domingo, 7 de fevereiro de 2021

História & Narrativa - Jurandir Malerba (Org.)

 




Livro História & Narrativa
A Ciência e a Arte da Escrita Histórica
Jurandir Malerba ( ORG.)


Prefácio
No Prefácio, um professor dá uma visão geral da obra que é uma coletânea de vários autores brasileiros e estrangeiros sobre Teoria da História, especialmente sobre a questão da narrativa na produção historiográfica. Faz uma evolução do pensamento histórico do início do século XX até os dias atuais. É um texto bastante teórico por apresentar ideias de vários autores sobre o tema, inclusive de Ciro Flamarion Cardoso, um grande historiador brasileiro. No Prefácio já se percebe uma preocupação sobre a questão da História como ciência e arte, principalmente ao relatar um pouco sobre a Escola dos Annales e seu objetivo de demonstrar uma História-Ciência. Refere-se também à Escola Marxista. Enfim, é um bom prefácio ao revelar antecipadamente uma visão do livro e um pouco sobre a obra do autor.

Capítulo 1
Ciência e arte na escritura histórica
No capítulo 1 o autor do livro faz um comentário sobre a visão de vários historiadores, principalmente os do século XX, sobre a questão da narrativa. No início do capítulo coloca dois textos de dois importantes historiadores sobre a verdade em História e sua cientificidade. Realça a essencialidade da narrativa em História, apenas coloca alguns questionamentos sobre o alcance da narrativa na busca da verdade histórica. A questão da linguagem na produção da narrativa também é tratada. E debates entre historiadores sobre a questão da narrativa histórica são levantados e questionados. No final do capítulo dá uma visão geral dos capítulos do livro e sobre seus autores.

Capítulo 2 
Historiologia/filosofia da escrita histórica
Excelente capítulo pelas informações e pela capacidade da escrita do autor, pois o mesmo é muito didático e claro na exposição. Faz uma evolução narrativa dos caminhos percorridos por historiadores e escritores, geralmente filósofos e sociólogos, na busca da compreensão do conhecimento histórico e sua produção, que o autor chama de Historiologia. Faz leves, importantes e claros comentários sobre os autores e seus conteúdos. Chega até a Historiologia do final do século XX, que é a linguístico-narrativa.

Capítulo 3
Narração histórica: fundação, tipos, razão
Um bom capítulo, apesar de ser bastante teórico e minucioso sobre a questão da narração histórica. Traça um esquema dos diferentes textos históricos, classificando-os dentro de um esquema criado pelo(a) autor(a). Utiliza a História das Mulheres como exemplo em sua explanação. No final faz um breve texto que quase explica todo o capítulo: "Em cada narrativa histórica, podemos encontrar elementos de raciocínio e argumentação: eles têm de tornar as estórias críveis.Os estudos históricos não são nada mais do que uma elaboração e uma institucionalização desse raciocínio  e dessa argumentação." (p. 56-7). Portanto revela, em sua exposição, o dinamismo e criatividade em que é revestida a pesquisa e a produção histórica. É uma narrativa que se utiliza da argumentação e do raciocínio para se chegar à verdade histórica.

Capítulo 4
O papel da lógica e da estética na construção de totalidades narrativas na historiografia
Um capitulo com um texto muito claro sobre a narrativa histórica. Quando fala da construção da narrativa entra bastante em detalhes desta elaboração, fazendo sua própria teoria literária, mesmo que dê exemplos de outros autores. Dá muitos exemplos de construção da narrativa, fato que auxilia na compreensão do texto. Destaca o valor das fontes primárias (enunciado), a lógica na construção do texto e a estética, que é o uso da imaginação do historiador. Enfim, um texto de fácil leitura e compreensão.

Capítulo 5 
A ficção externa e a historiografia
É um capítulo pequeno, mas muito teórico, principalmente em questões de literatura, quando fala da ficção, fazendo uma evolução do pensamento e do significado da palavra desde a Antiguidade. Mostra que na Antiguidade não havia distinção entre ficção e realidade, que é o espaço da História. A partir daí entra em detalhes sobre a ficção interna e externa, e para isto, utiliza vários autores e autores para uma melhor compreensão do tema. Interessante mostrar como "não há fato puro, pois todo fato vem acoplado a uma interpretação." (p. 81).

Capítulo 6 
Retórica e estética da história: Leopold Von Ranke
Interessante notar como no início do capítulo, o autor coloca o contraste entre os historiadores modernos (uma visão científica da disciplina) e os pós-modernos que se preocupam mais com a literatura (retórica e estética) na produção histórica. Conforme o autor, Ranke consegue unir a cientificidade (racionalidade) com a produção literária na escrita da história, como o fazem hoje os historiadores acadêmicos. Ranke "apenas quer mostrar como ele [o passado) realmente foi.". É uma história em busca da VERDADE, sem discurso para agradar ao público. Afirma Ranke, que "a história não precisa julgar o passado para ensinar o presente pelo bem do futuro(...)".  (p. 86). Aqui me parece uma história mestra da vida, também. Vê Ranke, a história como ciência (pesquisa), e também como arte (recria), daí sua preocupação com a produção textual da pesquisa. Segue o autor, trabalhando a questão da retórica e da estética na obra de Ranke. Aqui trabalha bastante a teoria literária, o que torna a leitura cansativa e de difícil compreensão numa relação com a obra histórica.

Capítulo 7 
A Filosofia Analítica e o papel da narrativa no conhecimento histórico
Um capítulo de fácil compreensão pelo estilo didático do autor, apesar de ser um filósofo de formação e atuação em Universidades. Fala sobre os filósofos, como é a proposta do texto, citando, às vezes, alguns historiadores sobre o assunto: . À página 110, faz uma importante afirmação sobre o papel dos historiadores: "(...) Os historiadores nos oferecem descrições de acontecimentos e processos passados, que contém mudanças ao longo de um determinado tempo." Quase um conceito de História. Discute no capítulo sobre a História como ciência, valendo-se dos critérios e leis das ciências naturais ou por processos próprios das ciências sociais. Mostra como a verdade histórica é parcial, mesmo quando o historiador presenciou o fato narrado. Mesmo que o historiador seja contemporâneo dos eventos "(...) seu conhecimento do ocorrido seria sempre parcial, de vez que não poderia ter conhecimento completo de todas as suas dimensões ou propriedades." (p. 111). Defende que o conhecimento completo de um acontecimento só ocorre no futuro. Afirmo em meu livro Aposentados Ativos, esta parcialidade da verdade dos eventos históricos, mesmo quando se é contemporâneo dos acontecimentos: "Nenhum historiador é capaz de reconstruir o passado em sua integridade, mas tentamos chegar o mais perto possível da realidade concreta no Movimento." (p.20).

Capítulo 8
Da natureza e função da narrativa na historiografia
Um bom texto pra se ler. O autor escreve fácil à compreensão das ideias defendidas. Neste capítulo, o autor faz críticas e comentários sobre narrativa histórica usando como foco alguns autores. No início mostra as ideias predominantes sobre a questão da narrativa como: "Tem-se considerado verdade que a história é simplesmente narrativa, ou que a história é essencialmente narrativa (...)". E coloca também os questionamentos sobre uma história narrativa e ao mesmo tempo explicativa, e outras questões. Mas no final fica dominante a ideia de que a história é narrativa e explicativa, mesmo que esta explicação não esteja implícita na narração.

Capítulo 9
Narrativa e compreensão histórica
Este capítulo começa colocando a questão da História enquanto ciência com o mesmo "método" das ciências naturais. O autor debate a questão da compreensão histórica como um processo de acompanhamento evolutivo de uma narrativa, como as chamadas estórias, ou ficção, mas com a diferença de que a História tem como característica principal a veracidade dos fatos humanos do passado. Afirma que a História tem uma aproximação da verdade da situação narrativa. Veja texto: "(...)  a história (...) é muito mais uma jornada do que uma chegada, mais uma aproximação do que um resultado." (p. 146). Assim também faço em meu livro, já citado: "(...) mas tentamos chegar o mais perto possível da realidade concreta do Movimento". A compreensão histórica se faz pela explicação, se necessária.

Capítulo 10
Uma nota sobre história e narrativa
 E um capítulo pequeno, mas talvez um dos mais significativos em minhas pesquisas nas leituras sobre Teoria da História. O autor é um filósofo como a maioria dos autores do livro. Combate a ideia de que a característica principal da historiografia é a narração, e para isto utiliza vários argumentos e exemplos. Defende a ideia de que a característica principal da História é a pesquisa. Utiliza amplos exemplos para sua defesa. Afirma que a narrativa, muitas vezes, é necessária para a exposição da pesquisa histórica, mas que não é esta a características principal da História. Em muitas pesquisas históricas, a narrativa não se faz presente, mas sim uma explicação ou argumentação. Termina, sem perceber, defendendo a história de Heródoto, ou seja, uma história voltada para a pesquisa.

Capítulo 11
Aspectos teóricos da história intelectual de Michel Foucault
O capítulo é muito claro na escrita, pois o autor escreve fácil e didaticamente, sobre um assunto bem teórico, pois trata de um filósofo falando sobre Teoria da História. Mostra como Foucault vê e produção histórica, ou seja, o mesmo vê os acontecimentos submissos a sua interpretação, pois o que interessa mesmo é sua relação, ao invés dos fatos. Valoriza o leitor como coautor, ou talvez transformando o leitor no verdadeiro autor; "matando" o autor. Foucault desvaloriza as fontes e os fatos e supervaloriza suas relações. Mas a visão de Foucault está longe de uma unanimidade no meio dos historiadores. Sofre duras críticas de historiadores, principalmente por desvalorizar os fatos, chegando a não ser considerado um historiador. Le Goff faz duras críticas a Foucault em defesa dos historiadores que produziram suas pesquisas com o intuito de contribuir para mudanças sociais e não apenas por recreação. Faz críticas à predominância do discurso em detrimento dos fatos em Foucault. Abaixo um texto da página 173 que bem explica a história intelectual de Foucault:


Capítulo 12
Hayden White e o pluralismo histórico
Um capítulo com muitas citações de autores, mas bem compreensível. A questão do pluralismo histórico fica claro, sem entrar em detalhes sobre suas variações, são as várias visões dos historiadores sobre o mesmo fato, como exemplo importante vejo quando o texto afirma sobre "a história", ou "uma história". Uma história significa a variedade de olhares sobre o mesmo fato, faço, em meu livro, Aposentados Ativos, esta afirmação textual: "Esta é uma história do Movimento, existem outras histórias de nossa luta, vivenciadas, principalmente; mesmo que ainda não escritas e publicadas." (p. 20). À página 187, temos uma boa definição do pluralismo histórico: "É justamente por isso que, nos assuntos humanos, nenhum relato pode ser suficiente. Não é apenas justo que devamos tolerar uma pluralidade de histórias, devemos exigi-las."

Capítulo 13
O enredo como categoria e como método de análise
Um capítulo muito bom, apesar de entrar em demasia na literatura. Utiliza exemplos de grandes historiadores sobre a questão da narrativa e enredo. Vê a história como uma narrativa, mas com explicações, apesar (de novo) de objeções de historiadores, como Paul Veyne, que vê a história como apenas uma narrativa, sem nenhuma explicação, mesmo que este autor, em publicações posteriores, tenha relativizado este fato. Volta na questão da história como ciência e arte, uma permanente discussão entre os historiadores. Compara a narrativa histórica com os romances de ficção, e mostra as relações existentes entre os dois modos de contar histórias, pois tanto o historiador como o romancista utilizam ora da ficção, ora da busca da verdade histórica. Além do uso da imaginação de ambos.

Capítulo 14
Ricoeur: de uma hermenêutica histórica a uma hermenêutica para  a narrativa histórica
Neste capítulo o autor faz uma boa exposição sobre a questão da hermenêutica na produção histórica. Hermenêutica é o estudo e interpretação de textos, geralmente de documentos. Dá a entender que a hermenêutica do século XIX (certamente os documentos), são externos ao trabalho do escritor; em Ricoeur, a hermenêutica é a própria produção do autor. Mostra que a hermenêutica não nasceu com a produção dos historiadores, mas foi absorvida por estes pela interpretação de documentos, que é uma característica da historiografia. Realça a relação entre o historiador e os documentos pesquisados, que não são uma fonte documental pura. A hermenêutica em sua origem tinha como objetivo evitar falsificações e acréscimos nos documentos, logo sua apropriação pela história foi natural. A hermenêutica tem sua origem ainda no século XVII com a hermenêutica bíblica e filológica. A partir do século XVIII é adotada pela história. A hermenêutica histórica entra em contradição com a hermenêutica de sentido único, pois revela alterações nos documentos, e não uma visão única como a bíblica e a filológica. Portanto a hermenêutica histórica passa a trabalhar o contexto, para explicar os acréscimos e modificações nos textos ou documentos.  Para a nova hermenêutica existe também uma relação profunda entre o historiador e o leitor na compreensão da história universal, pois a história é processo em construção, como um quebra-cabeças com contornos pouco nítidos ou estes contornos se alteram, nas próprias palavras do autor do capítulo. Mas a história não é um caos. É compreensível. Portanto, para o homem conhecer a história precisa da investigação histórica e não da filosofia, que é especulativa e pouco prática. Consequentemente, em linhas gerais, o que defende a nova hermenêutica é a ligação entre sujeito (autor) e o objeto (texto). Veja trecho à página 216.



Capítulo 15
A narrativa e o mundo real: um argumento a favor da continuidade
A questão inicial que o autor coloca é se a narrativa histórica comporta a verdade dos fatos, pois existem divergências filosóficas, literárias e de historiadores sobre esta situação. O autor, já no início do capítulo se posiciona em defesa da veracidade da narrativa, seja ela histórica ou ficcional. E passa a seguir a defender esta ideia, trabalhando principalmente a continuidade na narrativa histórica. De tudo que tenho estudado sobre narrativa, a questão que sempre volta é sobre se ela contém toda a realidade histórica, ou seja, sua verdade do que aconteceu e sua explicação, ou não; simples assim. Mas não sou acadêmico; sou professor facilitador da aprendizagem. O texto abaixo (p.239), dá esta explicação de forma acadêmica, confirmando a posição do autor:




Capítulo 16
Entendendo direito a estória: narrativa e conhecimento histórico
O autor, que é o mesmo do capítulo anterior, começa o texto pelos questionamentos da possibilidade da narrativa histórica revelar a verdade dos fatos, dúvida levantada por teóricos e filósofos. Estes afirmam que a narrativa distorce e não consegue representar corretamente os eventos. O autor propõe analisar estas críticas e apresentar provas contrárias, ou seja, comprovar que as narrativas, por natureza, revelam a realidade dos fatos históricos e ficcionais. Em resumo, sua defesa se baseia na frase: "(...) a narrativa é um modo de ser antes de ser um modo de conhecer." (p. 252). Quer dizer que a narrativa já existe na própria fonte de pesquisa, que é apropriada por uma nova narrativa.

Capítulo 17
Literatura e história
O autor do texto é muito didático e de fácil leitura. Relacionar Literatura e História não é difícil, pois as duas estão quase sempre ligadas. A Literatura pode se utilizar de fatos históricos em sua construção ficcional, assim como a História utiliza a imaginação, e implicitamente a ficção conforme exemplo dado pelo autor ao fato da possível causa da I Guerra Mundial, ou seja, o Imperialismo. Em sua explicação, esta afirmativa está "escondida" a informação de que poderia não ter existido o Imperialismo, e consequentemente a I Guerra Mundial. O autor cita vários autores que se referem à Literatura como componente da História, e vice-versa, e neste caminho o autor faz uma evolução no tempo sobre Literatura e História.

Capítulo 18
História que temos vivido
O autor faz muitas reflexões sobre a chamada História do Tempo Presente ou Contemporânea, e uma delas é que a mesma sempre existiu desde a Antiguidade. Mostra que um dos problemas desta História é sua falta de distanciamento dos fatos, pois não sabemos o que aconteceu depois, fator que prejudica seu real conhecimento. Dá exemplo de Tucídides na História do Guerra do Peloponeso, que recolheu material para sua obra durante a guerra, mas só escreveu sua história depois que a mesma terminou. O desconhecimento do processo histórico também dificulta a produção escrita da História do Tempo Presente. Em meu livro Aposentados Ativos trabalhei mais a permanência da memória, ao invés de sua análise, devido a minha presença no evento. Também escrevi o texto final depois de terminado o Movimento, tendo recolhido o material durante o acontecimento até o seu final. Realça o autor a importância do testemunho ocular na História do Tempo Presente.

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