sábado, 9 de dezembro de 2023

Imprensa em tempo de guerra: Jornal O Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai - Maria de Lourdes Dias Reis

 

Imprensa em tempo de guerra: Jornal O Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai

Maria de Lourdes Dias Reis

Introdução

O tema escolhido pela historiadora faz parte de suas áreas de especialização que são a História e o Jornalismo. Foi muito feliz na escolha do tema, pois teve acesso aos canais próprios de sua área de pesquisa, mesmo sabendo da burocracia dos órgãos públicos para os trabalhos acadêmicos, Escolheu o jornal O Jequitinhonha por sua postura liberal e contrária ao governo Imperial na época, e era um jornal administrado por grande intelectual, Joaquim Felício dos Santos, como é citado textualmente: "inteligência lúcida das Minas Gerais do século XIX'". É um assunto instigante para pesquisa e resenha, pois trata de um dos episódios mais marcantes de nossa história e de seus personagens: a Guerra do Paraguai, D. Pedro II e Caxias. Sabendo-se que foi um fato amplamente pesquisado, e com visões diferentes de avaliações ao longo do tempo. É motivador estudar este livro, e não apenas ler, principalmente quando escrito por uma historiadora da capacidade da autora.


Desenvolvimento

No capítulo 1 a autora escreve um excelente texto sobre as produções históricas e literárias que foram publicadas desde meados do século XX sobre a Guerra do Paraguai. E nesta viagem pelo pensamento e pesquisa dos autores, a pesquisadora nos revela as ideologias por trás de cada produção. Eu particularmente, li as produções marxistas da época, ou seja, o Genocídio Americano e As Veias Abertas da América Latina, que eram leituras obrigatórias para os professores de História na década de 1980. São relatos chocantes sobre o que fizeram com a população paraguaia (Genocídio Americano) e com os povos indígenas da América Latina durante a colonização espanhola. Tínhamos verdadeiro ódio da prática violenta aplicada em nosso continente em nome do capital, principalmente o inglês. A versão sobre o nacionalismo no cone sul, muito me interessou, pois não conhecia essa linha de pensamento. A historiadora foi muito feliz em produzir um texto claro e sistematizado sobre as correntes de pensamento nas produções sobre o evento, sem se posicionar, a não ser um leve respaldo à corrente da História Nova, com a utilização de variadas fontes de pesquisa. No final, realça a questão da pesquisa de jornais da época sobre o acontecimento, ao parece, foi abandonada nestas produções.

No segundo capítulo a historiadora faz uma longa e clara exposição sobre a chamada História Nova, que tem como origem a História dos Annales. Mostra como este pensamento, que tem sua origem no pensamento de Marc Bloch, procura utilizar como fontes de pesquisas várias áreas do conhecimento, além de utilizar de fontes materiais como objetos  artísticos e outros meios que tragam alguma informação sobre o fato pesquisado, como as caricaturas e charges; diferente da História Tradicional ou Factual, que tem nos documentos oficiais, sua principal fonte de pesquisa, ou seja, os próprios documentos já dão a resposta "verdadeira" ao que o historiador está buscando. E dentro desse quadro novo de estudo, o jornal sempre foi uma fonte historiográfica utilizada pelos pesquisadores, e cita Gilberto Freyre como um dos primeiros a utilizar essa fonte, além de outros com menor importância em suas produções. Destaca como as crônicas em jornais foram fontes pesquisadas na Guerra do Paraguai, principalmente aquelas escritas por escritores como Machado de Assis, que defendia e Monarquia e combatia o Ditador Solano Lopez. Mas alerta: precisamos ficar atentos para as posições adotadas pelos jornais em sua publicações, dá como exemplo a verificação se são favoráveis aos governos ou às oposições... enfim, toda atenção é pouca para se buscar a verdade histórica. 

No terceiro capítulo, a autora informa e estuda as principais propostas dos jornais brasileiros e mineiros à época da Guerra do Paraguai, seus fundadores e as cidades de sua localização. Em sua maioria, a imprensa era monarquista, portanto defendia o Imperador e seu governo em relação às políticas adotadas no conflito. Mostra também os recursos utilizados pelos jornais para chamar a atenção dos leitores como charges e desenhos fazendo uma crítica com bom humor do Imperador e da guerra, enfim estes instrumentos ilustrativos faziam com que a população, sem sua grande maioria analfabeta, tivesse acesso à informação. O único jornal que desde sua fundação foi liberal e republicano foi O Jequitinhonha, que será assunto do próximo capítulo, mesmo que de forma pouco desenvolvida, pois seu criador toma um maior espaço no texto. Mas o jornal permeia toda a obra da autora - é seu fio condutor na produção histórica do livro.

Joaquim Felício dos Santos e o Jornal O Jequitinhonha são os assuntos tratados no quarto capítulo. Sobre Joaquim Felício dos Santos, a autora faz uma extensa biografia, elogiando seu caráter humano e libertário, e seu trabalho social e intelectual. Mostra como seu trabalho no jornal era feito no início, e em seu processo evolutivo até chegar a ser o único defensor da República entre os meios de comunicação de Minas Gerais. Suas colaborações intelectuais e jurídicas nunca foram acatadas pela Monarquia, pois era do conhecimento público sua oposição do governo Imperial. Mesmo com a ascensão da República, ainda não foi totalmente reconhecido... coisas da política. Sobre o Jornal O Jequitinhonha, a historiadora traça seu perfil desde sua fundação como um órgão prestador de serviços para a comunidade, além de publicar ideias de intelectuais. Mostra como ocorria seu financiamento, ou seja, com assinaturas de pessoas que não devolviam os exemplares. Tinha assinantes, inclusive no sul da Bahia, minha região de moradia atual.

A Monarquia, e principalmente D. Pedro II, é detonado nas publicações do jornal O Jequitinhonha em seu capítulo 5. D. Pedro é criticado de todas as formas possíveis: por sua saúde, sua voz, seu traje, sua fala no Congresso, os impostos para a família etc. Interessante notar que a questão tributária não é muito diferente do II Império em relação a nossa República de hoje, inclusive sobre alguns destinos dos impostos. Fazem poesia, charges, textos jornalísticos criticando o Monarca. O diferencial de O Jequitinhonha é que este jornal defendia abertamente a emancipação do governo, ou seja, sua queda e a Proclamação da República, pois o Brasil Imperial era uma planta exótica no continente americano. O jornal destacava também que D. Pedro II preocupava-se mais com os problemas das Monarquias europeias do que com os problemas brasileiros, principalmente com as estradas, que em Minas Gerais estavam totalmente abandonadas, depois da decadência da produção do ouro, D. Pedro II, importava mais com a produção do café, que era o produto que mantinha nossa economia na época.

A Monarquia e o Duque de Caxias se confundem nos ataques do Jornal O Jequitinhonha no Capítulo 6. Ora o jornal ataca a Monarquia na pessoa do Imperador Pedro II, e divide a depreciação com Caxias na Guerra do Paraguai. Ataca os aumentos de impostos que o governo cria durante o conflito; e faz uma defesa sutil do governante do Paraguai, Solano Lopes. O que fica claro, nas reportagens do jornais, mesmo que ele tente esconder, é sua intriga partidária com o Partido Conservador que apoia o governo, e portanto a política adotada pela Monarquia para manter a guerra, além de querelas antigas da Revolução Liberal de 1842, em que Caxias foi seu principal vencedor. Daí as batidas frequentes em Caxias, que é um militar sem grande poder de defesa. Mas existiram elogios à atuação de Caxias no conflito por sua postura firme que transmitia segurança aos seus comandados, inclusive foi considerado Patrono do Exército pela República nascente.

Os Voluntários da Pátria, a Guarda Nacional, o Exército Brasileiro e a Polícia Militar de Minas Gerais estão neste sétimo capítulo. Durante a Guerra do Paraguai o governo passou a recrutar "soldados" para participarem dos conflitos, inclusive já tinham restrições dessa participação nos Voluntários da Pátria desde 1841, que foram publicadas no Jornal O Jequitinhonha. A autora entra em detalhes sobre as publicações do Jornal O Jequitinhonha referentes ao recrutamento para a guerra, inclusive como eram chamados os escravos para substituir jovens livres na batalha. Compravam-se escravos e os alforriavam para que participassem em lugar dos filhos dos compradores. Mostra como nessa ocasião o Exército Brasileiro praticamente não existia, mas sim a Guarda Nacional, criada pelo Regente Feijó era a força militar mais importante. Cidadãos do norte de Minas, como Diamantina e Montes Claros foram recrutados para a guerra. No início houve até um certo patriotismo em participar da guerra, mas com a demora, não esperada, de seu final, os jovens perdem o entusiasmo e o governo passa a utilizar da violência para o recrutamento, quase igual ao que faziam durante o combate. Depois da guerra o Exército passou a ter prestígio por sua ação em colocar fim ao conflito.

A questão da Abolição da Escravidão é retratada no Jornal O Jequitinhonha e em outros jornais de Minas, no capítulo 8, mas com o predomínio da divulgação nesses órgãos da imprensa de anúncios de escravos fugidos de suas fazendas e os procedimentos que deveriam ser tomados por quem os encontrassem, inclusive a prisão desses elementos, não importando sua perda, preocupando mais aos proprietários os alistamentos para a Guerra do Paraguai. Este assunto é pouco desenvolvido pela autora. Parece que os fazendeiros tinham medo de uma onda de fugas de escravos para se alistarem, e quem sabe provocar sua emancipação. Vários jornais de Minas e do Brasil faziam essas publicações. O Jornal O Jequitinhonha defendia uma mobilização popular em defesa da Abolição da Escravidão, não acreditando em decisões políticas, e principalmente de D. Pedro II, que fazia sua defesa, mas não fazia nada de concreto para sua realização.

No capítulo 9, a autora compara a narrativa do Jornal O Jequitinhonha com os outros jornais de Minas Gerais sobre a Guerra do Paraguai. Mostra que existia uma disputa ideológica entre os jornais - os de uma visão conservadora, logo favoráveis à política adotada pelo Império brasileiro; e a outra progressista e liberal de O Jequitinhonha, contrária ao conflito e ao Imperador D. Pedro II. A Conclusão segue o mesmo raciocínio, destacando como O Jequitinhonha, quase trinta anos antes, já previa o fim da Monarquia e o início da República, sendo um dos precursores do início da República brasileira. Acho que faltou tratar um pouco do papel do Uruguai e da Argentina no conflito, afinal participavam da Tríplice Aliança contra o Paraguai, de acordo com a visão da autora fica a impressão, para o leitor menos informado, que foi uma guerra apenas entre o Brasil e o Paraguai, caindo o ônus do conflito com suas mazelas citadas no jornal, como as inúmeras mortes, na responsabilidade apenas dos "soldados" e do governo brasileiro.

É um bom livro para se ler pelas informações e análises inéditas, e o estilo literário da autora - uma leitura leve para um tema difícil, traumático e cansativo.


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