pelo Parlamento, pois o espaço público é próprio da emoção. Outra questão é a utilização dos jornais para a defesa da posição do governo e dos setores oposicionistas, ou seja, aqueles que defendiam a Abolição. O governo chegou a pagar escritores em defesa de sua posição nos artigos dos jornais, e os próprios jornais faziam a defesa de sua posição com artigos de seus editores, como se fossem pessoas da sociedade, como foi o caso do Jornal do Commercio.

Após a aprovação das Leis Abolicionistas pelo Parlamento, os artigos do Jornal do Commercio, e de outros jornais mostraram que as consequências "proféticas" de um caos na lavoura não aconteceram. O que levava a uma "segurança" para a definitiva Abolição da Escravidão. E nesta defesa estavam homens como Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Gusmão Lobo, entre outros.

Outra questão bem trabalhada pelo autor é a defesa da criação de uma legislação pelo Parlamento para a definitiva Abolição da Escravidão, pois mesmo que fosse uma lei moderada, seria melhor que o imobilismo defendido pelas classes dominantes e escravocratas. E nesse cenário entra a ação efetiva do Jornal do Commercio em seus artigos do editor, e de abolicionistas como Rui Barbosa e Joaquim Nabuco.

O autor mostra a divergência de opiniões sobre a Lei de 1871 - Lei do Ventre Livre - entre os jornais da época. Por outro lado, identifica-se uma evolução na avaliação da mesma lei pelo Jornal do Commercio. Há ainda uma preocupação em relação ao avanço de medidas emancipadoras ou ao imobilismo, ou seja, que 1871 se tornasse a solução definitiva da Abolição.

Os jornais da época, tanto o Jornal do Commercio como os demais, anunciavam que a escravidão era uma questão nacional, mesmo que suas teses oscilassem entre medidas conservadoras, moderadas e radicais em seus discursos. Mas no fundo, mesmo com o Jornal do Commercio, ficava claro que a preocupação era econômica e não a superação de uma etapa na formação da nação brasileira.

A questão política aqui é mais explícita pelo papel do Poder Moderador do Imperador que todos queriam influenciar nos caminhos da Abolição, seja para a libertação gradual, seja por uma medida radical.

Novamente volta a posição do Jornal do Commercio. Um órgão de Imprensa que visava uma mudança que interessasse ao poder econômico do Império, e não a uma solução nacional. O pensamento de Joaquim Nabuco se opõe ao do Jornal do Commercio, pois Nabuco não se opunha à discussão pública da Abolição, pois o mesmo atuava neste espaço, e não só no Parlamento e na Imprensa. O Jornal do Commercio via a discussão da Abolição pelo Parlamento apenas.

O Jornal do Commercio publica um editorial no início de 1888 em que realça o clima de tranquilidade no país em relação ao Movimento dos Escravos em uma retrospectiva de 1887. O Jornal quer criar esse clima de paz em 1887, pois os outros jornais mostram exatamente o contrário, ou seja, existiram várias fugas de escravos e pedidos ao governo para que exercesse a repressão aos escravos fugidos, inclusive utilizando a lei para punir os infratores.

Pela primeira vez vemos manifestações localizadas (abolicionistas ou não). Desta vez na cidade de Campos. O Jornal do Commercio caracteriza estas manifestações como anarquistas, ou seja, contra a ordem estabelecida, e que o governo deveria tomar uma decisão a respeito. Os outros jornais viam estas revoltas como abolicionistas. Daí surgirem as preocupações sobre uma Abolição pelas ruas e não pelo Parlamento, como queria o Jornal do Commercio.

A questão da emancipação dos escravos estava ligada às disputas políticas entre os partidos Conservador e Liberal, e ao jogo político de arrebanhar votos para as próximas eleições, e para tanto, utilizavam a Imprensa com desinformações sobre as revoltas dos cativos.

A Abolição da Escravidão, através dos diversos artigos publicados nos jornais, era uma questão muito complexa, apesar da aparente simplicidade divulgada por alguns políticos da época. Alegavam alguns, que os escravos, após a emancipação, apenas fugiriam do trabalho e não do cativeiro, ideia não compartilhada por todos os abolicionistas.

O Jornal do Commercio alerta para as consequências da Abolição: a questão da mão de obra e do consumo. Aponta como solução a ação do governo, a Educação e as Colônias Agrícolas. Esta ideia não é compartilhada por todos os jornais da época. O Jornal do Commercio sugere ainda o aperfeiçoamento da legislação referente à defesa dos interesses sociais contra os elementos de perturbação da ordem.

Após a Lei da Abolição, o Jornal do Commercio continuou defendendo a lavoura em nome dos interesses nacionais, mas excetuando os novos libertos das ações estatais de melhorias da condições dos colonos, especialmente dos imigrantes - estes poderiam receber terras do governo e se tornarem proprietários, os libertos deveriam apenas ser assalariados.

Havia divergência na maneira de ver o Movimento dos Escravos na década de 1880. Para esta percepção precisamos estudar/pesquisar as fontes e a historiografia.

Logo após a Abolição os jornais começaram a colocar a questão do papel do historiador no sentido do resgate da memória e dos líderes do Movimento Abolicionista. Algumas questões são discutidas nos jornais como a valorização de alguns líderes que atuaram direta, ou indiretamente na Abolição, a atuação do governo, dos partidos e do povo no processo abolicionista.

Após a Abolição, o Jornal do Commercio continuou sendo o espaço privilegiado dos debates sobre o processo de emancipação dos escravos. Outros jornais utilizaram este espaço para expor suas ideias. Chegou-se a defender a Lei de 13 de maio como um "golpe de Estado"; como resultado da vontade popular, da Princesa Isabel e do Ministério. Mas a questão da lavoura também teve realce quando defendiam a indenização dos proprietários de terras pelos "prejuízos" da Abolição. A questão da relação Abolição/República também foi tratada no jornal.

Mesmo que os editores do Jornal do Commercio procurem não buscar nomes ilustres na Abolição da Escravidão no período do 13 de maio, terminam por citar alguns ícones do Abolicionismo como Rio Branco, a Princesa Isabel, Patrocínio e outros. Outra questão levantada pelo jornal é o consenso nacional sobre a Abolição, defesa impossível quando realça a generosidade dos proprietários de escravos. Destaca a índole pacífica da nação, a paz dominante no processo, diferente de outros países.

Novamente volta à tona a discussão sobre o papel da História e do Historiador nos estudos sobre a Abolição da Escravidão no Brasil. Diante de inúmeras produções historiográficas, ficam evidentes as divergências de "visões" sobre os protagonistas do fim do estado servil, e a quem interessava. Sendo este quadro resultado das informações e análises dos editoriais do Jornal do Commercio e de outros jornais da época. É também relevante o papel da Imprensa  na reconstrução da história presente e futura.

No final a descoberta de uma razão para a "retórica da dádiva", ou seja, a preocupação com uma nova Era de paz, sem os conflitos de classe. Esta foi sempre a mobilização do Jornal do Commercio na construção de uma representação do momento histórico que garantisse uma ordem social, e principalmente econômica futura de estabilidade.  Mesmo que as conjunturas, em alguns momentos, exigissem posições da Imprensa, e especialmente do Jornal do Commercio, diferentes de uma retórica da conciliação/conservação da ordem.

Uma breve conclusão

Pelas informações/análises de suas fontes, conclui-se que o Jornal do Commercio era quase um setor consultivo do governo, ou se posicionava como tal. Era um defensor da ordem, mesmo que em determinados momentos questionasse esta "ordem". Também não podia ser tão explícito em defesa do governo Imperial. Mas era, isto sim, uma tribuna permanente dos embates das questões nacionais em seu tempo. A Teoria da História perpassa todo o texto de forma competente e clara, apesar da complexidade do tema. Lembro do meu tio, professor de Português, elogiando esse jornal, quando eu era ainda adolescente, e ele sempre foi governista. A postura do Jornal do Commercio de defensor da ordem pública durou de forma consistente e harmoniosa durante um longo período histórico. Esta é a principal defesa da tese do autor, que se manifesta com coerência e objetividade no texto com toda competência de um intelectual, historiador e escritor.










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