domingo, 7 de fevereiro de 2021

História do Regime Militar Brasileiro - Marcos Napolitano

 Livro 1964

História do Regime Militar Brasileiro
Marcos Napolitano


Este livro foi escrito no período de "comemoração" dos 50 anos de implantação do Regime Militar no Brasil entre 1964 e 1985. Nesta data muitas publicações chegaram ao público. Esta é mais uma de um professor da USP.

Logo na Apresentação o autor já informa algumas de suas posições quanto ao período: contesta a visão de Golpe Civil-Militar, alegando que quem detinha de fato o poder, eram os militares; defende a ideia de que o golpe não foi fruto da incompetência de João Goulart, mas que sua construção já vinha de períodos históricos anteriores, como a Era Vargas; analisa o Golpe Militar de forma global, ou seja, nos campos político, militar, social, econômico e cultural; não identifica a esquerda com a expansão do Comunismo no Brasil.

No primeiro capítulo o autor faz uma análise do Governo Goular de foma ampla com reflexões sobre sua origem e evolução até o golpe militar de 1964. Faz colocações sobre as visões dos historiadores sobre Jânio Quadros e João Goulart. Passa pela cultura através da música e cinema no período Goulart. Valoriza o governo Goulart quanto aos movimentos populares e de cultura, especialmente no Nordeste. Analisa de forma conjuntural as origens e organização do golpe ao governo Goulart, descartando o Presidente e sua prática administrativa como fatores de sua queda. Inclusive faz alguns elogios a sua pessoa e governo. Aprofunda as questões culturais no período. Destaca a ação da classe política em fins da década de 1950 e início da década de 1960. Também comenta sobre a formação e alianças dos partidos no período que antecedeu ao golpe militar de 1964.

No capítulo segundo, o autor mostra as articulações acontecidas no período do golpe de 1964. Relata as complexas relações de poder ocorridas no momento histórico, realçando tanto os movimentos da esquerda, mais afinadas com o governo, quanto as tramas da direita composta, principalmente pelos militares (não todos os militares), empresários, setores sindicais e até a ação do governo americano. Mesmo não concordando com a ideia de um combate ao Comunismo pelos setores de direita (mesmo que fosse um pretexto); afirma que o PCB (Partido Comunista Brasileiro), entendia a fase social do momento como uma transição para o Socialismo. Destaca os caminhos e descaminhos da busca pelo poder pelos setores de direita e de esquerda no Brasil na época do golpe militar de 64. Entra em detalhes sobre a ação do governo dos Estados Unidos em apoio aos líderes que buscavam derrubar o governo. Faz uma leve defesa de Goulart no comando do governo, afirmando que o golpe não foi apenas um erro de análise de conjuntura, mas uma trama que fazia parte da política da Guerra Fria desde a década de 1950 nos países da América Latina. Inclusive informa da preocupação americana com a situação camponesa do Nordeste; o que poderia, na visão do governo americano, levar a uma reprodução da revolução cubana no Brasil.

No terceiro capítulo, o autor  mostra como é falsa a ideia de alguns historiadores e até da imprensa dita de esquerda, como a Folha de São Paulo, de que os primeiros anos da Ditadura Civil-Militar foram de um governo com uma ditadura branda, inclusive sendo chamado o período de 1964 a 1968 de "ditabranda" pelo jornal. E para isto cita os primeiros Atos Institucionais que cassaram a maioria de presos políticos e representantes da oposição (consentida) durante todo o período dos governos militares. Mostra em detalhes os grupos que se digladiavam no combate e apoio ao governo militar, inclusive de líderes como Leonel Brizola, Adhemar de Barros, Lacerda, militares oposicionistas dentro das forças armadas e outros. Destaca a repressão aos movimentos estudantis e trabalhistas. Interessante notar como existiam militares dentro das Forças Armadas simpatizantes do Comunismo, além de oficiais chamados de linha-dura. O autor mostra com muitas informações como estes grupos se confrontavam e conviviam.

No quarto capítulo o autor analisa a posição dos militares em relação à cultura e aos artistas no período entre 1964 e 1968. Defende a ideia de que a cultura se desenvolveu na época pra dar uma falsa impressão aos artistas de uma vitória da esquerda com o golpe de 1964, inclusive porque a maioria da classe média fazia parte de quase toda a produção cultural da época, e o golpe se deu com o "apoio" desta classe. Analisa os movimentos culturais ocorridos na música, no teatro e no cinema. Entra em detalhes sobre o Movimento Tropicalista em sua "defesa" de uma cultura nacional. Mostra como as esquerdas eram divididas quanto aos seus projetos de "convivência" e derrubada do governo. Não vê as esquerdas com os mesmos ideais, principalmente em relação à luta armada. Vê o Comunismo como o elemento agregador do projeto cultural das esquerdas brasileiras desde a década de 1950, situação que continuou dominante nas décadas seguintes, principalmente nas Universidades.

No quinto capítulo o autor faz um relato factual com uma ótima análise do período mais violento da Ditadura Militar, mesmo que algumas questões fiquem sem respostas, devido à carência de informações mais consistentes. É interessante notar a isenção do autor ao informar, além das mortes de representantes da esquerda, também alguns do Regime Militar, que em sua opinião, fomentaram a ação repressora do sistema. Cita casos clássicos da ação da esquerda armada como o sequestro do embaixador americano, ataque a bancos e o roubo do cofre do Governador Adhemar de Barros, além da ação da guerrilha do Araguaia. Sobre a censura mostra que a mesma não foi uma invenção do Regime Militar, mas uma adoção de períodos anteriores, com a ápoca de Getúlio Vargas. Analisa a censura ao teatro, ao cinema, à música e imprensa, mesmo à grande imprensa que apoiou o golpe a Goulart.

No sexto capítulo o autor faz uma análise da política econômica dos governos militares (1964-1985). Destaca as melhorias ocorridas na área econômica, apesar do governo ter ampliado a participação do capital internacional na economia do país. Cita algumas obras ditas "faraônicas" que constituíram objeto de propaganda do ufanismo do governo, mas realça seu valor em alguns setores. Enumera benefícios criados pelo governo à sociedade brasileira como o PIS-PASEP, FGTS, BNH, Pro Rural, o Banco Central, etc. Destaca o papel de Delfim Neto no comando da economia como fator de equilíbrio das finanças do país. Faz ressalva quanto à questão das liberdades individuais e da situação de sofrimento da grande massa trabalhadora no período, principalmente por causa de uma inflação galopante que chegou a índices muito altos no final do governo. Mas quanto à situação de desigualdade social, afirma que a Nova República também não resolveu.

No sétimo capítulo o autor faz uma análise da cultura brasileira pós AI-5. E por seu trabalho de pesquisa e análise podemos percebemos que as atividades artísticas e culturais foram intensas no período, mesmo com a censura do governo. Detalhe importante de sua análise é a permanência do pensamento comunista dentro do Movimento Cultural de época, fator que, certamente acirrou o controle das atividades dos artistas, mas dando espaço para uma ampla participação da população nos eventos. Faz, o autor, uma lista dos artistas e suas obras, além do pensamento de cada um no espaço cultural. Reacendendo o pensamento de Gramsci sobre o papel da cultura na construção da sociedade socialista. Pela exposição do autor, percebe-se a importância do Regime Militar para a cultura brasileira, mesmo com a censura e repressão próprias do sistema. Observa-se pelo texto o surgimento de órgãos essenciais para a cultura brasileira surgidos no período que continuam atuando nos dias de hoje como a Embrafilme, surgida em 1969, e o Concine, em 1975. Mesmo a esquerda foi beneficiada por estes órgãos, tendo inclusive, o governo por sua política cultural, recebido o elogio de nomes como Glauber Rocha. Enfim, pelo relato do autor, o período foi o mais fértil em atividades culturais de nossa história com o surgimento de grandes nomes das artes musicais, teatrais, literárias e até de Movimentos Culturais.

No oitavo capítulo o autor mostra como a cultura e a intelectualidade brasileiras manifestaram seu descontentamento com as práticas políticas do novo governo, ainda em seu início. A literatura, a imprensa, a publicidade, o teatro, a música, foram espaços dessa insatisfação.Mas realça também os matizes desta contestação envolvendo vários segmentos chamados de "esquerdas". Cita partidos como o PCB, PC do B como espaços de contestação ao novo regime. Escritores como Antonio Callado, Loyola Brandão, fazendo críticas em seus livros, e também os grandes jornais como o Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo e muitas revistas da época. Analisa o perfil de contestação de intelectuais e veículos de comunicação. Interessante notar como intelectuais que atuaram na rede Globo de televisão tinham posturas comunistas como Paulo Francis e Dias Gomes, sendo que a Globo sempre foi um reduto de direita. Fato que mudou radicalmente no governo, talvez resgatando sua origem de formação frágil de esquerda.

No nono capitulo o autor faz uma análise sobre o governo Geisel, o principal responsável pela abertura política do Regime Militar. Faz alguns questionamentos sobre este título dado a Geisel, principalmente pelo autoritarismo do Presidente e de atitudes tomadas pelo governo como o fechamento do Congresso por 15 dias, além das práticas comuns do regime militar como a censura à imprensa, a tortura, e a existência dos chamados "desaparecidos" no período. Analisa as tramas do governo e da oposição para as eleições na época. Mostra como os partidos (governo e oposição) estavam infiltrados de outras correntes políticas, como os comunistas, extrema direita militar, remanescentes das guerrilhas e da ALN. Cita casos de violências contra líderes civis,  o envolvimento da Igreja Católica e de instituições como a OAB e ABI na oposição ao regime.

No décimo capítulo do livro o autor mostra como logo após uma certa organização institucional do Regime Militar no governo Geisel, como queria o sistema, uma nova ameaça surgiu: o fortalecimento dos movimentos civis de combate à ditadura. E neste novo quadro surgem as ações da OAB, da CNBB, da ABI, além da volta dos movimentos estudantis com o ressurgimento da UNE, além dos movimentos sociais e religiosos da Igreja Católica, e logo após o movimento sindical. Esta gama de manifestações faz o governo repensar sua política repressiva e daí a tão sonhada revogação do AI-5. A classe política volta a se envolver neste novo quadro de resistência à ditadura, assim o MDB e a ARENA se posicionam e se misturam em sua ideologia de apoio e resistência ao governo.

No décimo primeiro capítulo - Tempos de caos e esperança -, o autor revela detalhes de uma época cheia de esperanças, apesar de vivermos ainda o caos social, político e econômico do Regime Militar. Uma abertura política se iniciava, mas com um pé atrás, pois sempre quando acontecia algum evento que incomodava o sistema, o governo reagia. Mas sempre ficava aquela esperança na classe política e na população em geral. Os movimentos sociais, a Igreja, as instituições democráticas passaram a respirar e tomar fôlego depois do início do governo Figueiredo que avançava e recuava na abertura. Quem viveu esta época como eu, lembra bem das tramas políticas da época, mesmo sem entender bem o que estava acontecendo nos bastidores. Nomes como Tancredo Neves, Maluf, Aureliano Chaves, ficaram bem na memória do período.

No último capítulo do livro o autor analisa as questões de memória e História do regime militar. Mostra como as visões sobre o regime político implantado em 1964 são diferentes a partir dos olhares dos diferentes atores envolvidos no momento histórico. Relata os projetos de resgate da verdade sobre o que realmente aconteceu durante a ditadura militar, implantados a partir do momento em que a esquerda assume o poder no Executivo Nacional, mais especificamente no governo Lula e Dilma. Analisa fatores emocionais, políticos e ideológicos envolvidos na busca da verdade histórica. Também mostra, mesmo que não explicitamente, que nenhum grupo de oposição tinha um projeto consolidado de tomada do poder em 1964, e fica implícito, que o grupo mais organizado, ou seja, os militares, tomaram a iniciativa do golpe diante da quase ausência de governo de Goulart, devido, principalmente à inércia do Congresso na votação dos projetos do governo. E termina com um pensamento de Jobim, que sintetiza toda a complexidade da História do Brasil: "O Brasil não é para principiantes."

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