sábado, 6 de fevereiro de 2021

O Espelho de Heródoto

 


Livro O Espelho de Heródoto
François Hartog

Prefácio
No prefácio, o autor destaca a atualidade de Heródoto, pois a "livros e artigos consagrados a Heródoto aparecem a cada ano, num ritmo constante.". Como acontece com outros autores, compara a obra de Heródoto com a de Tucídides. A literatura e a gramática são utilizadas intensamente pelo autor na explicação de seu texto, entrando em detalhes próprios dos historiadores pós-modernos. Utiliza bastante os textos de Heródoto, fazendo um trabalho de comparação com outros escritores gregos, especialmente das epopeias. O texto é claro em seu início e final, sendo o meio mais teórico, como o fazem os historiadores dos Annales e marxistas. Observação feita diante de minhas últimas leituras.
Sobre a veracidade das Histórias (p. 31).

Sobre as publicações referentes às Histórias (p.404).

Introdução
Na Introdução, o autor faz muitos questionamentos sobre as Histórias de Heródoto, mas sempre valorizando seu trabalho de historiador, que hoje é incontestável, inclusive como o primeiro historiador e Pai da História. Mostra como Voltaire é uma de suas inspirações para a produção do livro como no texto: "Quase tudo que ele contou dando fé aos estrangeiros é fabuloso; mas tudo que ele viu é verdadeiro." Daí a defesa da visão como digna de verdade, em oposição à audição, ou seja, daquilo que se ouviu dizer. Daí também o espelho de Heródoto relacionado à visão. Interessante como a maioria dos historiadores utiliza Voltaire em seus trabalhos! Sobre o Espelho: "As Histórias são decerto este espelho no qual o historiador não cessa jamais de olhar, de interrogar-se sobre sua própria identidade..." A Representação do Outro significa o olhar que os gregos tinham dos não gregos, nos aspectos pesquisados por Heródoto: histórico, geográfico e etnólogo. Interessante também como o autor chama as Histórias e não História de Heródoto como li em outro livro. A Introdução ficou excelente para a compreensão do todo do livro, pois ficou muito clara e com pouca teoria. Em alguns aspectos sua Introdução é narrativa e interpretativa.
(p. 40).

Parte 1
Os Citas imaginários:
Espaço, poder e nomadismo

Introdução
Os Citas de Heródoto: O espelho Cita
No texto, o autor mostra as comprovações históricas, pela Arqueologia, do povo Cita. Observa que Heródoto reserva grande parte das Histórias a este povo, mesmo sabendo que o mesmo não apresentava fatos maravilhosos como o Egito, que é o povo mais estudado por Heródoto, seguido pelos Citas. Mostra como os Citas são o espelho da cultura grega, e para isto utiliza uma longa descrição nas Histórias sobre os funerais dos reis, fato também comprovado pela Arqueologia, Faz alguns questionamentos sobre os fatos narrados por Heródoto, e analisa à luz da literatura estes textos. É bastante teórico quando trata da literatura nas Histórias.

Capítulo 1  - Onde é a Cítia?
O autor pratica uma história narrativa para localizar a Cítia, e o faz colocando a questão do onde (local) e o significado de Cítia para outros povos. Utiliza de ampla literatura de escritores e poetas antigos para se referir à Cítia. Sua localização mais precisa pelo texto fica sendo um local entre a Europa e a Ásia. A partir desta constatação, o autor faz referência ao local ora na Europa, ora na Ásia. Quanto ao "Quem são os citas", o autor os caracteriza como nômades, embora em outras situações faça referência a um povo sedentário. O certo é que o povo cita é comprovadamente histórico e localizado na Europa. Novamente As Histórias, e Heródoto, dizem a verdade.

Capítulo 2 - O caçador caçado: póros e aporia
Neste capítulo, o autor faz uma ampla descrição das "estratégias" das guerras entre os citas e persas, relacionando-as com a Guerra do Peloponeso e Médicas. Realça o nomadismo dos citas como fator de sua vitória sobre Dario. Entra em detalhes sobre a a guerra entre um povo nômade (cita) e um povo sedentário como o persa. Relaciona estas guerras como uma antecipação de outra no olhar de Heródoto. Fala um pouco sobre o processo narrativo em Heródoto. É um texto longo e detalhista sobre o texto de Heródoto, portanto é necessária a leitura das Histórias para que se tenha uma boa compreensão do capítulo - o que vale para a obra toda de Hartog.

Capítulo 3 - Fronteira e Alteridade
O autor trabalha bem a questão da fronteira e alteridade numa relação entre a cultura cítia e a grega, e para isto usa a figura de personagens cítios que se revezam em uma fronteira não muito clara, mas definidora de posturas, chegando à morte pela oposição entre as duas fronteiras. Utiliza amplamente a religião mitológica dos cítios, gregos e egípcios. Trabalha muito a questão do deus Dionísio, que pode fazer parte das três culturas, sem contudo ficar definida sua origem. Fala dos cultos a Dionísio e outras deusas. Sempre numa relação cítia (o outro) e a Grécia. As Histórias são a fonte principal. Vasculha o texto herodotiano. Utiliza o autor de dois exemplos para tratar da Fronteira e Alteridade no final do capítulo: Zálmoxis (Geta) e Pitágoras (Grego). O texto trabalha a história-problema e a história narrativa/descritiva.

Capítulo 4 - O corpo do rei: espaço e poder
Este é um capítulo mais voltado para o trabalho de etnologia de Heródoto. Hartog mostra como ocorrem as questões de doenças, funerais, e os costumes do povo cita, sempre em uma relação com a cultura grega. Entra em detalhes sobre os eventos e seus significados. Trabalha também a questão dos mitos e a definição de território numa relação de poder. Não questiona a historicidade da narração heroditiana. Mostra a situação de poder do rei e sua relação com o nomadismo/sedentarismo dos citas. No final do capítulo faz uma longa exposição sobre os funerais dos reis no povo cita, sempre comparando com os outros povos como Esparta e Egito. Mostra também a violência executada pelos citas nos rituais fúnebres e nas guerras.

Capítulo 5 - O espaço e os Deuses
Neste capítulo o autor faz uma longa explanação sobre os rituais dos deuses citas. Coloca como referência os rituais gregos, tomando como padrão a perfeição dos rituais gregos em oposição às aberrações citas. Novamente identifica os citas como povos nômades e voltados para a guerra. Vê seus rituais como sangrentos e violentos, pois não observam o consentimento dos animais para o sacrifício - como se isto fosse possível! Fala também sobre o uso de objetos para o sacrifício. O autor vê o que Heródoto não se interessou, no texto isto fica claro. É um texto bem minucioso.

Conclusão
Na conclusão o autor insiste na questão do nomadismo dos citas. Utiliza muito a literatura na construção de sua tese. Valoriza As Histórias de Heródoto na defesa do nomadismo cita, mas ao mesmo tempo mostra que não são apenas os citas que são nômades no território dos citas. Mostra que o nomadismo é mais uma estratégia de guerra do que um estilo de vida. E que os citas reais já foram sedentários, mas optaram pelo nomadismo. Faz uma relação do nomadismo cita com a questão insular de Atenas como estratégia de guerra. É bastante teórico na exposição, mas é inteligível. Não deve ser lido por quem não leu As Histórias.

Parte 2 
Heródoto, rapsodo e agrimensor

Introdução
GENERALIZAR
Este é um capítulo mais literário que histórico. Trabalha o autor muita teoria literária. Utiliza bastante os textos das Histórias, o que torna a leitura menos cansativa; sem ser de difícil entendimento. É um texto muito detalhista, mas bastante informativo quanto aos detalhes históricos. 

Capítulo 1 - Uma retórica da alteridade
É um capítulo quase todo literário, apenas utilizando as Histórias de Heródoto como suporte das análises literárias. Sempre comparando as culturas relatadas com a civilização grega - a chamada alteridade. Seria a busca de uma maior profundidade da verdade histórica? Parece que sim. Teoria dos Annales - ampliação dos objetos da História.

Capítulo 2 - O Olho e o Ouvido
Novamente um capítulo bastante teórico e literário no início, mas no final fica mais voltado para a História, especialmente numa relação entre Heródoto e Tucídides. Mostra a diferença entre o ver (eu vi) e o ouvir (ouvir de alguém) no fato histórico. Dá maior importância histórica ao ver (olhar). Dá como exemplo importante, entre outros, As Viagens de Marco Polo quanto ao ver o fato histórico em sua narrativa. Em meu livro Aposentados Ativos também valorizo o ver na narrativa: "Em uma reunião com o prefeito (eu estava presente), o mesmo disse que o Juiz poderia entrar no computador e transferir o dinheiro da Prefeitura para as contas dos aposentados. Por que o Juiz da Comarca não o fez, apesar do prefeito insistir em não acatar a decisão da Justiça de pagar todos os salários dos aposentados? (P. 100).
 
A explicação literária do texto é bastante cansativa por seus detalhes; veja texto abaixo:
(p. 318)

A parte específica de História é bem tranquila para sua compreensão; veja texto abaixo:
(p. 325)

O autor, no final do capítulo, faz uma evolução dos ataques a Heródoto da Antiguidade até a Idade Moderna. Importante destacar a valorização da qualidade da escrita de Heródoto - é um grande escritor e orador.

Capítulo 3 - As Histórias como Representação
Neste capítulo, novamente o autor trabalha bastante a literatura, e informa como Heródoto tem consenso de historiador nas Guerras Médicas. Volta sempre às mesmas informações das Histórias, o que para o leitor de Heródoto é importante como memória de leitura. Trabalha bem a questão do poder entre os reis, e discute novamente a divisão dos poderes políticos discutidos em Heródoto. Mostra suas diferenças (concepção dos três poderes políticos) nos personagens das Histórias e sobre a língua falada sobre cada um. Questiona o imaginário e as mentalidades. Adota uma postura tipo Paul Veyne, em minha opinião, é claro! Continuando o capítulo, o autor volta a uma análise ainda mais teórica envolvendo a literatura nos textos de Heródoto. Em meio a tantas informações e análises textuais, o autor retorna ao título do livro, ou seja, O Espelho de Heródoto e a Representação do Outro. Veja texto abaixo:



(p. 383)

Mostra um Heródoto prazeroso como agrimensor e rapsodo. Destaca o prazer de Heródoto ao mostrar as medidas dos monumentos naturais e humanizados. Como rapsodo vê Heródoto com um desejo de competir com Homero na epopeia e na declamação de sua obra, mesmo que em prosa.

Conclusão - A História de uma partilha
A conclusão do texto é confusa e complicada. Durante todo o texto, o autor questiona a obra de Heródoto, mas sem depreciá-la. Mostra o tempo todo a leitura que é feita das Histórias. Seus questionamentos. A existência de dois "Heródotos", ou seja, o etnólogo/agrimensor e o Heródoto das Guerras Médicas. É enfim, uma leitura das Histórias, e não uma escrita. Deixa questionamentos que sinalizam para um novo livro. Sobre "O que é um documento?". "O que é um texto histórico?'. Volta na questão do espelho e do outro. A História da partilha não seria um Heródoto sempre dividido? Ou sobre o outro (os bárbaros, os citas) e  o "eu" (gregos)? Não deixa claro. É um texto de história acadêmica - não pode ser simples, infelizmente.
Heródoto, "historiador das Guerras Médicas", coroado pelas Musas

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