quinta-feira, 21 de julho de 2022

Frans Krajcberg - O poeta da árvore

 




Livro Frans Krajcberg
O poeta da árvore
Athylla Borborema

Apresentação
Na Apresentação, como é normal, o autor dá informações gerais sobre o livro e sua amizade com o biografado. Conta como ocorreu o primeiro contato com sua obra, ou seja, ainda no término de seu curso de Jornalismo. Depois disto passou a acompanhar a trajetória do artista até sua morte em 2017. Mostra a grandiosidade de sua obra e sua história de vida, desde o seu nascimento na Polônia, sua participação na II Guerra Mundial, o extermínio de sua família, sua opção de fazer o Curso de Engenharia e Arte na União Soviética, e depois, incentivado por um artista francês vir para o Brasil, indo morar nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Minas Gerais. E posteriormente, vir para Nova Viçosa, em 1972, por causa de seu ambiente natural, fator determinante de sua permanência aqui por 45 anos. Mostra também sua extensa obra artística produzida e publicada, e sua opção na defesa permanente do meio ambiente; missão que passa a dar sentido a sua vida de tanto sofrimento.

Introdução
Na Introdução o autor dá uma visão geral do assunto que será tratado no livro, ou seja, a vida e a arte de Frans Kracjberg. Mostra os instrumentos utilizados para a construção do livro como as inúmeras publicações existentes sobre o artista e sua convivência ao seu lado. Conta algumas passagens dessa vivência como a antecipar o que encontraremos no livro. Mostra como a vida do escultor está inserida em sua obra como parte essencial dela. Sua experiência na infância, seu sofrimento durante o período da II Guerra Mundial, seus problemas quando chegou ao Brasil, entre outros. Enfim, foca em sua militância em defesa da natureza e sua vida simples em contato com o meio ambiente natural. Valorizava os pequenos aspectos da natureza, como a beleza de uma flor e de uma pequena folha, o contato com a terra; inclusive chegava a dormir no solo ao lado de sua casa em cima da árvore. Gostava muito de fotografia, chegando a fotografar tudo que presenciava, mas não se via como um fotógrafo, e sim como escultor, mesmo tendo exercido a arte da pintura antes.

Desenvolvimento do livro
O autor começa o desenvolver o tema do livro - a biografia de Frans Kracjberg - fazendo uma análise artística de sua obra dentro do contexto do mundo das artes, suas características e seu papel social e pessoal. Vê a arte como a manifestação de uma visão de mundo do artista inserido no espaço em que viveu: seus ideais, seu sofrimento, suas alegrias, etc. Kracjberg teve uma vida tumultuada desde a infância, pois viveu momentos históricos traumáticos na Europa, como a II Guerra Mundial e a perseguição aos judeus pelos nazistas. Participou da guerra no exército da União Soviética, tendo sido homenageado por Stalin. O artista é comparado a um Picasso e Van Gogh (foi pintor antes de ser escultor). Defende uma Educação Ambiental para a formação das novas gerações capazes de combater a exploração do meio ambiente pela ganância capitalista. É um permanente educador ambiental em suas entrevistas, palestras e através de suas obras.

Em sua narração, o autor adota a técnica de repetir informações anteriores, acrescidas de outros fatos, formando um novo texto. Mostra um itinerário raro da vida de Kracjberg, pois foi um artista cosmopolita em sua arte e pela peregrinação pelo mundo, tendo feito exposição em 28 países do mundo, e sido homenageado na França e em outras nações, inclusive na Europa e no Japão foi considerado o maior escultor do planeta. No Brasil, morou nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Bahia. No Brasil vive uma vida de simplicidade, inclusive morando em cavernas, e em uma Kombi em Itabirito, em Minas Gerais. Poderia ter morado em qualquer parte do mundo, mas sua arte o chama para determinado ambiente - a arte comanda seu itinerário. Escreve 14 livros, inclusive um em homenagem a Nova Viçosa - Natura, em 1987 (na verdade são livros sobre o artista, pois ele mesmo afirmava que não era escritor, mas sim, escultor). É um livro só de fotografias do autor e pequenos textos seus e de amigos. Compra um terreno em Nova Viçosa, em 1972, incentivado pelo arquiteto e escultor José Zanine Caldas que pretendia desenvolver um projeto cultural na cidade, e constrói seu sítio Natura, onde viverá por 45 anos e produzirá um grande número de trabalhos. Utilizava restos das queimadas como matéria-prima de sua arte, pois assim revelava ao mundo o descaso do homem com a natureza.

O autor descreve suas passagens em filmagens produzidas e dirigidas por profissionais famosos no ramo. Inclusive para um de seus filmes, Kracjberg é entrevistado já aos 95 anos em seu sítio Natura, mesmo com a saúde debilitada. O texto faz uma análise das produções cinematográficas que revelam um artista profundamente engajado com sua realidade social, ou seja, a questão do desmatamento, principalmente da Amazônia, que o artista consegue relacionar aos fatos da II Guerra Mundial, ou seja, o pós-guerra com a Europa queimada pelas armas militares, mas mostra a diferença pela ausência de mortos nas queimadas no Brasil. Interessante notar como o artista tentou viver uma vida normal em solo brasileiro, tendo trabalhado em uma fábrica de celulose e numa azulejaria, mas sua arte o chamou para o isolamento para desenvolver sua vocação. O artista se diz revoltado com a ganância capitalista e com a violência contra a natureza. Acha o Brasil um país lindo para se viver - um Paraíso -, que devemos amar e preservar.

O legado de Frans Kracjberg, conforme o autor, foi sua prática educativa pela arte. Mostra como sua arte revela aos seus admiradores sua visão de mundo, e como a sociedade pode viver melhor valorizando suas riquezas naturais, que constituem o seu meio ambiente que deve ser preservado e cuidado. Faz o autor, uma viagem pelas correntes artísticas ao longo da História, analisando cada uma, e citando produções e artistas que foram importantes na História da Arte. Comenta sobre as mudanças na legislação brasileira sobre o currículo escolar, inclusive realçando como foi tirada a disciplina de Artes nas grades curriculares das escolas. Trabalha um pouco sobre a questão do uso da imagem nas aulas, e principalmente sobre a fotografia, em que Frans Kracjberg soube utilizar na produção de sua arte como memória do que visualizava na natureza. Cita alguns estudos sobre a vida do artista, inclusive elogiando algumas publicações em livro sobre a vida e a obra do escultor, mostrando que as duas são inseparáveis.

A chegada de Frans Kracjberg ao Brasil foi marcada pelo sofrimento intenso, pois não falava nossa língua e sem dinheiro, inclusive sua passagem de navio foi paga por um amigo  artista com quem conviveu na França. Viveu na miséria por um bom tempo, até conseguir emprego braçal para se sustentar. Com o tempo, e tendo trabalhado em museus fez amizade com artistas que lhe  ofereceram ajuda e moradia. Quando conseguiu um emprego na área de engenharia, mesmo não tendo terminado o curso devido a sua participação na II Guerra Mundial, não quis continuar devido ao seu espírito ecológico, pois presenciou a exploração das madeiras para utilização na fábrica. Saiu e foi morar isolado, apenas com um gato no meio do mato, fato ocorrido no Estado do Paraná. Com as muitas mudanças que fez, terminou por se estabilizar em sua vocação de artista, principalmente na escultura, tendo a natureza como seu foco de trabalho; não como seu imitador, mas com sua transformação em arte, principalmente utilizando a madeira. O autor do livro trabalha bem as questões teóricas sobre as artes plásticas, parece ser uma de suas especialidades.

O autor faz uma lista de eventos e publicações de Frans Kracjberg no Brasil e no mundo. Em sua longa vida e carreira produziu muita arte e participou de vários eventos em sua homenagem e sobre ecologia. Interessante sua participação na ECO-92 no Rio de Janeiro, fato bastante divulgado pela imprensa, mas que na época não tinha conhecimento da obra do artista, por isto não me interessei em acompanhar... uma pena! Pois através deste livro e de outras publicações que li depois de vir morar em Nova Viçosa, pude perceber seu valor como artista e revolucionário das artes, e das denúncias corajosas contra as atrocidades cometidas contra o meio ambiente. Achei que deveria ter feito mais exposições no Estado da Bahia, e não só em seu sítio Natura. Concordo quando o autor do livro diz que Frans Kracjberg foi um educador ecológico, pois seu discurso é professoral comprovado com a prática que viveu na arte e sua militância de cidadão.

Duas questões são essenciais na obra de Frans Kracjberg, conforme o autor: a obra enquanto instrumento de educação ambiental para os jovens, principalmente; e a quebra de paradigmas e conceitos pré-concebidos, ou seja, sua arte não seguia nenhum Movimento Artístico tradicional ou em moda; como Kafka na literatura, na qual tinha seu próprio estilo literário, inclusive chamado de kafkiano. Mas vamos à confirmação disso nas palavras do autor: "A contribuição de Frans Kracjberg para o contexto educacional advém das obras de arte (identidade como artista), do diálogo que elas proporcionam como componente pedagógico (mediação/contextualização) e do próprio artista, com seus depoimentos e a sua vivência (identidade como educador ambiental). A grande arma de Frans Kracjberg sempre foi a quebra de paradigmas e conceitos pré-concebidos, foi uma pessoa que teve uma visão além do tempo dela, que pensava nas gerações futuras, que hão de vir, e nos fez enxergar ao seu modo que todos nós somos responsáveis pelo meio que vivemos. (...)" (p. 167).

O autor faz um amplo roteiro de viagens de Frans Kracjberg em busca de materiais para a realização de suas obras no território brasileiro, especialmente pelas regiões da Amazônia. Nestas viagens era sempre acompanhado por companheiros, geralmente artistas como ele, preocupados com uma arte comprometida com as questões sociais, especialmente as ambientais. Nestas viagens, o autor relata com pormenores a situação vivida pelo artista e seus companheiros como as péssimas condições do ambiente natural; além das queimadas, o enfrentamento com insetos e mosquitos. Não era uma vida fácil de se viver, mesmo que por pouco tempo, nas condições de sobrevivência de extrema precariedade. Nestas viagens participou um morador de Nova Viçosa, José Alves da Silva, o "Zé do Mato". Importante notar que seu trabalho artístico, apesar de utilizar madeiras pesadas, foi feito individualmente até os últimos 20 anos de sua vida, e só a partir daí recrutou ajudantes para a realização de suas obras.  

De acordo com o autor do livro a Segunda Guerra Mundial, com os consequentes sofrimentos na vida do escultor e da população europeia, foi fundamental para fazer nascer a arte como forma de se formar uma nova identidade na vida de Kracjberg. Teve o artista de criar uma solução que desse sentido a sua vida. E a arte foi este caminho, mas que não deixava de revelar o que tinha passado, mesmo que com uma visão nova, ou seja, de transformar todo seu sofrimento, de sua família e de seu povo em instrumento de alerta contra as atrocidades que estavam acontecendo com a natureza, e o Brasil foi seu espaço escolhido como novo lar e como local para observar e manifestar sua revolta contra o que continua acontecendo, principalmente a queimada de nossas matas em nome da ganância capitalista.

Relata, o autor, sobre os artistas que influenciaram a obra de Frans Kracjberg, e o ajudaram na realização de seu sonho, e aqueles seus discípulos que tiveram sua influência, com destaque para Bia Doria, que pratica uma arte contestadora, utilizando os materiais que restaram das queimadas, e de outros desastres naturais, como o fez Kracjberg. Inclusive ficaram amigos e trocaram experiências na produção de sua arte. Como Kracjbert, Bia Doria realiza a mesma prática de seu mestre de buscar restos de madeira queimada em vários locais do Brasil. Bia Doria esteve várias vezes no Ateliê de Nova Viçosa e participou de um evento na cidade ao lado de Kracjberg - O Movimento "O Grito". Li o livro de Bia Doria: Redesenhando a natureza - Esculturas e Relevos. É o resultado de sua participação na exposição no Museu de Arte Contemporânea em Goiás, em 2015. No livro temos as esculturas famosas da artista: As Bailarinas da Natureza. Suas esculturas são muito semelhantes à escultura de Kracjberg. No livro, Kracjberg é citado como seu mestre, e por sua luta em prol da defesa do meio ambiente e do futuro do planeta.

Outros artistas que seguiram o caminho percorrido por Kracjberg na produção artística engajada na luta em defesa do meio ambiente, mesmo que não tenham a motivação do grande mestre da escultura de Nova Viçosa, também são destacados no livro. Mas o espírito de "grito" de socorro pelo planeta e pela natureza, neles permanece, além da utilização da matéria-prima degradada pelo ser humano como objeto de sua construção/reconstrução para uma arte em busca do ideal de sustentabilidade. Alguns artistas são estudados como Sergio Caribé; Bia Doria (já citada no parágrafo anterior); Cléa Lobato, que inclusive esteve no Ateliê em Nova Viçosa, e que aplicou os ensinamentos de Kracjberg na Educação, pois foi uma educadora múltipla; Everaldo Costa, que nasceu em Nova Viçosa, tendo trabalhado com o Mestre, e produzido a famosa obra "Casa da Árvore" de nome internacional, este artista mantém seu Ateliê na cidade, tendo sido amigo pessoal do escultor por 6 anos; Carlos Vergara, artista que se tornou amigo pessoal, inclusive foi companheiro de viagens de pesquisa de Kracjberg. É certo que Kracjberg, apesar da pouca confiança no ser humano devido à guerra, soube fazer ótimas amizades que souberam valorizar e divulgar sua arte, e se tornaram seus discípulos. Ou seja, a violência da guerra não lhe tirou a humanidade.

Escultura de Everaldo Costa - artesão de Nova Viçosa e discípulo do Mestre Frans Kracjberg

Em seu espírito de pesquisador sobre a obra e a vida de Frans Kracjberg, o autor praticamente não deixou ninguém de fora entre os amigos do escultor, seja em Nova Viçosa, Bahia, Brasil e no exterior. Fez várias entrevistas de pessoas que conheciam o artista e suas obras. Procurou por pessoas de todas as áreas, inclusive da classe política como o Governador do Estado da Bahia, escultores, intelectuais, e até atores de televisão e cinema como Christiane Torloni e Victor Fasano. Todos mostraram o valor do artista quanto a sua obra inovadora e sua revolta contra a violência praticada contra o meio ambiente. Só vimos elogios a sua obra, postura pessoal e relacionamento interpessoal. Recebeu o título tão sonhado de cidadão baiano das mãos do Governador da Bahia. E fez questão de frisar que nunca se considerou um polonês, como alguns órgãos de imprensa o tratavam, mas queria ser chamado mesmo era de brasileiro, mesmo tendo sofrido muito aqui também em sua chegada ao país, inclusive passado fome no Rio de Janeiro.

Aos amigos de Nova Viçosa, o autor dedica várias páginas e falas que demonstram a afetividade de Kracjberg com quem ele realmente confiava. Não eram muitos, como nenhum de nós tem um número grande de amigos verdadeiros, mas quando fazia um amigo a ele se dedicava plenamente como disse a sua amiga Lú Araújo: "Kracjberg era muito fechado, rebelde, escolhia as pessoas com quem ele queria se relacionar, mas quando gostava, ele era até pegajoso, muito atencioso." (p.268).  O Célio da Farmácia foi outro morador de Nova Viçosa que teve uma intensa amizade com o escultor, inclusive ele me contou que durante 10 anos os dois almoçavam juntos todos os domingos. Chegou também a cuidar do câncer de pele que Kracjberg adquiriu por sua cor muito branca, e o farmacêutico cuidou todo o tempo de sua doença, chegando até a dar banho no artista neste processo curativo. Outras pessoas são citadas no texto, principalmente seus auxiliares na arte da escultura, como José Alves da Silva, o "Zé do Mato", que ficará ao lado do Mestre por décadas, amizade que tem início em sua infância; Moacir Freitas da Silva, se torna um dos ajudantes do artista, ainda com 15 anos; Silvino Borges, foi seu principal escultor auxiliar até 1979; Benedito Nunes da Silva, o "Bibi", chega em 1976 ao sítio para trabalhar; em 1988 foi a vez de Manoel Nunes da silva, irmão de Bibi, chegar ao sítio. Ainda existiam os outros auxiliares no ateliê como Pedro Nunes e Ernesto Vitório do Nascimento.

Num gesto de compromisso com o futuro de sua obra, Kracjberg doa em cartório todo seu patrimônio  para o Governo da Bahia, em 2009, e em 2015, registra uma Comissão para a ajudar a cuidar de sua obra em sua ausência, unindo forças nesse trabalho de preservação de sua imensa herança. Escolhe uma equipe de cinco pessoas e registra no cartório de Nova Viçosa. Essa Comissão não tinha direitos materiais, portanto tinha que ser formada por pessoas da confiança do escultor e que amassem sua arte. A Comissão era formada pelas seguintes pessoas: a escultora, pintora, marchand e galerista carioca Márcia Barrozo do Amaral, que por 30 anos era a pessoa que organizava as exposições do artista e comercializava sua obras a partir do Rio de Janeiro. O escultor Oraldo do Nascimento Costa, funcionário do artista nos seus últimos 20 anos, e era amigo de confiança de Kracjberg; o policial militar Carlos Roberto Magalhães Monteiro, que por 14 anos chefiou a segurança de Frans Kracjberg, e com ele manteve uma grande amizade; Marlene Figueiredo Gonçalves, secretária direta do escultor e gerente dos seus negócios que trabalhou por 13 anos com o artista, e era considerada como uma filha para o artista; e o advogado Ernani Griffo Ribeiro, amigo por 30 anos de Kracjberg e cuidava de sua vida jurídica. Toda a Comissão faz análises e comentários valiosos sobre a vida e a arte de Frans Kracjberg.

Mãos que transformam morte em vida através da arte

É incrível como o ser humano é invejoso e ganancioso, apesar dessa não ser uma prática em sua maioria, e isto nos anima, principalmente quando descobrimos pessoas como Frans Kracjberg, homem desprovido de todo o interesse de ganhos pessoais, e sim preocupado com o bem das pessoas, da natureza e do planeta... mas como são raros! Estas pessoas vitoriosas na vida, mesmo depois de passar por tanto sofrimento, ainda são perseguidas, roubadas e até violentadas por gente desumana e insensível a tudo que há de bom em nosso caminhar por esta Terra. Kracjberg foi várias vezes assaltado, e até envenenado, em seu sítio Natura em Nova Viçosa, inclusive por pessoas que ele ajudava dando trabalho e carinho em sua companhia e em sua arte. Parece impossível isto acontecer, mas aconteceu, chegando levar o artista a falar em mudar de nossa cidade. Se mudasse, que patrimônio humano e cultural a cidade não iria perder! Mas felizmente resistiu e continuou seu trabalho em Nova Viçosa, mesmo com idade avançada com seus 90 anos de existência produtiva. Estes assaltos aconteceram, a maioria, em 2011, época em que o artista já tinha doado todo seu patrimônio cultural para o Estado da Bahia, portanto faltou a participação do governo estadual para a preservação da segurança do escultor e do acervo recebido. Mas Krascjberg ainda fez muita arte depois desses lamentáveis fatos, talvez o sofrimento na II Guerra Mundial tenha armazenado coragem no espírito do artista.

Justa homenagem do governo municipal em 2022 a Frans Kracjberg

É importante notar pelo texto do livro, que o artista Frans Kracjberg, apesar da opção por uma vida isolada da convivência com o ser humano em meio ao espaço natural, nunca foi apolítico, mas sim apartidário, pois sempre soube acompanhar o que acontecia no mundo, especialmente em relação ao meio ambiente, onde o homem e a natureza se relacionam necessariamente. Tanto isto é verdade, que faz duras críticas a posturas de governos chamados de esquerda, sabendo que estes têm em seu ideário uma ação mais voltada para as questões sociais como a cultura, a educação e a saúde. Prova disso é sua crítica ao Programa Fome Zero do Governo Federal, quando afirma que a riqueza que destroem serviria para dar comida a todos. "São poucos os brasileiros que conhecem este país. Não conhecem sua região. País rico, grande e muito problemático. Planos e projetos são efetuados sem análises prévias. O ouro sai do país via contrabando, a madeira também. Minas Gerais, Espírito Santo, Sul e extremo sul da Bahia tiveram sua floresta muito rica com uma exuberante Mata Atlântica, mas foi destruída em 50 anos, somente no sul baiano as madeireiras capixabas acabaram com tudo. E ninguém lembra que antes de tudo existia aqui, o índio. Se esquece dos índios, fala-se pouco desta raça e da sua cultura. E como todos nós nasceram neste planeta, temos o direito de viver", proclamou. (p.333). Essa sua visão política, se manifesta também na valorização financeira de sua arte, pois em média o valor de uma obra sua era de R$ 120 mil, chegando a R$ 1,5 milhão nos trabalhos grandes. Sua última festa de aniversário, quando completou 96 anos, teve a participação de muita gente importante como artistas, intelectuais e políticos, no seu aconchegante sítio Natura.

No final do livro, o autor trata do falecimento de Frans Kracjberg e do processo de doação de seu patrimônio ao Estado da Bahia, e da morosidade da realização das promessas de obras do governo no sítio Natura, em Nova Viçosa. Traça um quadro da vida pessoal do artista com detalhes pouco conhecidos como a sua convivência com um problema cardíaco desde a sua juventude, fator, que certamente determinava seu espírito inquieto e nervoso. Mas a manifestação deste problema se agrava no final de sua sua vida com suas várias internações e tratamentos. É interessante notar, como sua saúde debilitada não impedia o desenvolvimento de seu trabalho, e com certeza, em muitos momentos teve que utilizar de muita força física. Este fato só se justifica pela ausência de medo da morte do autor, e sua insistente vontade de viver. O autor fala de suas amizades, colegas de trabalho, sua afetividade com as pessoas que o cercavam e seu modo excêntrico de viver, com alguns detalhes importantes, como apesar de dormir cedo, não tinha uma boa noite de sono, conforme depoimento de sua enfermeira, pois acordava muito e tinha pesadelos; resultado claro de sua experiência de vida durante a II Guerra Mundial, guardada no seu inconsciente para sempre. Depois de sua morte, várias autoridades, artistas e intelectuais falam de seus valores artísticos e humanos, e lamentam a sua perda para a arte, a humanidade e para a natureza. Depois de uma batalha judicial entre a Comissão encarregada de cuidar do patrimônio do artista, e uma Associação Judaica alegando que Kracjberg era descendente de judeus e sobrevivente de guerra, portanto deveria ser sepultado em Israel, o artista foi cremado no Brasil e suas cinzas depositadas em local previamente escolhido no sítio Natura em Nova Viçosa. Assim afirma o autor, à página 386 do livro: "A cerimônia de imortalidade de Frans Kracjberg aconteceu na manhã de domingo, do dia 4 de dezembro de 2017, no Sítio Natura, em Nova Viçosa.". As promessas do governo da Bahia continuam sem realização até hoje, confirmando o que diz o autor no final: "Mas o tempo do Estado é o tempo do Estado.". 

Livro excelente que deveria ser lido por todo cidadão brasileiro. Provavelmente esta obra se tornará a fonte definitiva da vida e obra de Frans Krajcberg. Fica a sugestão de uma publicação pelo autor da mesma obra com um formato mais acessível ao público que ainda não tem o hábito de leitura; com menos páginas, e algumas ilustrações com as obras do grande escultor que projetou o nome de Nova Viçosa (BA) para o mundo. 

Parabéns ao autor do livro pela excelente produção literária que ficará para a história de Nova Viçosa e de nosso país!





4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Beto Souto16 de agosto de 2022 04:50
    A leitura e resenha deste livro me levou a valorizar ainda mais o artista Frans Kracjberg, não só por sua arte, mas principalmente por sua preocupação com a natureza, elemento capaz de manter a qualidade de vida do planeta e da humanidade. Foi um exemplo a ser seguido por muitos jovens de nosso tempo, que infelizmente, em sua maioria vivem alienados quanto ao futuro de nossa casa comunitária. Da morte vivenciada na II Guerra Mundial soube criar vida permanente revelada em sua arte ressuscitadora de um novo tempo de alegria, de felicidade e saúde para todos os habitantes da Terra.

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  3. Boa noite meu querido amigo Beto. Parabéns pelo seu trabalho e iniciativa de divulgação do maravilhoso trabalho de Frans Kracjberg. Espero que um dia eu tenha a oportunidade de conhecer Nova Viçosa e fazer uma matéria para o Blogger.

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  4. Uma resenha tão minuciosa assim só podia ser obra do amigo Beto Souza. Conheci Frans Krajcberg há uns 35 anos no Correio de Nova Viçosa e depois tornei a vê-lo já perto da sua morte, com o rosto marcado por pequenas cirurgias de retiradas de nódulos de câncer.

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