domingo, 7 de fevereiro de 2021

História & Teoria - José Carlos Reis



Apresentação
Na Apresentação já se percebe a clareza da escrita do historiador. Ele afirma textualmente: "Como já disse, são escritos de professor: simples, diretos, generosos.". Faz um breve relato de cada capítulo do livro, como é próprio das Apresentações, mas sempre de forma objetiva e clara. Trata temas complexos com grande simplicidade, sem perder a profundidade dos temas. Faz uma evolução do pensamento histórico desde os gregos até os dias atuais. Mostra o papel do leitor como coautor da obra e seu dono a partir de sua aquisição/estudo. Valoriza o leitor na construção da obra. Afirma que que a obra pode ser lida por escolhas individuais do leitor, ou em seu conjunto, pois os capítulos se completam ou explicam. Compara o título com Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freire, pois nos dois livros os temas se interligam, mesmo que pareçam separados.

Capítulo 1
História da história: civilização ocidental e sentido histórico
O autor faz uma evolução do sentido histórico desde a Antiguidade, principalmente a partir dos gregos e romanos, até os dias atuais. Destaca a produção histórica dos gregos que se caracteriza pela singularidade, ou seja, uma história do povo grego, sem uma visão universal. Mostra Heródoto como um historiador preocupado com a preservação dos acontecimentos gregos e  bárbaros, para não se ficar no esquecimento. Compara Heródoto com Tucídides, sendo que os dois misturam fatos verdadeiros com mitos e fantasias, mesmo que Tucídides, muitas vezes, na opinião de alguns historiadores, tenha feito uma história isenta dos mitos dominantes na Grécia. Roma produz uma história universal, tendo o Império Romano como o dominador do mundo conhecido, e o centro do mundo. O Cristianismo abre uma nova perspectiva historiográfica ao vislumbrar um futuro (coisa que os gregos não fizeram) de salvação do mundo presente e passado, pois o mesmo é dominado por guerras, conflitos e injustiças. A Modernidade (séculos XIII-XVI), revela uma história racionalista em oposição a uma história religiosa, em que Deus é fim último do homem. Mas o racionalismo não abandona Deus, apenas coloca as realizações humanas como centrais no processo histórico, especialmente o progresso futuro "garantido" pela história. Mostra, ao final do capítulo, os novos desafios da ciência histórica diante da evolução tecnológica do 3º milênio, realçando que as antigas escolas históricas estão todas superadas... "(...) e podemos, enfim, respirar e criar!".

Capítulo 2
Da história global à história em migalhas: o que se ganha, o que se perde?
Este é um capítulo bastante teórico, mas com uma linguagem compreensível como é próprio do autor. Discute bastante a história defendida pelos iluministas que é caracterízada por uma noção de progresso humano, transformação social e pelo racionalismo. Portanto, é um história global. A Escola dos Annales, em sua primeira fase, se caracteriza pela História Global com a ampliação de suas fontes e objetos de pesquisa, e pela interdisciplinaridade. O autor analisa as três fases da Escola dos Annales, e trabalha bastante a questão da história dos iluministas. Mas não deixa de retornar a uma história "que deve continuar sando a ciência da mudança e da transformação da sociedade (...) Os historiadores realmente inovadores valorizam ainda o evento e o tornam inteligível em uma lógica explicativa global." (p. 74). Continua o capítulo com uma ampla discussão sobre a História Global ou Total e das migalhas, ou seja, a história pesquisada e estudada por pequenas partes, ou escolhas do historiador. No final do capítulo mostra as vantagens e desvantagens de ambas as concepções históricas. Tem sempre a Escola dos Annales como foco de sua discussão. Termina, ao meu ver, optando por uma história-literatura ao invés de uma história-ciência nunca alcançada por nenhum historiador.

Capítulo 3  
A especificidade lógica da história
No início do capítulo o autor já debate pontos importantes sobre a possibilidade da História oferecer um conhecimento digno de confiança, ou seja, sua lógica na pesquisa. Mesmo diante de vários questionamentos sobre a lógica na história, o autor é categórico ao afirmar: "(...) ... é indubitável a legitimidade do trabalho histórico." (p.97). Faz uma evolução da história da história desde Heródoto até o final do século XX. Durante o capítulo oferece alguns elementos que são fundamentais na produção histórica como as transformações humanas, temporalidade, narração, explicação, análise, verdade, pesquisa, subjetividade, data, fatos, etc. Apesar das várias contestações a uma "ciência" histórica é enfático na defesa da disciplina. O autor continua o capítulo discutindo, através de textos de outros autores, sobre a cientificidade da história. Discute muito Veyne, que em seu livro Como se escreve a histórica nega a cientificidade da história, que é de 1971, mas que em 1983, em novo livro da abertura de sua aula na Universidade da França, refaz este pensamento e defende que a história pode ser uma ciência desde que utilize as teorias do Sociologia e da Filosofia, Analisa as idas e vindas de Veyne, inclusive citando os vários Veyne. Mas no final termina por fazer uma defesa, mesmo que de forma implícita de que a história é uma narrativa com explicação dos fatos históricos do passado.

Capítulo 4
História e verdade: posições
É um capítulo muito interessante e claro sobre a verdade em história, e para isto faz algumas reflexões sobre a questão da verdade histórica e nas ciências naturais. Mostra como a verdade, mesmo na Física, tem a presença da subjetividade do pesquisador em sua produção. Faz uma evolução do pensamento de filósofos e historiadores sobre a questão da verdade na disciplina. Compara o pensamento dos filósofos antigos com o dos historiadores contemporâneos, sendo estes últimos a favor de uma pesquisa histórica sem a presença do pensamento de filósofos e sociólogos, deixando a pesquisa para a comunidade de historiadores, posição que o autor concorda, mas realça que pode não ser definitiva, pois a história está sempre em mudança. Interessante a afirmação do autor à página 151: "A história é uma construção do sujeito - ele reconstrói o passado, atribui-lhe um sentido, sob a influência de suas crenças, convicções, ideias e personalidade.". Outra afirmativa importante é sobre os vários modelos de cientificidade, e a história faz parte de um deles, diferente do modelo das ciências naturais, portanto a história pode ser uma ciência, como muitos defendem. "Não há um único modelo de cientificidade, mas vários." (p. 163). Outra posição defendida pelo autor é a de que as diferenças entre os historiadores, ao invés de diminuir a qualidade da disciplina, só a enriquece, inclusive os debates se ampliam, situação que só aumenta o interesse pela história. Termina o capítulo com informações importantes sobre a produção histórica, que em minha opinião, o opinião de Georges Duby é a melhor: "A história científica é uma impossibilidade, pois a história é inevitavelmente subjetiva. O que não quer dizer que ela não possa abordar o passado com algum rigor: documentos, técnicas, teorias, disciplina crítica... Mas para a verdade histórica isto não basta. É preciso ainda um indivíduo que sonhe, imagine, seduza, encante o público, que o atinja, porque atende também aos seus interesses de sonho e evasão." (p. 172). Não parece uma volta à história de Heródoto?

Capítulo 5
O conceito de tempo histórico em Ricoeur, Koselleck e nos Annales: uma articulação possível
É um capítulo bastante teórico, pois trabalha muito a Física e a Filosofia para refletir sobre o tempo. Quando trabalha o tempo do historiador sua explicação fica mais acessível. Mesmo quando analisa o tema com os historiadores, entra em detalhes que dificultam o entendimento do texto. Mas o trabalho de resgate histórico pelo historiador fica claro quando trata do tempo histórico. Continua até o final discutindo a questão do tempo histórico, mas, infelizmente não consegue ser objetivo em sua exposição, principalmente quando compara a visão de tempo histórico nas ciências sociais e nos Annales. Acredito que faltou ao autor explicar o que é tempo histórico independente de autores. Mas ficou claro que cada classe social, escola histórica e autores têm um conceito de tempo histórico, diferente do tempo calendário.

Capítulo 6
Dilthey e o historicismo, a redescoberta da história
No início do capítulo o autor trabalha bem a importância da Revolução Francesa para a história e a filosofia da época. Mostra como a história e a filosofia se relacionam sobre a construção da produção histórica, ou seja, suas visões sobre a mesma. A filosofia vê a história como uma construção da razão, numa visão iluminista, e a história como uma produção diante da realidade científica do passado, sem abstrações, partindo da vida concreta dos homens do passado, este é o chamado historicismo. A história não reflete uma história em progresso, mas uma realidade particular e concreta do homem do passado. Interessante notar a relação do historicismo com o romantismo, que termina sendo a primeira fase do historicismo. Exitem muitas divergências sobre o historicismo entre os historiadores, como aliás acontece em relação e todas as escolas históricas e historiadores, ou seja, na história não existe consenso no pensamento historiográfico, mas a história não para de ser amplamente pesquisada e publicada. Mostra o autor, que o historicismo pode ser considerado como o resgate da história depois de séculos de descrédito. Termina o capítulo e o livro com um excelente e claro texto sobre o historicismo de Dilthey - um defensor da história como ciência em busca da verdade histórica, fora do método universalista da ciência natural.

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