Introdução
O livro é uma produção coletiva, como é informado em seu início. Nas orelhas do livro, através de alguns pequenos textos, os autores já dão uma visão do projeto petista de governar. Algumas características já levam para o conteúdo do texto, como a participação popular nas ações do governo; a existência de um governo sem privatizações, que na opinião dos autores levou à corrupção e ao clientelismo dos governos anteriores; uma nova relação entre os partidos e o governo, deixando este de ter poder sobre a composição dos partidos na criação de apoios políticos. No período, início da década de 1990, o livro faz uma avaliação das 26 prefeituras eleitas pelo Partido dos Trabalhadores (PT). O atual Presidente, Lula da Silva, faz a apresentação do livro, reforçando os temas citados acima. No Prefácio, Jorge Bittar faz um leve comentário sobre a situação financeira das prefeituras assumidas pelo PT, pois as mesmas receberam os cofres vazios; mas com o tempo e experiência conseguiram fazer bons governos. Em minha opinião, havia uma expectativa muito grande diante dos novos governos, fator que favoreceu um empenho maior dos novos eleitos. O autor não cita, mas a partir da Constituição de 1988, chamada de municipalista, houve uma transferência maior de receitas para todos os municípios do país. Daí a necessidade de bons gestores, como em época de poucos recursos.
Desenvolvimento
No início do livro, já existe a defesa confessa da implantação do Socialismo em um processo lento, sendo esta a solução para combater o sistema capitalista de governo. Reconhecem a inexperiência dos novos gestores para se adaptaram às demandas do governo. Percebem que a esperança de melhorias imediatas pela população não foi alcançada, ou seja, admitem erros de gestão, coisa que os governos petistas atuais nunca assumem. As instituições políticas capitalistas devem ser alteradas, e para isto criam a Secretaria Nacional de Assuntos Institucionais, para se buscar melhores resultados na gestão municipal. O texto defende um Socialismo Democrático que nunca aconteceu ao longo da História. Realça que confundem Socialismo com Estatização. Defende um governo em que a participação popular é seu maior fundamento, e desta prática irá surgir o controle do Estado pela sociedade, além da crítica ao Estado mínimo, criticando a confusão entre poder público e estatal. O texto é bastante teórico, mas entende-se suas principais apostas. Acreditam no controle social sobre as grandes empresas, como a Usiminas; situação que nunca aconteceu. O livro dedica um texto específico sobre a participação popular no governo municipal, em minha opinião sua principal meta. Participei do Conselho Municipal de Educação de Ipatinga, e percebi que os Conselhos foram formas enganosas de gestão, pois tinham a função principal (implícita, é claro, de legitimar decisões do partido). Consequentemente, estes Conselhos, com o tempo, desapareceram. No início já levavam os Projetos só para a Assembleia escolher o mais viável para a cidade. Cada Secretaria apresentava o seu projeto para avaliação. Hoje até a Direita adota esta prática para enganar o povo, e realizam as obras que lhes interessam politicamente.
Defende, o documento petista, a inversão de valores na gestão dos tributos, ou seja, a criação de um Fundo Público, que vá garantir o aumento de impostos, administrado pelo povo, e com aplicações prioritárias em regiões periféricas, mas sem esquecer as outras áreas da cidade; o oposto do governo neoliberal, que defende um Estado mínimo. Projeto, que, com certeza, o povo vai criar uma indisposição imediata, pois o Brasil já é campeão mundial na cobrança de impostos. Lembro que em Ipatinga a primeira luta da administração petista foi com o aumento exorbitante do IPTU, que depois de muita discussão e manifestação popular, o governo teve de voltar atrás. O texto sobre a administração municipal faz elogios aos concursos e aos planos de carreira, mas aponta problemas neste processo como o surgimento do corporativismo entre o funcionalismo, e sinaliza como solução a maior participação popular na preparação dessa prática, que já é histórica nas administrações municipais desde a década de 1950. Segue a análise para um tipo novo de governo nas administrações municipais propondo alterações nas relações políticas, sociais e culturais, inclusive defendo a reconstrução histórica destas relações no âmbito da nova gestão, principalmente sobre o domínio da classe dominante sobre a sociedade, sendo a participação popular seu instrumento mais importante. E por fim, nesta análise teórica, o autor mostra como ocorreu e como deve acontecer a relação partido/administração na condução das prefeituras petistas. Propõe uma "divisão harmoniosa" para a tomada de decisões entre o prefeito/partido/Legislativo e conselhos. Fato que não ocorreu nas primeiras gestões. Daí o livro surgir como um guia para as próximas eleições. Em Ipatinga, no início do governo, o prefeito participava de assembleias de trabalhadores metalúrgicos, tamanha era a indefinição dos papéis no governo.
Depois de uma análise mais teórica do projeto petista de governar, os autores passam a analisar questões mais específicas como a habitação, utilizando, como exemplo, as experiências das cidades em que o PT passou a governar. Mostram uma inversão prática na construção do projeto urbanístico das cidades, ou seja, descentralizando a ação governamental a partir de ações coletivas envolvendo os Conselhos e as administrações, e respeitando as especificidades de cada município. Na área educacional, os autores fazem uma análise da situação vivida no Brasil nos governos chamados de "Conservadores". Prática pautada pelos interesses eleitoreiros, sem considerar a qualidade do ensino e a valorização dos professores. O PT apresenta um projeto oposto com a participação da comunidade através dos Conselhos Escolares, Conselho Municipal de Educação e da Eleição Direta para Diretor. Este quadro realmente aconteceu nas primeiras gestões, mas foi, com o tempo, perdendo este perfil e adotando a mesma política tradicional para a Educação. Criticam a aprovação automática nas primeiras séries para maquiar a reprovação, mas a implantam e a partir do ano 2000. Condenam o pagamento de escolas particulares, pois a população já teria este direito pelo pagamento de muitos impostos, mas defendem o aumento de tributos para a implantação de um governo público.
Em relação ao transporte coletivo, o PT fez um grande esforço para baratear e qualificar o serviço para o usuário. Neste contexto, a questão da municipalização e Estatização é amplamente discutida. Vê, o PT, os sindicatos ligados a CUT e ao partido como cúmplices nas políticas municipais. E textualmente (página 82): "A tendência petista é de colocar os sindicatos como aliados incondicionais do projeto das administrações populares, sobretudo se ligados à Central Única dos Trabalhadores e ao PT." Postura que nem sempre aconteceu, conforme o texto. Sobre as vias públicas são importantes as propostas apresentadas: democratização das decisões; participação do setor privado aliado ao poder público; privilegiar o transporte coletivo ao privado, como os automóveis. Mostra, o autor, que o problema viário é mais social que técnico, daí a essencialidade da participação editores popular no processo de construção de um trânsito mais humanizado e menos econômico. Quanto à alimentação, o projeto petista defende um controle maior dos municípios, em oposição ao trato liberal do mercado do governo federal. Mas não fala da criação de Cooperativas de Agricultores. No governo Lula a partir de 2003 foi criado o Ministério da Fome de curta duração.
Diferente das administrações anteriores, a Assistência Social passa a fazer parte do projeto petista de governo, e não em situações emergências. Esta prática é muito variada, pois atinge diferentes personagens sociais. Para esta "Secretaria", o livro aponta as Cooperativas como instrumento de solução dos problemas econômicos dos mais necessitados. Sobre o Esporte e o Lazer, o texto faz um relato da situação antes e depois da chegada do PT às prefeituras municipais. Mostra os projetos na área, e compara com a política eleitoreira do esporte nas administrações anteriores. Acredita em um Socialismo Democrático que nunca ocorreu ao longo da História. Na Saúde, o texto defende a implantação do SUS (Sistema Único de Saúde), criado pela Constituição de 1988. O PT defende a municipalização do SUS, e faz o relato dos avanços alcançados em suas prefeituras com a implantação do Sistema Único de Saúde. Sobre o Saneamento o texto é muito claro sobre três questões: 1a: saneamento não dá voto; 2a: o PT não se preocupa com os votos, mas com o projeto; e 3a: a participação popular é indispensável. Sobre o Meio Ambiente, o autor faz um estudo bem sistematizado do projeto de governo, inclusive perpassando a pauta ambiental por todos os setores da administração, além de chamar a comunidade a participar nos encontros sobre o assunto. As escolas passaram a enfatizar a questão ambiental em sua programação curricular e extracurricular. Foi, com certeza, uma vitória petista em seus primeiros anos de governo; coisa que as administrações passadas negligenciaram em nome do capital.
Sobre a situação da mulher na sociedade, o autor faz uma reflexão do papel privado de sua ação na família, conforme o pensamento tradicional, e aponta avanços nas questões da mulher e sua inserção no ambiente público do trabalho social. Mostra como as Prefeituras petistas tem se organizado para implementar um novo estilo de governança em relação à presença da mulher na sociedade. CcaAponta, de forma específica, a discriminação social da mulher negra. Cita os órgãos criados pelo PT para enfrentar esta situação de discriminação contra mais da metade da população do país. Na área da Cultura, o texto é claro sobre o fracasso da ação cultural nas primeiras prefeituras conquistadas pelo partido, pois teve prefeito que nem criou um órgão cultural na administração. Reconhece, que a visão da cultura por parte da esquerda é mais complexa do que a realidade da direita já consolidada, e o PT parte de uma crítica para a construção de uma nova sociedade cultural. Contraditoriamente, o texto crítica uma ação governamental da cultura, que hoje o partido pratica no governo: "Não confundir serviço público de cultura com atendimento das 'demandas' das corporações das belas-artes que, na longa tradição brasileira, sempre tomaram o Estado como entidade beneficente que profissionaliza e subvenciona atividades privadas de grupos artísticos." (p. 206). Veja a Lei Rouanet!
Sobre a participação popular no governo petista, o texto é enfático em algumas questões importantes, que não foram resolvidas, e depois invertidas pela conjuntura ligada ao poder. Admite que a falta de experiência administrativa dificultou a implementação de ações que estavam dentro do projeto do partido. Admite que mesmo dentro dos governos havia divergência de opiniões nas ideias e práticas programadas. Admite que foram idealistas quanto à participação popular nas decisões de governo. Admite que as Comunidades Eclesiais de Base eram controladas verticalmente pela Igreja Católica. Admite que a população queria mais suas reivindicações atendidas do que uma formação político-ideológica condutora de práticas admistrativas. Admite que os governos Socialistas ao longo da História praticaram um Socialismo de Estado. Admite que herdaram um quadro econômico das prefeituras incompatível com as reivindicações e promessas do partido. Admite um distanciamento entre o partido e a administração petista. Enfim, as enormes dificuldades produziram um partido e um governo muito distantes do planejamento original, pois teve que ir se reprogramando ao longo da caminhada. Talvez quisessem (inconscientemente) criar uma terceira via que não foi idealizada por ninguém, pois o Socialismo histórico jamais será democrático. Como disse, Gramsci: " A História ensina, mas não tem alunos."
O PT vê o desenvolvimento econômico de uma forma "municipalista", a partir das relações entre os agentes municipais envolvidos nas questões econômicas e sociais; entende que o desenvolvimento econômico de suas prefeituras, supera a visão tradicional de criar empresas e empregos, mas compreende uma ação mais ampla que busque qualidade de vida para a população, mas sem dispensar a contribuição dos governos estaduais e Federal. Cita, o texto, exemplo da prática de alguma cidades administradas pelo PT no período. Algumas com perfil agrícola, e outras industriais, como Ipatinga, que combateu a privatização da Usiminas. Sobre as Finanças e Orçamento enfatiza a criação dos Conselhos de Orçamento Popular como definidores de prioridades para a aplicação de verbas. Quanto ao Funcionalismo destaca o perfil herdado pelo Partido, o Plano de Cargos e Salários e a definição do Regime Jurídico a ser adotado pelas Prefeituras, sempre com a participação popular e dos sindicatos. No estudo sobre a Administração municipal, o texto é claro sobre as diferenças propostas em um projeto de esquerda Marxista e o Liberal vigente até a década de 1980. Parece-me um anacronismo esta defesa na época. Mostra que as administrações petistas buscam uma maior participação popular em todos os setores da gestão, inclusive na questão do orçamento, e não só nas questões de obras nos vários setores da cidade como a Educação, a Saúde e outros.

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