quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Livro História do Brasil para Ocupados - Luciano Figueiredo (Organização)

 

Livro História do Brasil para Ocupados

Luciano Figueiredo (Organização)

Introdução

Este livro não é pra ser lido em busca de conhecimento/informação sobre a História do Brasil, mas sim para ser saboreado, como uma fruta gostosa e saudável: "Com sabor de fruta mordida" (Cazuza). Logo na apresentação senti este sabor com uma pequena definição de História: "História é como a casa do Senhor, ela tem muitas portas e janelas". Esta breve definição já nos leva ao prazer da liberdade de se estudar/ler História, a aceitação de várias entradas e saídas em seu "prédio" de viagens e caminhos a seguir, ou desistir. A própria capa do livro me chamou a atenção; como pode um livro de História ter em seu primeiro espaço de visualização uma Nossa Senhora Aparecida em cima da tradicional imagem de Cabral? Não, esta não é uma História para os Ocupados de nosso tempo, é uma História pra quem tem tempo de saborear lentamente cada palavra, cada frase dos textos produzidos pelos historiadores selecionados pelo autor. É preciso ler pouco a pouco, e saborear a leitura, como a criança que deixa a comida mais gostosa pra depois, lá no cantinho do prato. É isto que estou fazendo. Na Apresentação o autor faz uma breve explanação sobre o projeto do livro, que foge aos moldes tradicionais dos nossos famosos livros didáticos que seguem uma cronologia e evolução. E também está longe dos historiadores de gabinetes. É uma História do Brasil para os brasileiros.

Desenvolvimento do texto

Desde o início do livro, os(as) autores(as) mostram sua marca de historiadores(as), ou seja, comprovam o que dizem com a documentação necessária para apresentar sua defesa e refutar ideias ou "viagens" contrárias. Os documentos de conhecimento já tradicionais como a Carta de Caminha e Mestre João, entre outros são valorizados como únicos de credibilidade, pois existem outros que não são claros quanto aos eventos tratados. Isto vale para a Descoberta do Brasil e os primeiros tempos da colonização. E me parece que vale para o projeto do livro em geral, pois os primeiros escritos dão o tom da obra. Me parece que há um resgate da história factual, apesar da análise dos autores sobre os documentos, como se utiliza atualmente, e não deixar o documento falar por si só, como se pensava antes, tanto é que os autores, através dos documentos observam suas relações econômicas, filosóficas e religiosas da época em que são produzidos esses documentos. A evolução dos temas históricos tradicionais, é incontestável, mesmo que exista uma nova visão sobre eles.

Como o organizador do livro disse no início que a história tem várias portas e janelas, recordo meu tempo de estudante, e até de professor de História na década de 1980, quando éramos orientados pelos autores de livros a não falar sobre o canibalismo dos índios brasileiros, mesmo porque o ato não estava registrado nos livros didáticos de História. Nesta época existia uma preocupação em valorizar nossa cultura "brasileira", e o índio era seu início mais remoto. E também a questão do negro também era valorizada como componente de nossa sociedade, e só falávamos bem de Zumbi e do Quilombo dos Palmares. Mas outras portas foram se abrindo e hoje estão escancaradas pela historiografia para todo estudante ver que houve exageros e exclusão também nas classes subalternas da época. O relato de visitantes europeus no Período Colonial são a prova viva que tentamos esconder por tanto tempo sobre nossos indígenas.

Os autores dos textos do livro procuram acrescentar algo novo na História do Brasil tradicional, através de pesquisas mais recentes, isto em todo o tema tratado. A questão da escravização do índio e do negro são destaques nos primeiros trabalhos dos historiadores. E neste quadro entra a invasão holandesa no Nordeste e a participação da cidade do Rio de Janeiro nos eventos, tendo como foco seus moradores e administradores. Mostram como a substituição da mão de obra indígena pela negra alterou a situação de nossos primeiros habitantes até os dias atuais. Buscam os autores fatos novos e personagens quase desconhecidos pelos historiadores, como o baiano, traficante de escravos, Francisco Félix de Souza; e Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz, e traçam uma narrativa de seus feitos dentro do quadro da História tradicional ensinada nas escolas, ou seja, ampliam as informações num estudo mais voltado para a História do Cotidiano.

Os cultos africanos são alvo de estudo, mostrando sua relação com a formação de nossa cultura a partir do século XIX. Dedica quase que exclusivamente ao Candomblé, mostrando sua composição étnica e cultural, ou seja, sua origem africana e a absorção de elementos de outras raças e religiões, principalmente a católica, além de receber trabalhadores de vários ramos de atividades, inclusive professores, apesar, de muitas vezes, receber a falsa calúnia de ser um culto de desocupados. Seguindo o estudo sobre a presença dos africanos no Brasil, o livro trata da capoeira, talvez a maior tradição cultural deixada pelos escravos para a história do povo brasileiro. Tenta, o autor, identificar a origem da capoeira, e termina chegando a um consenso de que a prática foi uma mistura de ritos vindos da África e adaptados no Rio de Janeiro, no século XIX, o principal centro urbano do Brasil. Mostra o autor que a capoeira era uma fusão de luta e dança ao mesmo tempo, mas que não tinha nenhum interesse em buscar uma melhoria de vida para a população negra, mas sim uma prática cultural criada e incorporada ao universo do escravo, e também do homem livre, inclusive de políticos, Interessante notar que o autor não cita a possibilidade da capoeira ser um jogo, como temos conhecimento nos dias atuais. Os capoeiristas costumam falar que vão jogar capoeira, e não lutar ou dançar capoeira.

A ocupação da Amazônia, espaço compreendido principalmente entre os Estados do Amazonas, Pará, Maranhão e Piauí, foi mais lenta, devido à distância da capital à época, Salvador, e também pela interferência de outros países europeus como a Inglaterra, a Holanda e a França. Os índios também dificultaram esta ocupação por se posicionarem, às vezes contra os portugueses. Além de tudo isso, o Brasil vivia sob o domínio complexo da União Ibérica (1580-1640), formada por Portugal e Espanha. Para fortalecer a administração da colonização, os portugueses criaram um governo no norte do Brasil para facilitar a ação dos governantes e colonizadores. Narra a saga de aventureiros em busca de riquezas e conhecimento científico pela região, mesmo acreditando na imaginação de seus habitantes. Esta prática foi comum para aventureiros vindos, principalmente da Europa, pois o Brasil e a Amazônia despertavam a curiosidade de quem poderia investir nestas viagens dispendiosas, caras e perigosas por um continente praticamente ainda desconhecido. Os Indiana Jones do passado que inspiraram filmes e livros de aventuras.

O papel das Ordens Religiosas, principalmente dos Jesuítas, foi destacado no estudo do Período Colonial. Esta Ordem foi criada como fruto da chamada Reforma Católica pós Reforma Protestante. Tinha o objetivo claro de combater as mudanças promovidas por Lutero no catolicismo romano. E para atingir este objetivo, os jesuítas se concentraram na formação de padres intelectuais e professores para atuarem nas escolas do mundo todo, e mais especificamente na América Latina. No Brasil teve papel fundamental na catequização dos indígenas, pois acreditavam que eles não tinham religião. Mas também influenciaram na formação religiosa dos colonos e fazendeiros, deixando esta herança até os dias de hoje. Os Estados de Minas Gerais e Bahia foram aqueles em que mais atuaram. As Irmandades religiosas foram fundamentais na construção da cultura mineira, pois o governo português não permitia que eclesiásticos frequentassem as minas de ouro. Portanto a Igreja Católica apoiou a criação de várias Ordens Religiosas, que inclusive foram formas de libertar os escravos, pois estes podiam ser comprados por aquelas.

A religião tem grande importância para o povo e os governos no Período Colonial, além do culto católico, havia combinado com este, a adoração dos santos, que se tornaram quase uma religião particular que a Igreja Católica não interferia. Com muita semelhança com a religião do Império Romano, no qual tinha o culto do Imperador e os deuses individuais nas residências. São Sebastião foi o santo mais cultuado no período, tem origem na religião dos reis portugueses. Aqui se mistura com a cultura africana e torna-se ídolo dos escravos adotando um nome da raça negra. Nossa Senhora Aparecida foi uma santa de muita importância na História Religiosa e Política do Brasil. O milagre que deu origem ao seu culto faz parte de um quadro de sofrimento do povo da época. Três pescadores, ao encontrar a imagem, recebem a graça de uma grande pescaria em período pouco propício à pesca. A partir daí seu culto se estende, e chega até o Vaticano que aprova seu culto. A nova classe política republicana utiliza-se de sua popularidade para aproximar a Igreja Católica do novo regime de governo, como era na Monarquia. Nos estudos de santos na História do Brasil, principalmente envolvendo a religiosidade popular, a escrava Anastácia é uma uma criação do imaginário escravista.

Saindo dos santos e santas vamos agora expulsar o demônio, prática que está cheia de histórias e superstições. A autora mostra que a imagem do demônio que conhecemos vem dos artistas do Renascimento, que mostravam a luta do bem contra o mal em imagens. E a prática de exorcismos foi cada vez mais carregada de irregularidades, mesmo que Roma tentasse impedir os excessos, e que os exorcismos não passavam de uma forma alternativa de cura de males que a medicina e os tratamentos naturais não davam conta. E cita casos escabrosos de exorcistas com suas práticas individuais, e muitas vezes violentas e sexuais. Dentro do mundo místico no Brasil, os negros escravos têm papel fundamental. Suas práticas religiosas vindas da África se misturam com o catolicismo romano, mesmo com as proibições e punições pela Inquisição. Nestes cultos não participavam apenas os escravos africanos, mas também pessoas brancas que necessitavam da intervenção do Além para a solução de seus vários problemas. Era uma época difícil, principalmente pelo pouco avanço da Medicina e da existência de seus profissionais, que eram em número reduzido. Nas fazendas os proprietários permitiam a prática do Candomblé, da Umbanda e outros ritos nas senzalas.

A Maçonaria é uma associação de difícil conhecimento, pois se declara secreta, portanto os historiadores não conseguem desvendar seus mistérios, a não ser por algumas declarações de pessoas que dizem conhecer a instituição, e das poucas publicações existentes. No Brasil seu nome está ligado à Independência do Brasil, e até às Conjurações Mineira e Baiana. Mas sempre viveu em constantes conflitos internos e externos, de pessoas e do próprio governo. Os articuladores de nossa Independência, a História diz estarem ligados ao processo de desligamento do governo português, como Pedro I e José Bonifácio, entre os principais. Para encerrar o Capítulo sobre Fé, o autor pesquisa e produz um texto sobre o Espiritismo, que tem sua origem na França, mas que rapidamente se expande pelo mundo, principalmente no Brasil. Sua prática espiritual termina se misturando, e até fazendo parte da Umbanda, que foi considerada a primeira religião totalmente brasileira. No início da República, foi legalmente proibida ao lado dos cultos africanos, mas com Getúlio Vargas, termina virando uma religião normal, principalmente por sua identificação com a Igreja Católica em relação à necessidade de obras de caridade em seu cotidiano. Tenta uma explicação científica através do livro dos Espíritos de Alan Kardec, fato que anima a participação de uma elite mais letrada do Brasil, inclusive de políticos.

A produção do açúcar no Período Colonial marcou nossa sociedade até os dias atuais. A autora faz um estudo sobre como funcionou o sistema de produção açucareira e sua importância para o Brasil e a Europa. Mostra como utilizaram a mão de obra indígena no início do processo produtivo, e depois o negro africano, que também era uma mercadoria na engrenagem do Mercantilismo europeu. O chamado Ciclo do Ouro é tratado de forma bem superficial, destacando mais a parte econômica de sua produção, mas mesmo assim sem nenhum aprofundamento, por exemplo de como a grande quantidade de ouro enviada para Portugal, cerca de 800 toneladas enriqueceu a Inglaterra e não a metrópole portuguesa. Mostra o autor o desenvolvimento que a Colônia alcançou com a mineração, mesmo assim de forma muito sintética.

O ciclo do café foi bem desenvolvido pela autora, inclusive com um texto maior. Mostra suas origens desde a sua chegada ao Brasil, possivelmente teria vindo da Guiana Francesa. Com o tempo torna-se um produto essencial no país para exportação. Analisa as influências sociais da produção do café na formação das famílias enriquecidas com sua produção,  fator que vai gerar a expressão "barões do café", pois alguns produtores ricos recebiam título de nobreza do Imperador, geralmente de barão, que era dado a pessoas com grande poder aquisitivo. Mas o grande destaque da produção do café era a mão de obra, que era vinda da África com o tráfico de escravos. Era esta mão de obra que garantia toda a riqueza das famílias, e também provocou sua decadência com a Abolição da Escravidão em 1888. A autora é bem detalhista em seu estudo sobre a produção do café no Brasil, inclusive analisando as influências na moda vinda da Europa, tendo como fonte os estudantes brasileiros que faziam estudos fora do país. Estes estudantes geralmente formavam, mas não trabalhavam, pois sua riqueza era garantida pelo trabalho escravo.

A autora questiona a tradicional expressão "Política do Café com Leite", e utiliza vários argumentos para sua exposição, entre elas, que Minas Gerais e São Paulo nem sempre decidiram os rumos do país apenas com posições dos dois Estados, inclusive cita a influência de outros Estados como o Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro. E as decisões, mesmo dentro dos Estados, não tinham uma unidade, havendo divergências entre os partidos existentes. Mostra também que a expressão certa poderia ser a "Política do Café com Café", pois Minas, junto com o Rio de Janeiro era grande produtor de café, e as decisões partiam mais das decisões políticas do que da produção de leite, ou seja, a política não dependia dos produtores de leite, mas sim das articulações dos partidos em torno das questões nacionais. Revela o papel importante do Exército e do Poder Executivo nas decisões da República Velha. Mostra como as fraudes eleitorais eram dominantes, inclusive destaca a eleição em que o mineiro Afonso Pena conseguiu 97% dos votos, fato só ocorrido com muita fraude. Dentro da política também chamada de "Coronelismo", é tratada no livro, e a ação do Tenentismo, principalmente na década de 1920. Mesmo que os ideais do Movimento Militar dos tenentes tenham um objetivo mais voltado para os interesses da maioria da população, terminam por se associar à Ditadura de Vargas.

A Era Vargas é um período longo e de difícil compreensão pelos historiadores. Foi um tempo de intensas transformações sociais. O Brasil começa a abandonar um perfil agrário para iniciar uma fase de domínio industrial, daí o papel dos trabalhadores se amplia, principalmente em busca de seus direitos. Adquiridos significativos direitos trabalhistas, a classe operária sempre esteve atrelada ao governo e aos patrões, não muito diferente dos dias atuais. Getúlio Vargas foi um ditador, que apesar de suas atitudes autoritárias teve o apoio popular. Os tenentes o apoiaram num primeiro momento, mas depois se afastaram, pois Vargas abandonou suas promessas de campanha. A autora do texto coloca algumas questões que precisam ser compreendidas durante o período, e que até hoje não foram resolvidas. Em resumo, Vargas foi um estrategista político de primeira linha, isto não dá pra negar. Seu governo pôs fim à chamada "República Velha" (1889-1930), mas conservou muito de sua política de fraudes eleitorais, violência e corrupção.

Ainda sobre a Era Vargas, seu antissemitismo é fragrante em sua política de imigração. Pretendia, como a Alemanha Nazista, uma pureza da raça brasileira sem ter a chance de adotar as medidas radicais de Hitler. Até alguns de seus Ministros eram antissemitas. Passou a não aceitar imigrantes judeus no país, mesmo assim muitos judeus chegaram ao Brasil por outros canais, mas Vargas poderia ter evitado a morte de muitos judeus se não tivesse praticado uma política racista de imigração. A Ação Integralista no Brasil faz parte do quadro de governos autoritários e fascistas no mundo, mas não se identifica totalmente com o Nazismo, principalmente na questão da pureza da raça. Foi um partido que recebeu apoio principalmente das colônias italianas e alemãs de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

A seguir, as publicações deslocam o foco das questões políticas, econômicas e ideológicas para as questões mais populares, que geralmente os livros didáticos não trabalham como a alimentação, a prostituição entre todas as classes sociais, inclusive entre os indígenas, a religião oficial e os cultos populares, o adultério, a guerra, etc. Os historiadores entram em detalhes sobre as questões sexuais, mostrando a ação da Inquisição no combate a algumas destas práticas. Analisando sempre o contexto desses fatos, ou seja, revelando uma realidade dentro de uma sociedade em formação. E nos conflitos desde o século XVI destacam o clima belicoso que viveu o Brasil no início de sua formação social. A Bahia foi o espaço inicial de uma guerra em que os índios tomaram parte numa mistura de misticismo com o catolicismo dos jesuítas. A invasão holandesa no Nordeste mostrou a capacidade de nossos soldados no combate ao inimigo, quando 2.000 mil luso-brasileiros venceram 6.000 holandeses. Talvez tivessem a motivação do patriotismo da "nação" brasileira na época.

No período da mineração em Minas Gerais, outro texto é bastante minucioso sobre as relações sociais, econômicas, religiosas e políticas da época. Em uma palavra se vivia um caos social. Portugal ainda não se interessava pela produção de ouro, pois tinha outros interesses econômicos na Europa, portanto nas minas se vivia um aglomerado desorganizado de pessoas buscando seus interesses: índios, negros, mulheres, proprietários de terras. Era uma terra sem lei ou ordem. A escravidão e os quilombos se espalhavam por todo o país, inclusive nas minas, que fazia parte da Capitania de São Paulo. Havia uma relação social dos quilombos com pessoas livres, negros alforriados e proprietários. Geralmente se localizavam nas proximidades dos locais de maior população. Não era como estudamos na escola, locais isolados e comandados apenas pelos negros africanos. Os negros africanos também participaram de movimentos revolucionários em defesa do Brasil, e principalmente buscando sua alforria por sua participação. Tinham outros interesses além da libertação do Brasil do domínio português. Não eram tão ingênuos como pensávamos. Na Guerra da Bahia, conseguem a vitória em 2 de julho de 1823 que se torna a data oficial da Independência do Estado, inclusive sendo feriado estadual. Com maior importância que o 7 de setembro.

No método utilizado pelo autor/organizador do livro, encadeando os textos sem obedecer  a Linha de Tempo Tradicional da História, agora passam, os autores, a narrar e analisar as chamadas Revoltas Regenciais, que tiveram como característica principal o envolvimento de pessoas comuns nas lutas reivindicatórias. Tem início com a chamada Revolução Farroupilha, ou dos Farrapos, que tem como consequência principal a formação da identidade do Estado do Rio Grande do Sul como Estado Federativo do Brasil. Depois passam pela Revolução Praieira que é um misto de conflito liderado pelas elites do Nordeste, mas que deixou espaço para a plebe participar, mas no final não fica claro o objetivo principal do conflito, a não ser a luta pelo poder dos primeiros tempos do Segundo Império; depois é estudada a Revolta de Canudos que foi o movimento mais importante do final do século XIX no Brasil, onde ainda se questiona a volta da Monarquia para o governo do Brasil. O livro Os Sertões de Euclides da Cunha foi considerado a História de Canudos até fins da década de 1950, quando surge uma nova vertente de análise voltada mais sobre as questões do latifúndio no interior do Brasil.

Sobre a Abolição da Escravatura, o livro é bem detalhista principalmente em relação a ação dos chamados Quilombos. Existiam vários Quilombos, sendo muitos localizados bem próximos às cidades e com a participação de intelectuais, jornalistas e políticos, inclusive a Princesa Isabel terminou adotando a causa abolicionista, chegando ao ponto de proteger escravos em seu palácio, afinal seu pai, D. Pedro II, estava fora do país. Aconteceram várias críticas sobre a presença da princesa no movimento, inclusive Rui Barbosa via sua participação como puramente política, mas foi Rui Barbosa o primeiro intelectual a admitir que a Abolição da Escravidão não foi uma dádiva da Princesa Isabel, mas o resultado da resistência e luta dos escravos. Interessante notar como a camélia, uma flor, era o símbolo do abolicionismo, inclusive servindo como uma espécie de senha para identificar um abolicionista. Quilombos que protegiam os escravos e criavam uma espécie de comunidade negra, distante das cidades, não foram muitos, e o que mais se destacou foi Palmares.

Começam, os autores a estudarem as revoltas ocorridas no século XX. Na Revolta da Vacina aprendemos e ensinamos que sua motivação foi a invasão da privacidade da população, sem nenhuma consulta prévia aos moradores. Mas o autor mostra que houve muitas revoltas dentro da chamada Revolta da Vacina, inclusive o envolvimento de líderes socialistas nas invasões e liderança do movimento, e até de militares insatisfeitos com a situação em que viviam. Na revolta da Chibata é realçado o lado violento do conflito, principalmente por parte do governo. Foi uma revolta dos marinheiros contra os maus-tratos recebidos da oficialidade, como se fosse a permanência da escravidão negra, e entre os marinheiros tinham muitos negros e pessoas simples. O governo foi extremamente violento na repressão, inclusive matando e jogando no mar vários marinheiros. Logo o mito do brasileiro pacífico foi por água a baixo. 

Agora os autores passam a narrar eventos fora do Brasil, mesmo envolvendo os brasileiros, como a Guerra do Paraguai. Sobre esta mostram as visões existentes sobre o conflito, ou seja, suas causas. Até a década de 1970 existia a opinião (inclusive li um livro famoso que defendia esta ideia quando fiz Faculdade) de que sua causa foi o Imperialismo inglês, pois o Paraguai fazia concorrência com os produtos ingleses na América do Sul, fato que é negado pelos historiadores a partir da década de 1980, pois afirmam que praticamente não existia indústria no país, mas o domínio de atividades agrárias. Consequentemente, as causas mudam, ou seja, passam a fazer parte do processo de formação dos Estados Nacionais na América do Sul. Durante a II Guerra Mundial mandou os pracinhas (FEB) para participarem do conflito, certamente com o objetivo de resgatar um pouco a falta de credibilidade de Getúlio Vargas diante de sua longa ditadura. Fizeram bonito no conflito ao enfrentarem o maior exército do mundo que era o alemão, apesar das parcas condições materiais e de saúde de nossos soldados. Importante ressaltar que o Brasil foi o único país da América do Sul a enviar soldados para lutarem na Europa, e também por possuir negros no exército, fato que não diminuiu a discriminação no campo de batalha e quando voltaram ao nosso país.

O livro agora volta-se para alguns personagens da nossa história como Maurício de Nassau e Chica da Silva. Sobre Nassau não acrescenta muita coisa, pois sua fama de bom gestor e de seu gosto pelas artes já são conhecidos pela história tradicional. Mas entra em detalhes pouco conhecidos como a existência de vários representantes de outras nacionalidades europeias no Recife, inclusive de judeus. Soube conciliar as várias crenças e interesses no território administrado. Fez uma grande obra administrativa na cidade, inclusive participando de sua construção, Trouxe naturalistas europeus para registrarem nossa belezas naturais, entre outras realizações. Sobre Chica da Silva o livro apresenta uma mulher determinada que enfrentou com coragem e sabedoria os desafios de seu tempo. Não apenas uma mulher sexualmente atraente como temos visto no cinema, livros e imprensa. Viveu intensamente sua vida, mesmo sendo negra, portanto marginalizada. José Bonifácio é revelado como um homem de inteligência rara entre intelectuais, e não só o político que estudamos nos livros didáticos. Atuou em várias áreas, inclusive nas áreas das ciências exatas como a Matemática e as Ciências Naturais, além de enveredar pela Filosofia e Política. Maria Quitéria é uma heroína baiana muito bem trabalhada no texto, mostrando detalhes de sua participação na defesa da Independência do Brasil no combate aos portugueses como soltado, mesmo sendo do sexo feminino. E outras lideranças femininas também são tratadas com Maria Filipa e Ana Angélica, todas da Bahia.

Sobre as lideranças históricas brasileiras masculinas, o General Osório é muito elogiado por sua bravura e seu compromisso de soldado, além de seu bom humor. Inclusive gostava de poesia para amenizar sua vida agitada de estar sempre preparado para conflitos. Recebe um pedido de promoção em forma de poesia, e o concede, mas orienta o solicitante para nunca mais fazê-lo dessa forma. Foi muito amigo de Caxias até aparecerem algumas divergências durante a Guerra do Paraguai (1864-1870). É considerado o Patrono da Cavalaria. E Caxias o patrono do Exército. Outro grande brasileiro é tratado no livro: o Barão do Rio Branco. É elogiado por sua capacidade de resolver questões internacionais sem nunca ter usado o artifício da guerra, mesmo em situações polêmicas no Acre. É considerado o maior negociador de questões internacionais do mundo. O Marechal Rondon é outro exemplo de grande líder militar e humanista do Brasil, pois foi um grande defensor da cultura indígena em nosso país. Foi Positivista e Militar, mas sempre voltado para os interesses humanitários do cidadão brasileiro. Era contrário a qualquer tipo de violência contra a pessoa humana, principalmente sua morte.

Os historiadores passam a estudar a vida dos poetas e literatos, começando com Gregório de Matos, famoso por suas críticas ferrenhas aos governos da Bahia. Interessante notar que o poeta nunca publicou uma linha de suas poesias e escritos. Outras pessoas e amigos juntaram suas falas e transformaram em panfletos e livros. É chamado de "Boca do Inferno" pela indignação manifestada em suas produções ao criticar os governantes baianos. Nasceu em Recife e morreu em Salvador. Sobre Machado de Assis são analisadas suas crônicas, e não seus romances, o que me admirou, pois ficou famoso pelos romances. E suas crônicas tratam principalmente de questões econômicas; nova surpresa, pois nunca vi Machado de Assis preocupado com economia e política. Mas é totalmente lúcido nesta nova faceta de sua obra. Lima Barreto é estudado em seu lado jornalístico, principalmente por suas crônicas políticas, e até em defesa dos direitos das mulheres. É um defensor dos direitos sociais de todos os cidadãos. Coisa nova pra mim. Seu lado do romance é muito mais conhecido e valorizado. A Arte Moderna que teve origem em 1922 é o foco do próximo estudo, revelando o objetivo principal do Movimento que foi a criação de uma identidade da sociedade brasileira através da produção literária inicial de Oswald de Andrade, e tendo como objeto de pesquisa seu livro inicial Pau-Brasil. Uma arte engajada na cultura popular brasileira.

Sobre a MPB (Música Popular Brasileira), o autor foca em Noel Rosa, Chico Buarque e alguns nomes pouco conhecidos. Cita em meio a estes Vinicius de Moraes e o Movimento da Tropicália. Não entra em detalhes sobre o que é música popular brasileira. Vê mais o lado artístico e pessoal de Noel, e a poesia e política de Chico e de seu pai Sérgio Buarque de Holanda. Mostra estes artistas e escritores/historiadores como aventureiros na busca de nossa identidade cultural e social, ainda hoje indefinida, principalmente pela extensão territorial do país e suas várias diversidades em todas as áreas. Parece que vivemos em um aglomerado de "países" que chamamos Brasil. Como explicar esta complexidade em algum estudo específico. Fica muito difícil. Cita o autor que Gilberto Freire, Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda foram aqueles que chegaram mais perto de uma definição de nação brasileira, e Chico Buarque por suas variadas produções, inclusive em romances e teatro, além é claro, da música, que é uma invasora da identidade da mulher brasileira como ninguém fez ou tentou.

No processo de construção do livro, o autor agora trata de política com um mito de nossa História, Getúlio Vargas. Confirma que foi democrata e ditador em seu longo período de governo, mas uma coisa que não tinha visto ninguém afirmar é que sua morte retardou por 10 anos o golpe civil-militar de 1964. No mais são informações dominantes em nossos livros didáticos, inclusive uma certa calma na política brasileira após a sua morte, talvez pelas manifestações populares em quase todas as cidade do país. Juscelino Kubitschek é tratado no texto como o típico político mineiro - tradicional e conciliador. Mas este tradicionalismo não o impediu que fizesse o governo mais progressista do Brasil, talvez pela situação que o país atravessava com o crescimento da classe operária. Não teve medo de fazer grandes investimentos, mesmo sabendo que provocaria grandes dívidas ao país e o aumento da inflação. Foi um Presidente ousado, participativa e presente no meio do povo. A ele devemos a construção monumental de Brasília, com sua estratégia de centralização administrativa e uma aproximação com as fronteiras a oeste do Brasil.

O estudo sobre Tiradentes me surpreendeu ao mostrar uma visão diferente de nosso herói da Inconfidência que trabalhamos nos livros didáticos de História. A última imagem que tinha era a de que Tiradentes assumiu a culpa por tudo, ou foi levado a assumir porque era o menos informado do grupo, e além de ser o mais pobre. Coisas que o texto contradiz na totalidade. Tiradentes era filho de um português que era fazendeiro e possuía escravos. Quando o perdeu foi morar com um parente que era dentista, já crescido foi comerciante e militar, além de possuir uma excelente facilidade de comunicação, chegando a ser comparado aos padres da época que tinham muito poder de convencimento em suas celebrações. Enfim, o texto resgata um novo Tiradentes pra quem estudou a Inconfidência Mineira no século passado. Sobre o Almirante Negro da Revolta da Chibata, percebemos pelo texto, que seu papel não foi tão preponderante no comando da revolta, pois tinha uma boa relação com os marinheiros e com seus comandantes. Foi preso, mas não foi o líder da revolta, o que chama a atenção no estudo é seu registro sobre a revolta utilizando uma arte aprendida em sua função de marinheiro, pois nunca foi Almirante. Mas foi de uma humanidade extrema.

O livro termina com um bom estudo sobre a vida e ação de Chico Mendes e pequenas biografias dos historiadores que tornaram possível a formação de um excelente livro de História do Brasil, principalmente por suas novidades pesquisadas.

2 comentários:

  1. Este livro é fundamental para os estudiosos que querem conhecer os fatos históricos tradicionais numa visão diferente do convencional, e com mais detalhes, estes nunca encontrados em nossos livros didáticos. Fiquei maravilhado com o tanto de informações que li sobre temas tradicionais, que em minha opinião já tinham se esgotado nos estudos que tinha feito; é como se diz: "Duas cabeças pensam melhor". E aqui são várias cabeças.

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  2. Como os historiadores do livro retratam o lado pouco conhecido dos personagens tratados, terminaram por me levar a muitas pesquisas sobre os mesmos, pois tratam, por exemplo, das crônicas de Machado de Assis e Lima Barreto, mais conhecidos como romancistas, corri no Google pra conhecer mais sobre estes escritores, e assim aconteceu com outros personagens e fatos tratados no livro, por isso falo que este livro não é muito para os ocupados, mas pra gente nem tão ocupada e que gosta de pesquisa. O Organizador e os colaboradores estão de parabéns pela produção deste excelente livro.

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