segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

O Livro Negro do Comunismo - Vários Historiadores


Introdução
Só pela leitura dos textos das capas e orelhas do livro já deixa claro o sonho desfeito e o terror implantado pela Revolução de 1917. Foram mais ou menos 100 milhões de mortos em 7 décadas de governo soviético na União Soviética, e em outros países e continentes. Em um balanço ainda incompleto podemos afirmar alguns números que provam a gravidade do assunto: URSS, 20 milhões de mortos; China, 65 milhões de mortos; Vietnã, 1 milhão de mortos; Coreia do Norte, 2 milhões de mortos; Camboja, 2 milhões de mortos; Leste Europeu, 1 milhão de mortos; América Latina, 150.000 mortos; África, 1,7 milhão de mortos; Afeganistão, 1,5 milhões de mortos; Movimento comunista internacional e partidos comunistas fora do poder, uma dezena de milhões de mortos. O total se aproxima da faixa dos cem milhões de mortos. (Pág. 16). É estarrecedor como pôde ocorrer tamanha violência contra povos de um mesmo país, depois de promessas de humanidade, justiça, fraternidade e igualdade. Hoje os partidos comunistas nos governos são mais sutis nos expurgos, praticam um ostracismo grego com os opositores. 

Na Apresentação, os autores preparam os leitores para as atrocidades praticadas pelos comunistas, inclusive com depoimento do historiador e ex-comunista, Eric Hobsbawm afirmando aos que dizem serem os números de mortes exagerados, afirmando: "Mesmo que as cifras caíssem pela metade, seriam moralmente inaceitáveis." (Apresentação, VI).

No texto seguinte, questiona-se como os chamados comunistas atuais sabem dos crimes praticados pelo regime ao longo de sua história e continuam a defendê-lo. A explicação mais plausível é que os crimes praticados faziam parte do caminho que deveria ser percorrido para se chegar ao Socialismo. Vejam textualmente: "O que aconteceu? Havíamos perdido a razão ou somos traidores do comunismo? A verdade é que todos nós, inclusive os que estavam mais próximos de Stalin, fizemos dos crimes o contrário do que eles realmente eram. Nós os consideramos como uma importante contribuição para a vitória do socialismo." (pág.25). E o autor aponta a solução em outra afirmativa: "Os comunistas de minha geração aceitaram a autoridade de Stalin. Eles aprovaram seus crimes. Isso vale não somente para os comunistas soviéticos, mas também para aqueles do mundo inteiro, e essa nódoa nos marca individual e coletivamente. Só podemos apagá-la fazendo com que isso nunca mais se reproduza." (pág. 24-5)

No mesmo texto dos crimes do comunismo, são colocadas questões muito importantes: 1. Mesmo admitindo os crimes comunistas nos governos de Lênin e Stalin, os atuais partidos comunistas continuam defendendo suas ideias: 2. O totalitarismo tem seu poder devido, principalmente sobre as pessoas que têm medo da liberdade e da reponsabilidade, pois transferem todas as suas decisões para os líderes do partido; 3. O comunismo matou cerca de 100 milhões de pessoas, incluindo a União Soviética e os outros países comunistas, enquanto o regime nazista da Alemanha, eliminou 25 milhões de seres humanos; 4. Os campos de concentração nazistas seguiram os modelos comunistas do governo de Lênin, conforme depoimento de um comandante comunista; 5. O Nazismo ficou famoso após a Segunda Guerra Mundial por seus atos de terror, inclusive seus generais ficaram conhecidos do público, mas os comunistas mentiam sobre a prática do terror em seus territórios, fator que levou até ao engano de países como a França e os Estados Unidos.

No final do texto, vários elementos são analisados sobre o segredo das ações criminosas dos comunistas desde Lênin. Um dos fatores que favoreceu essa ocultação das atrocidades foi a violência do regime nazista, tornando o comunismo um antifascismo na opinião pública, inclusive no julgamento dos crimes do nazismo alemão, Stalin estava presente. Outro elemento importante foram as denúncias de vítimas que escaparam aos campos de concentração comunista, desde a década de 1920 a 1950, mas que foram pouco ouvidas, além das obras publicadas denunciando estas violências, fatos que só foram considerados depois que o próprio sistema os admitiu. Mas o próprio método de Lênin: violência, crime, terror, já revelavam a origem da chamada "revolução", ou seja, Lênin o colocou em prática e Stalin o sistematizou com seus seguidores (pág. 16).  E este método foi anterior ao nazismo. Apenas Fidel Castro não assumiu os crimes praticados. O Relatório Secreto de Kruschev foi fundamental para abrir o espaço de pesquisa sobre a violência praticada por Stalin. Outra questão colocada é sobre os historiadores que têm a missão de ser os porta-vozes dos oprimidos, mas que certamente são impedidos, muitas vezes, por questões de informações complexas. Encerrando, é questionado sobre o que levou os comunistas a eliminarem toda a oposição para a implantação do regime socialista, e a promessa de resposta no fim do livro.

Depois dos relatos e análises dos crimes do comunismo começam a ser publicados textos relativos aos fatores que levaram à eclosão da Revolução de 1917, e as posições da historiografia a respeito do evento, principalmente depois da queda do regime. Nesta linha historiográfica surgem análises de vários matizes e ideologias. O certo é que a eclosão do comunismo soviético foi o resultado consequente de um caos social na Rússia e de um desgoverno czarista que vinha definhando desde o início do século XX. Fica claro também, que Lênin nunca pensou em implantar uma democracia no país, mas sim uma ditadura do proletariado como previu Marx, não oficialmente, mas que terminou virando uma ditadura de uma minoria poderosa sobre a população, e com a prática de barbaridades inimagináveis. Para o controle da população trabalhadora, e principalmente dos proprietários rurais grandes, médios e pequenos, o governo criou vários órgãos de controle, numa miscelânea de ideologias e interesses. O certo é que tiveram muita oposição quando os comunistas passaram a praticar o oposto do que prometeram, daí o acirramento de uma guerra civil. Até Trotsky era favorável à guerra civil para a implantação do comunismo. E nas eleições o governo intervia quando percebia sua derrota, acabando com o pleito. Logo democracia nunca existiu no comunismo desde sua origem, mas sim uma ditadura permanente do "proletariado".


O Terror Vermelho foi um período específico de matanças de "opositores", sem contar os tempos que se seguiram em aniquilar oposições. Será que não deu uma certa saudade do Regime da nobreza czarista? É interessante notar como uma guerra civil em que compatriotas se matam por um ideal nunca especificado, mas ficando claro que a matança, era na verdade, por pura sobrevivência, tanto entre os Vermelhos (Bolcheviques) e Brancos (Monarquistas). Ninguém nunca especificou, o que na realidade defendiam, ou seja, que ideal humanitário, filosófico, político ou religioso defendiam. A violência foi tanta que os próprios dirigentes passaram a denominar o conflito de "Guerra Suja" e não de Guerra Civil. Parece que o racionalismo desapareceu das mentes humanas naquele curto período entre 1918-1920. Foram tantas e violentas mortes que os números perdem o sentido. Realça também o tamanho da oposição que os Bolcheviques enfrentaram, além do uso da violência de ambas as partes, principalmente porque a questão fundamental da luta era a fome provocada pelo controle do governo da produção camponesa, sendo, contraditoriamente, o campesinato o principal defensor da revolução em 1917. E o governo sempre defendendo que os camponeses estavam impedindo o fortalecimento da Revolução Proletária. E para justificar que um mundo novo esta nascendo, e para isto tudo era permitido, inclusive um número incalculável de estupros, o Editorial do primeiro número do Krasnyi Metch (O Gládio Vermelho), jornal da Tcheka de Kiev: "(...) Sangue? Que o sangue jorre aos montes! Somente o sangue pode colorir para sempre a bandeira negra da burguesia pirata como um estandarte vermelho, bandeira da Revolução." Foi um festival de mentiras como vivemos hoje no mundo, apesar de toda a tecnologia da informação atual.

Um outro fator importante que eu nunca tinha visto falar ou em produções históricas é o grande número de suicídios de camponeses por falta de alimentos, pois o governo pegava 2/3 de sua produção. E sobre uma breve história de Lênin, que foi advogado, ainda novo, em 1891, e já defendia a fome da população para incrementar a industrialização, que produziria o Socialismo, que em sua opinião seria a fase seguinte ao Capitalismo. Durante um período de extrema fome, ainda no período de Lênin, alguns intelectuais buscam ajuda internacional, inclusive da Cruz Vermelha e dos Estados Unidos, mas não durou muito, um pouco mais de 5 semanas, pois achavam que essa atitude tinha outras intenções de dominação externa, pois o Comunismo vive numa permanente Teoria da Conspiração. Estes intelectuais logo após a ajuda foram expulsos do país. Lênin sempre gostou dos líderes mais radicais e violentos de seu governo. Em mais uma de suas atitudes autoritárias, expulsa todos os intelectuais do país como escritores, professores, e até profissionais de nível técnico, como engenheiros, e exigia que assinassem um documento em que prometiam nunca mais voltar ao país, do contrário seriam fuzilados. Mas com a morte de Lênin, em 1924, sendo que desde 1923 ele já não exercia o poder devido a três derrames cerebrais, a União Soviética passa por um período de tréguas nos assassinatos de oponentes, e o país passa a ter uma vida quase normal, pois diminuem as perseguições aos opositores ao regime, e o comércio, a indústria e a agricultura normalizam-se. Este período durou até a escolha do sucessor de Lênin, em 1927. Trotsky passa a ser perseguido depois de 1927, passando a ser opositor ao Comunismo. Foi expulso da União Soviética junto com seu grupo, mas o autor não explica o motivo de sua mudança de posição, sendo que era um líder no Partido Bolchevique e defensor dos assassinatos de camponeses opositores ao regime.

Estas imagens tenebrosas e desumanas se referem ao texto acima. O livro contém outras imagens de atrocidades comunistas, verdadeiros genocídios de populações inteiras.


O que dá para transparecer na transição após a morte de Lênin, é que ele fez a maior parte da "limpeza" da oposição ao novo regime, e Stalin implantou mecanismos para a organização da grande nação, como a criação de cooperativas de agricultores, e da coletivização da agricultura, sem passar pelas leis de mercado; mesmo continuando o combate aos opositores com grande violência, prisões, expulsões do país e assassinatos. A Coletivização dos campos foi feita de forma violenta e sem o apoio dos camponeses, por isso, a repressão foi violenta, com a expulsão dos agricultores de suas terras e enviados para terras distantes, e sem condições mínimas de sobrevivência, chegando ao caso do governo matar milhares de pessoas de fome de forma proposital, além de em alguns lugares, os exilados chegarem ao ato do canibalismo. Entre 1932-1933, período chamado de a grande fome, morreram mais de 6 milhões de pessoas, incluindo crianças e idosos, com a utilização dos métodos mais primitivos e violentos. A fome foi utilizada como arma para combater os camponeses, pois estes resistiram com suas formas mais específicas, como o distanciamento de seus contingentes de defesa. O governo então passou a recolher toda a produção do campo, levando os agricultores a uma fome generalizada. Mesmo com denúncias internacionais, o governo negava esta prática, insistindo que era o combate aos seus opositores. Canibalismo, abandono de famintos idosos, crianças, mulheres, uso de órgãos dos sobreviventes para fazer alimentos - um inferno dantesco! Tudo revelado com ampla documentação, inclusive com carta de Stalin dando respostas às práticas genocidas. Às visitas estrangeiras mostravam as plantações como se fossem um jardim, escondendo o "lado obscuro" da violência sem limites.

Depois de um combate sistemático contra os camponeses, e uma parcial normalização de suas atividades, com a criação de cooperativas para um melhor controle da produção, o governo parte para as outras classes, principalmente nas cidades, passando a investigar as várias "especialidades" de trabalhadores, como engenheiros, administradores, profissionais liberais, religiosos, inclusive fechando  e destruindo Igrejas, cientistas, professores, jornalistas, escritores, teatrólogos, e até pessoas do alto comando do governo. Nestas novas classes investigadas criam leis para punição dos suspeitos, chegando ao ponto de um alto funcionário declarar que puniram pessoas totalmente inocentes, mas já estavam "mortas", como afirmou em seu relatório. É interessante notar como depois de mais de vinte anos após a Revolução de 1917, o governo ainda continuava a praticar expurgos violentos contra possíveis oposições ao regime. Como administrar um país enorme em constante combate aos opositores, e de forma violenta? O período chamado de O Grande Terror (1936-1938), foi o tempo mais violento da Revolução Russa, pois existiam até cotas de prisões, quase sempre ampliadas; expulsões do país e execuções, sendo Stalin o responsável direto das decisões, mesmo que tenha nomeado outras pessoas para o comando. Até pessoas simples e honestas eram condenadas, sem julgamento, e nos raros casos de julgamento, estes eram feitos sem a presença do réu, ou seja, a decisão já estava tomada, para o cumprimento das cotas. Tiveram três observações internacionais da tragédia, mas não levaram a nenhuma decisão, pois o governo manipulava as informações. O objetivo principal do Grande Terror, era, conforme um dirigente do governo, criar uma burocracia civil e militar formada por jovens quadros que "aceitarão qualquer tarefa que lhes for designada pelo Camarada Stalin" (pág. 242)

Sobre os Campos de Concentração, os famosos na História, denominados Gulags, o autor faz uma longa descrição, inclusive com fotografias arrepiantes das torturas praticadas e os métodos de trabalhos forçados exigidos dos prisioneiros. Nos Gulags ficavam pessoas de todos os níveis sociais, inclusive de populações de países que formavam a União Soviética, principalmente da Ucrânia, onde houve intensa exploração de sua população, talvez daí a existência de conflitos entre a Rússia e a Ucrânia até os dias de hoje. Os agentes russos visitavam até as escolas para verificar quais eram os alunos mais inteligentes, pois estes representavam um perigo para o regime, por isso eram presos preventivamente. Após o início da II Guerra Mundial, os bolcheviques exploram a mão de obra para os campos de concentração, principalmente da Polônia, local onde primeiro a Alemanha atacou. Os russos assassinaram 45 oficiais poloneses, sendo os corpos encontrados ainda durante a II Guerra, mas afirmaram que foram os alemães que realizaram tal massacre, mas em 1992, a Rússia assumiu os crimes. Os presos trabalhavam também em obras fora das fábricas dos campos de concentração, principalmente em obras faraônicas de construção de canais, que futuramente se tornaram inúteis. Os números de mortes e prisioneiros são amplamente divulgados, mesmo sabendo da existência de fontes ainda não divulgadas sobre os mesmos. Durante a Segunda Grande Guerra Mundial, a União Soviética passou a deportar alemães residentes em seus territórios para áreas de trabalho forçado como a Sibéria, alegando que eram traidores e espiões contrários ao governo; mas não só alemães, mas povos que pertenciam à União Soviética, principalmente da Ucrânia, além de gregos, armênios e outros. Sempre com a violência e a poderosa arma da fome. Enquanto isso, os soldados russos iam morrendo pelos campos da Europa. De 1941 a 1944 houve uma grande perseguição aos "inimigos do regime", mesmo no auge da Grande Guerra, mas o mundo não ficava sabendo dessas ações, e após a guerra a União Soviética foi elogiada pelos Países Aliados, pois foi a nação que mais perdeu soldados no conflito. E muitos países passaram a seguir o modelo de seu regime, porque conheciam apenas um lado de sua realidade. Mas o socialismo teórico e revolução nunca existiram na União Soviética, e nem no mundo. A Imprensa russa fez seu papel de divulgar um Paraíso que nunca aconteceu.

Mesmo depois da Segunda Guerra Mundial, o União Soviética não mudou sua postura social e política, continuaram a perseguir opositores e supostos inimigos, e limitar a liberdade (se é que um dia houve), a alimentação e os salários dos trabalhadores. As prisões e assassinatos continuaram como no início do regime, e com a proximidade da morte de Stalin, e sua paranoia, provocou a volta do antigo Grande Terror. Até os médicos organizam um complô contra Stalin, sendo composto o grupo de maioria judia, portanto os comunistas preparam uma perseguição aos judeus que eram pessoas influentes, principalmente no mundo da literatura, jornalismo, medicina, enfim eram grandes intelectuais. Repetem o genocídio feito pelos alemães, mesmo que na Conferência da ONU, Stalin tenha votado a favor da criação do Estados de Israel. O autor mostra que a morte de Stalin evitou o assassinato de milhares de opositores. Após a morte de Stalin, a URSS, através de suas principais lideranças, fizeram algumas mudanças que aliviaram, pelo menos na década de 1950, o sofrimento de seus opositores. Reorganizaram os Gulags, e libertaram aqueles prisioneiros de crimes considerados de pequena importância, e depois até os condenados de crimes políticos. Mas continuaram a perseguição de opositores até a década de 1981, inclusive de escritores que revelavam os problemas vividos pelo país ao longo de sua história. Para encerrar a I Parte do Livro, que o autor chamou de À guisa de conclusão, sua síntese se resume nas bibliografias sobre o assunto, principalmente de historiadores russos, mas que no fundo é uma visão da violência e seus métodos praticados pelos governos de Lênin-Stalin.

Na II Parte do Livro, os autores passam a relatar sobre a expansão do Comunismo e punição dos "inimigos" pelo mundo, a começar pela Europa. A  Alemanha, a Estônia, a Bulgária, a China, a França e a Espanha  são os principais alvos dessa expansão, sempre em confronto violento com partidos e governos, e as milhares de mortes registradas. Os comunistas perdem todas estas batalhas na Europa, mas deixando marcas em países até no início da década de 1970, quando militantes franceses eram treinados na URSS. Mesmo nos países europeus, onde o governo soviético deixou representantes e seguidores, as perseguições e investigações eram administradas de Moscou. E dentro do próprio governo mundial comunista, os assassinatos, perseguições, expulsões de traidores e de uma imaginável oposição, as punições continuavam severas, inclusive dentro de países como a França e a Espanha. As perseguições aos opositores ao governo, se estende a setores do próprio sistema administrativo na Rússia e em outros países, como a Polônia, Itália e a Alemanha, inclusive. Stalin faz um pacto com os Alemães muito antes do início da II Guerra Mundial para poder punir os traidores do comunismo na Alemanha. Em uma declaração de um grupo trotskista condenado, proclamam que o "fascismo de Stalin era bem pior que o de Hitler" (pág. 350). Stalin faz um expurgo dos possíveis traidores em todos os Partidos Comunistas do mundo na época. E utilizava além das armas tradicionais, como os fuzilamentos, torturas, cortes das mãos e dos braços, a mentira como forma de punir seus "inimigos". Manda matar Trotsky e todos os seus seguidores pelo mundo. Trotsky foi morto com um golpe de picareta na cabeça, e depois seu assassino foi homenageado por Stalin. O autor do texto fica assustado com os métodos violentos do governo soviético. A propaganda do paraíso soviético se espalhou pelo mundo, inclusive depois da Segunda Guerra Mundial, logo muitas pessoas caíram nesta cilada, e encontram não a "igualdade" e o progresso prometido, mas a tortura e a morte com toda a crueldade do regime comunista. Pois todos eram inimigos do regime soviético, sem nenhuma prova ou julgamento. O autor não tenta explicar esta postura doentia do stalinismo. Após a Segunda Guerra, Stalin continua sua guerra particular na Europa de expansão do Comunismo. Como Hitler, Stalin queria dominar o mundo. E ninguém fez nada, ou percebeu a trama política.

Mesmo antes da Segunda Guerra Mundial, por volta de 1937, os comunistas dominam a política da Espanha. Para conquistar este espaço europeu importante, onde existiam socialistas e outros partidos, e até anarquistas, Stalin utiliza de todas as estratégias políticas possíveis para atrair seguidores e liquidar os opositores das formas mais cruéis possíveis. Existem, no livro, narrativas de torturas e mortes de deixar qualquer ser humano com náuseas. Os métodos de tortura e morte eram os mais variados, pois usavam a "criatividade do mal", simplesmente para acabar com seus possíveis "traidores", pois todos aqueles que não estavam ao lado dos comunistas eram considerados traidores, mesmo numa nação diferente como a Espanha. Parece que havia um prazer em praticar a violência entre os comunistas, pois os "condenados" já tinham seu destino traçado que era a morte, então para que torturar, e de forma violenta, como se matassem um animal... não, os animais eram mais bem tratados. A prática de punição soviética deveria ser reproduzida no mundo, a isso chamam comunismo. Sem nenhum objetivo humanitário. Inclusive tivemos casos de espanhóis que foram fazer Curso de Formação na URSS e que passaram pelo mesmo processo de depuração que Stalin executou na Espanha. A maioria não voltou mais. Levavam até crianças e professores para a URSS e a maioria não voltava mais pelo mesmo processo de exclusão. Lênin e Stalin montaram uma máquina de matar para o mundo.


O movimento comunista internacional, nos anos 1920 e 1930, colocou como objetivo principal as insurreições armadas, sendo todas elas um fracasso. Diante desse fato, passou, durante a década de 1940, a explorar as guerras de libertação nacional de vários países para se infiltrar, e nos anos 1950 e 1960 passa a se envolver com as guerras de descolonização. A partir dos anos 1970, os comunistas passam a se envolver com o terrorismo através de organizações e líderes por todo o mundo, inclusive no Oriente Médio e América Latina. Essa fase do terrorismo exigiu do governo soviético muito cuidado e competência política, além de estratégica para se envolver, pois muitos interesses estavam em jogo como o fornecimento de armas, e criar possíveis indisposições com nações importantes como a Inglaterra e a França, e até com os Estados Unidos, sendo que este último teve de intervir nos atos terroristas na América Latina. Este foi o tempo dos famosos atentados em aviões de grandes empresas internacionais e com a morte de várias pessoas, fatos amplamente divulgados pela imprensa da época. Nesta última fase é que aparece a figura de Yasser Arafat líder, da OLP (Organização para a Libertação da Palestina), que teve até negociações com o Presidente dos Estados Unidos para resolver a situação de violência no Oriente Médio, que continua até o terceiro milênio sem solução prevista, devido aos vários interesses existentes na região, tais como a tradição cultural, religiosa, interesses políticos, econômicos e territoriais. 

A Polônia, com certeza, foi um dos países mais agredidos pela intervenção soviética em sua história, pois desde o século XVIII já teve problemas com o Império Russo, além de Stalin ter perdido uma guerra entre a Rússia e o país vizinho. Os relatos de barbárie contra o povo polonês são desumanos. E as eleições, para dar uma aparência de legalidade, eram fraudadas de forma sistemática. Além do período de domínio sobre o povo polonês e suas instituições, principalmente sobre a Igreja Católica e os sindicatos ter durado da década de 1940 até o final do regime soviético em 1990, ou seja, o mais longo entre os povos estrangeiros.

Enquanto a Europa Ocidental, os Estados Unidos e a América Latina comemoravam a vitória dos Aliados, e a chegada de seus soldados não assassinados pelos países ligados ao nazismo alemão na Segunda Guerra Mundial, a Europa Central e Sudeste sofriam com o terror soviético contra os povos que combateram contra seu império bolchevique, quando centenas de pessoas foram deportadas para os Gulags da União Soviética. Será que o Ocidente não sabia disto, ou não queriam se preocupar com mais problemas? Sei que a maioria que fizer a leitura dessa resenha, não vai ler o livro na íntegra, pois suas 900 páginas são desanimadoras, assim como a violência contida nele; por isso coloco textualmente alguns poucos trechos do livro na resenha, como o abaixo:

"O discurso ocasional de certos dirigentes comunistas da época sobre as 'vias nacionais para o socialismo', sem  'ditadura do proletariado' à soviética, camuflava a estratégia real de todos os partidos do centro e do sudeste da Europa. Tal estratégia consistia na aplicação de doutrinas e práticas bolcheviques que já haviam demonstrado seu valor na Rússia a partir de 1917." (pág. 469)

Neste capítulo sobre a Europa Central e Sudeste o autor trabalha mais a teoria, mesmo divulgando a violência praticada pelos comunistas nesta região europeia. Faz uma boa explicação sobre o que é uma sociedade civil e suas instituições, combatidas como projeto do governo comunista, ou seja, os bolcheviques queriam acabar com a sociedade civil e instalar um governo estatal em sua substituição, e um dos principais entraves a este projeto eram os cristãos, por isso, atacou violentamente tanto as Igrejas instituídas como seus participantes; o clero e os leigos. Afinal, todas as instituições civis deveriam desaparecer, e a população viver sob o domínio do Estado. Os professores, intelectuais, escritores, funcionários deveriam servir a um senhor: o Estado Comunista. Não seria uma Ditadura do Proletariado, prometida em 1917, mas uma Ditadura do Estado, nunca uma democracia. Nos relatos sobre a violência praticada pelos comunistas, o texto abaixo mostra a diferença fundamental entre o nazismo e o comunismo em relação ao processo de depuração de sua "sociedade". É um depoimento de quem viveu as duas realidades, o que dá credibilidade ao seu relato e conclusão (Pág. 481):

"A diferença entre a polícia secreta comunista e a dos nazistas - sou um dos felizes eleitos a ter experimentado ambas - não reside nos seus níveis de crueldade e de brutalidade. A sala de tortura de um cárcere nazista era idêntica a de um cárcere comunista. A diferença não se concentra aí. Se os nazistas o prendiam como dissidente político, queriam geralmente saber quais eram as suas atividades, quem eram seus amigos, quais eram seus planos e assim por diante. Os comunistas não perdiam tempo com isso. Sabiam já, ao prendê-lo, que tipo de confissão você iria assinar. Mas o senhor não sabia."

O autor mostra que é difícil compreender a instalação dos sistemas fascistas em qualquer país, pois no início, estes convencem as populações de seus falsos ideais de fraternidade e honestidade, mas logo mostram uma cara nova do governo que se quer implantar, e realça que os jovens são os mais suscetíveis de convencimento, portanto estes sistemas, muitas vezes, recebem grande apoio popular. Mas a repressão na Europa Central e do Sudeste foi de uma desumanidade sem limites com velhos, mulheres e membros da Igreja. Existem depoimentos de torturas e mortes que levam qualquer um a náuseas e revolta. Não existe respeito com a cultura construída historicamente por longo tempo; é como se toda violência fosse normal com o povo a ser dominado, inclusive em relação à história religiosa de uma população. Na Bulgária, mesmo que não tenha ocorrido um número muito alto de vítimas, pois o processo de tortura e violência aconteceu após a morte de Stalin, período que houve a denúncia das atrocidades comunistas; os métodos de violência foram dos mais primitivos como a morte dos condenados a pauladas, e dando os corpos dos assassinados para os porcos comerem, além de um comandante mandar o réu olhar no espelho sua imagem pela última vez antes de sua morte, além de ter de levar um saco para colocar seu corpo que seria transportado em um carrinho de mão para o caminhão recolher. Só de usar trajes ocidentais, o cidadão já estava condenado. Alguns defensores dessa chacina evocam o contexto social da época, defesa puramente ideológica, que não respeitam os fatos históricos da época no mundo.

Entre o final da década de 1940 e o início de 1950, Moscou começa uma depuração das lideranças comunistas nos países de sua influência, como a Romênia, a Tchecoslováquia, e todas as nações satélites dos bolcheviques. Começa a caça de comunistas por comunistas, ou seja, daqueles que não eram fiéis ao partido. Além dessa caça aos comunistas na Europa Central e no Sudeste pelos próprios centros de poder na União Soviética, os outros países do bloco fizeram também perseguições aos comunistas que praticaram atos de violência contra suas populações, adotando as mesmas práticas violentas adotadas pela repressão dos órgãos de segurança soviéticas no passado. Interessante notar como não havia exceção para os altos cargos do governo. Todo indivíduo, independente do cargo, teria que ser da total confiança da cúpula do centro de decisão de Moscou. Mesmo a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, o processo fascista da União Soviética continuou em toda sua área de controle como os países da Europa Central e do Sudeste, sendo Moscou o centro das decisões. Só pelo fato da União Soviética não assinar a Declaração Universal dos Direitos do Homem, votada em 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que garantia as liberdades individuais e os direitos fundamentais do homem, já revela a continuação da prática histórica de uma política de exceção do governo comunista, mesmo que após a morte de Stalin tenha acontecido um abrandamento do aparelho repressor do sistema de governo bolchevique. Mesmo nas últimas décadas do regime comunista, este receava os espíritos criadores e sua liberdade de expressão, além dos partidos comunistas passarem a ser considerados não como partidos, mas passaram a ser classificados como "organizações criminosas" depois do início dos processos contra sua prática fascista na Europa Central e do Sudeste.

Na Quarta Parte do livro, na qual os historiadores tratam do Comunismo na Ásia, o estudo e pesquisa, passam, em seu início a tratar de teoria do poder, ao invés de já ir revelando as atrocidades praticadas nos países envolvidos. Mostram as diferenças entre o Comunismo da China e o Soviético. Na China, o Comunismo tomou uma cara própria, pois os governantes fizeram uma adaptação de sua tradição de Estado forte desde a Antiguidade, com o Comunismo de Marx, Engels, Lênin e Stalin, sabendo-se que a China teve uma evolução histórica de violência desde os tempos mais remotos. Enterrar pessoas vivas, queimar literaturas clássicas, e levar à morte sua simples menção era comum em sua história. Também cortavam seus inimigos em pedaços e mandavam mulheres e filhos comê-los, se não o fizessem eram esquartejados. Logo muito antes do Comunismo, os chineses já exerciam esse instinto assassino, mesmo utilizando a religião como justificativa teórica, como o Confucionismo. Sua relação com o comunismo soviético tem início quase na mesma época, ou seja, na década de 1920. Como escreveu o grande escritor, e ex-comunista chinês, Lu Xun, "Os chineses são canibais..." (pág. 555). Diferente da Revolução Russa, o Comunismo chinês começa sua "revolução/matança" pelos camponeses, jogando camponeses contra camponeses, pois estes esperam alguma melhora apoiando o governo; ledo engano! Veja o depoimento de um dirigente comunista chinês, em 1949: "Depois do aniquilamento dos inimigos armados, haverá ainda os inimigos não armados; estes lutarão contra nós numa batalha de morte; não devemos nunca subestimá-los. Se o problema não for colocado ou compreendido desde já nestes termos, cometeremos os mais graves erros." (Pág. 545, Mao Tsé-Tung). Direita, denominação que não é clara no livro, é discriminada a ponto de o cidadão "direitista" não poder andar na parte esquerda da rua. Outro fator importante na China de então é o grande número de suicídios, pois os denunciados já sabiam de seu destino. 

Quando se fala de fome de uma nação, logo se pensa em uma seca prolongada, ou seja, uma alteração brusca e longa da natureza. Mas na China, não foi assim. Foi uma questão política, ideológica, de má gestão e de dogmatismo. Fatores que provocaram a maior fome da história, e não só da China, entre 1959 a 1961. E o pior é que o governo nunca admitiu o menor erro na gestão da coisa pública. Veja textualmente (pág. 580): Mao, (...) "por razões de pura tática política" passa a recusar-se a reconhecer a menor dificuldade, a fim de evitar ter de admitir o mais insignificante erro. Adotou as políticas de acordo com os princípios do governo comunista. O resultado só poderia ser a violência praticada como a morte de milhões de pessoas, inclusive incluindo crianças e mulheres. Nesse quadro o canibalismo volta, inclusive com pais comendo os filhos de outras famílias. Os Estados Unidos ofereceram ajuda, mas a China não aceitou, por questões políticas. Ou seja, a política é mais importante do que vidas humanas. O autor constata o grande número de mortes praticadas pelo Comunismo chinês, e admira como esta situação ficou sem conhecimento pelos povos de outras nações; mas consegue explicar o método utilizado para disfarçar esta informação: o governo chinês usava instituições variadas como espaço de tortura e mortes, como o nome de fachada de empresas públicas. No governo dos Imperadores se davam os nomes verdadeiros como o condenado a "detenção" ou a "trabalhos forçados". Mas sabemos, pela pesquisa do livro, que a mentira faz parte do DNA do Comunismo. Os prisioneiros das "prisões" chinesas eram obrigados a estudar manuais de Comunismo criticando o capitalismo, às vezes, por longas horas. Era uma espécie de lavagem cerebral, pois estes prisioneiros sofriam o terror chinês em todas as formas mais brutais.

Uma máxima das condenações chinesas à população: "Na China, ninguém é preso por ser culpado, mas é culpado por ter sido preso." Comentar isto é complicado e desumano, pois prenderam muitas pessoas que nunca cometeram nada contra o governo. Outra estratégia comunista na China é jogar amigos e familiares contra os outros, e para isto, os dirigentes colocavam caixas de denúncias em pontos estratégicos para a população denunciar possíveis posturas irregulares de qualquer pessoa. No capítulo sobre a China, os autores colocam vários depoimentos de pessoas que participavam dos "processos" condenatórios, o que dá credibilidade às informações do livro. E sobre a chamada "Revolução Cultural" (1966-1976), época em que já existia a televisão como meio de comunicação, a China continua a praticar a violência aos seus opositores como sempre fez; combater os intelectuais, os quais chamavam "fedorentos" e representantes do capitalismo; manter uma política de manipulação da classe estudantil, principalmente. Uma passagem do texto é significativa, quando um estudante de 10 a 11 anos visita, o pai e o condena a continuar na prisão, porque merece a punição por ser um contrarrevolucionário, situação que deixa os guardas assustados (pág. 613). Será qual a intenção de usar a expressão "cultural" para uma política repressiva sempre praticada pelos chineses? O autor não entra neste questionamento. Não seria mais uma manipulação da opinião pública? É bem provável. Outra questão importante é que o governo chinês perseguia os intelectuais chamando-os de capitalistas, e no Brasil, desde o início do século XX, os intelectuais eram quase sinônimo de comunista.

A Revolução Cultural chinesa acabou com a Educação tradicional para impor uma escola sob o domínio do conhecimento do regime, ou seja, levar o aluno a aprender cada vez menos, sendo uma cartilha de Mao Tsé-Tung o maior meio de estudo, sendo esta cartilha estendida a toda a população, e quem não a decorasse seria punido, Acabaram com os exames para admissão aos cursos superiores, reduziram o tempo dos cursos e perseguiram os professores, escritores e intelectuais até a morte, num processo violento e humilhante como nunca se viu. Até o Tibet não escapou à doutrinação e violência do regime, pois o foco de ação do governo foram, principalmente os templos budistas, sendo estes destruídos em sua maioria esmagadora. O Dalai Lama teve de fugir para a Índia, e dá um depoimento comovente: "[Os tibetanos] não foram apenas fuzilados, foram espancados até à morte, crucificados, queimados vivos, afogados, mutilados, mortos por inanição, estrangulados, enforcados, cozidos em água fervendo, enterrados vivos, esquartejados ou decapitados." (Pág. 646-7)

E para concluir o capítulo sobre a China, o depoimento de um soldado de 14 anos sobre a Revolução Cultural: ""Éramos jovens. Éramos fanáticos. Acreditávamos que o presidente Mao era grande, que detinha a verdade, que era a verdade. Eu acreditava em tudo que Mao dizia. E acreditava que havia razões para a Revolução Cultural. Julgávamos ser revolucionários e que, à medida que éramos revolucionários que seguiam o presidente Mao, poderíamos resolver qualquer problema, todos os problemas da sociedade." (Pág. 634)

A Coreia do Norte possui o Comunismo mais fechado do bloco, inclusive é chamada por alguns de "reino eremita". Mesmo com seu fechamento para o mundo externo, a Coreia do Norte teve dois partidos bolcheviques no início da década de 1920. Sempre houve um excessivo controle de sua população sob domínio de seu líder. É uma verdadeira religião com encontros semanais da população para doutrinação. Seu líder é considerado um deus, inclusive sua presença em eventos é carregada de manifestações da natureza, como "nuvens" que recobrem sua pessoa até a hora de sua epifania. A violência com seus opositores tem a mesma barbárie da União Soviética e da China, inclusive com atos de canibalismo, além das mentiras constantes e da propaganda enganosa. O diferencial é a exclusão de pessoas com deficiências físicas e anões da convivência na sociedade. Conforme depoimento de uma autoridade coreana, a hierarquia social do país é pior que o sistema de castas. Mesmo combatendo o "imperialismo" não dispensa ajuda humanitária dos países capitalistas, principalmente a oferta de alimentos. O povo passa fome por incompetência técnica na produção de alimentos, mas o exército vive bem alimentado e produzindo cada vez mais armamentos sofisticados. Até o final do século XX, o governo soviético continuou perseguindo seus "opositores" de forma violenta, na Coreia do Norte, data informada devido à publicação do livro em 1997.

O Comunismo no Vietnã praticamente não tem diferença dos demais estudados: a União Soviética, a China e a Coreia do Norte. O culto a Stalin e Mao são predominantes, e a violência chega a ponto da existência de vários suicídios, inclusive chegando ao absurdo de prisioneiros pedirem a órgãos internacionais para mandarem cianeto para acabarem com suas vidas, evitando assim tanto sofrimento. Negam, os governantes, que não praticam a tortura, alegando que apenas os imperialistas a praticam. Pedem para que as casas fiquem com as lâmpadas acesas à noite, e afastem lâminas e facas da presença dos homens, para evitar suicídios. O texto apresenta um poema endeusando Stalin e Mao e fazendo a apologia da morte ininterrupta, além da cobrança de impostos para o governo (Pág. 678). No Laos, um pequeno país da Ásia, o Comunismo teve um perfil diferente, pois as populações viviam fugindo dos governos instalados. O Laos herdou o Comunismo do Vietnã, país vizinho. Em sua implantação não houve a violência ocorrida nos países já estudados. Mas em compensação, o Comunismo do Camboja foi o mais violento, apesar de seu domínio por um tempo mais curto. O autor tenta uma explicação para o fenômeno desse terror contra as populações, mas não consegue, mesmo utilizando outras explicações de autores diferentes. Afirma, o autor, que a violência no Camboja transforma o excesso de terror de Stalin em uma caricatura cambojana. (Pág. 696). Os principais atingidos pelos comunistas são os de sempre: trabalhadores (urbanos e rurais), intelectuais (que bastava saber ler corretamente que era considerado intelectual) e os religiosos, principalmente budistas e católicos. O autor trabalha muito com os variados números das matanças, devido à dificuldade de um cálculo correto por falta de informações fidedignas das cifras. Abaixo um mata geográfico da região, que mostra como as fronteiras dos países comunistas facilitaram sua expansão para o Camboja. Atlas Geográfico do Estudante, Atualizado 2000, Editora Rideel):

Sobre o Camboja, o autor dedica grande parte do texto ao dia a dia do trabalhador, principalmente dos camponeses. Trabalhavam de 11 a 12 horas por dia, e com quase nenhum intervalo durante a execução das tarefas. Quando tinham algum dia de folga, geralmente de 10 em 10 dias, eram obrigados a ouvir palestras sobre política. Não tinham nenhuma preparação técnica, pois seus dirigentes afirmavam que a política bastava para realizar qualquer tarefa, inclusive para a construção de barragens. Eram subalimentados para a realização de quaisquer trabalhos. Interessante notar que esta prática era realizada na década de 1970, quando tínhamos até TV a cores no mundo. Como os países desenvolvidos não sabiam ou não se interessavam por uma situação tão desumana? Para um governo que prometeu fraternidade, humanidade, justiça, igualdade, como os demais partidos comunistas, é difícil acreditar no "inferno" que implantaram, destruindo todos os valores tradicionais como a família, a individualidade, a religião, a moral. A mentira, o roubo, a corrupção passaram a ser os valores dominantes, além do canibalismo pré-histórico que passou a ser praticado normalmente para sobreviver como animais. Vale destacar que o Primeiro-Ministro do Camboja, Pol Pot, sendo o líder de um movimento caracterizado teoricamente como defensores dos trabalhadores, nunca trabalhou, conforme está em uma biografia de 1977. Sobre as violências do regime, relatar mais é torturar o leitor, mas para exemplificar uma de suas práticas doentias, era a que as mortes de homens e mulheres eram usadas como adubo para as plantas, principalmente para a mandioca, que ao ser colhida vinha com crânios de mortos em suas raízes comestíveis. A ausência de um Poder Judiciário e de um sistema educacional favoreceu a prática de violências extremas, nunca vistas nos demais países comunistas, por parte das forças militares locais. Chegaram a ponto de queimarem pessoas vivas enterradas até o peito numa vala cheia de brasas e a cabeça cremada, como tochas acesas com petróleo; e de matarem pessoas, porque roubaram uma banana para se alimentarem (o Comunismo não deveria cuidar do bem-estar de sua população?).

No final do capítulo sobre o Camboja, o autor tenta explicar a origem de tanta violência de um regime comunista único na Ásia, por sua extrema brutalidade e sem nenhuma "bússola" para suas ações, pois não segue a cartilha de Lênin e Stalin, e nem de Mao Tsé-Tung. Tentam criar um comunismo nacional, não se preocupando com sua expansão, como na União Soviética. Não se preocupam em desenvolver a economia para alimentar a população e melhorar sua qualidade de vida, mas sim fazer um permanente expurgo dos valores que não os do governo, que não são explicitados no livro. Até o fato de falar a língua inglesa, que é considerada inimiga da "cultura" comunista, é motivo de tortura e morte. Os valores ocidentais são combatidos de todas as formas. Mesmo a religião budista é apontada como possível causa da prática do comunismo cambojano, pois seu ideário de uma vida melhor após várias reencarnações é fator contrarrevolucionário. Os países vizinhos, especialmente o Vietnã é apontado como elemento incentivador do comunismo cambojano isolado do mundo a sua volta. Veem o Vietnã como um país privilegiado por suas condições favoráveis ao desenvolvimento. Outro fator estudado sobre a origem da violência cambojana é seu passado de guerras registradas em sua história remota, e também recentes à implantação do Comunismo. Não faltam relatos dos poucos sobreviventes à matança do regime comunista cambojano. Existem várias fotos dos atos violentos, pois os seus executores tiravam fotos dos futuros torturados e assassinados antes das sessões; como um fichamento macabro. O Comunismo em sua origem, e também nos dias atuais, é uma mistura de política e religião, pois adota uma postura dogmática nas decisões, ou seja, é infalível, como os dogmas religiosos, portanto o acusado está sempre confessando o que os seus carrascos querem que assuma.



Os autores passam a analisar e narrar sobre o Comunismo no Terceiro Mundo, começando por Cuba, revolução que ficou famosa entre as esquerdas no Brasil, principalmente nas décadas de 1980 e 1990, pois a estratégia de Fidel Castro era só revelar o lado bom de sua ação. Inclusive foram publicados livros em sua defesa e do país que nunca deixou de prender e matar seus "opositores" como fizeram a União Soviética e os países asiáticos. Os métodos de tortura e de discriminação foram semelhantes nos vários "comunismos" no mundo: o uso indiscriminado da violência, a prisão, expulsão e a falta de direitos dos cidadãos em nome de uma ideologia, ou quem sabe de uma personalidade, como afirma Castro em 1994, diante do fracasso de sua "revolução": "... preferia morrer a renunciar à revolução." (pág. 789). O texto sobre Cuba acaba com o mito de Guevara, que se espalhou pelo mundo, mostrando {o livro} seu lado violento no trato com os seres humanos. Fizeram até filme para sua defesa, mas que hoje sabemos quem foi o guerrilheiro idolatrado pelos setores intelectuais da América Latina. Nas análises sobre o surgimento dos vários "Socialismos" no mundo, os autores falam de várias causas, principalmente históricas, mas as palavras de Fidel mostram que houve um domínio nesse regime do culto à personalidade, e um fanatismo dogmático em Lênin, Stalin, Mao, Pol Pot, Castro e outros.

O Comunismo na Nicarágua tem muita semelhança com o de Cuba, devido principalmente à proximidade geográfica entre os dois países. Inclusive os Ministros de Daniel Ortega chegavam a se reunir com o governo cubano, depois das revistas apropriadas. Quanto à violência no trato com os "opositores" são totalmente semelhantes. exceto com o corte de órgãos genitais masculinos praticados pelos nicaraguenses. Mas a mentira característica dos regimes comunistas; esta é patente na Nicarágua. Outra diferença de todos os comunismos no mundo foi o trato com os indígenas do país, pois os mesmos tinham garantidos direitos essenciais do governo de Anastasio Somoza, que vinham do período colonial, e Daniel Ortega tentou retirá-los gerando uma guerra que provocou centenas de vítimas. O livro, por sua edição em 1997, não acompanha a trajetória de Daniel Ortega depois da eleição de 1990, portanto presta elogios à "democratização" estratégica das eleições na Nicarágua. Mas futuramente Daniel Ortega retorna com o Comunismo tradicional depois de um governo despreparado de Violeta Chamorro, sendo que continua até nossos dias em sua prática de exclusão da democracia no país.

No Peru, tivemos a ação do Sendero Luminoso que foi mais um grupo terrorista do que um governo comunista, pois nunca assumiu o poder. Adotou as práticas violentas dos comunismos históricos como o russo, o chinês, o cambojano e o cubano. Tinha como base os princípios marxistas. Tinha o hábito de cortar a língua e as orelhas de seus opositores, um simbolismo para a ideia de que eram espiões imperialistas. Mataram muitos inocentes, principalmente mulheres e crianças. Além de se infiltrar na grande Amazônia, área dos indígenas, e se envolver com os narcotraficantes.

A entrada do Comunismo na África, que os autores chamam de Afrocomunismos: Etiópia, Angola e Moçambique, teve uma característica diferente dos demais países europeus, asiáticos e da América Latina, pois os interesses se ampliaram para várias nações desenvolvidas que conquistaram o domínio sobre vários países africanos em busca de riquezas para o chamado imperialismo, que era caracterizado pela concorrência entre as nações industrializadas, que buscavam fontes de riquezas minerais para mover suas fábricas. Consequentemente o Comunismo vai ter a influência dentro de um quadro de busca de direitos trabalhistas e lutas pelo poder entre os partidos comunistas e aqueles dominados pelas nações capitalistas. Com a implantação de governos comunistas  na Etiópia, Angola e Moçambique, estes terão o apoio político e militar dos exércitos, principalmente da União Soviética, Europa Oriental e Cuba, com suas práticas de violência contra seus opositores. Devido a enorme fome ocorrida na Etiópia, houve uma onde de solidariedade humana nunca vista, na qual participaram as mais diversas estrelas do rock, como Michael Jackson e muitos outros cantores internacionais  no famoso hino We are the Word, do qual se pode recear que fique como único vestígio do drama etíope na memória de dezenas de milhões de ex-adolescentes dos idos anos 80 (Pág. 822). É interessante notar como Angola reagiu à ação da perestroika soviética, quando a União Soviética abriu-se para o mundo capitalista, em 1985, principalmente com a abertura do mercado e o pluralismo partidário, pois imediatamente, o governo de Angola também adotou a mesma prática. Sobre Moçambique, nas lutas pelo poder comunista predominam as mesmas características violentas do marxismo-leninismo, que não precisamos enunciar; mas para encerrar o estudo do comunismo africano basta um texto de Samora Machel (Pág. 834): "O homem novo que Samora Machel e os seus teimavam em construir era bem 'o produto patológico desse compromisso, o qual, no sujeito individual, é vivido como desonra, mentira, loucura esquizofrênica. Ele quer viver, mas para isso tem de dividir-se, levar uma vida escondida e verdadeira e uma vida pública e falsa, querer a segunda para proteger a primeira, mentir incessantemente para guardar em algum lugar um cantinho de verdade'."

No Afeganistão, antes um país com relativo desenvolvimento e estabilidade social, cultural e religiosa, o golpe de Estado comunista transformou o país num campo de guerra e matanças, voltando aos tempos de Stalin. Como o texto afirma: "... a responsabilidade dos acontecimentos que se produziram no Afeganistão cabe diretamente aos comunistas e aos seus aliados soviéticos. O governo pelo terror de massa e o sistema coercivo implementados continuam a ser uma constante na história do comunismo." (Pág. 849)

No final do livro, os autores tentam uma explicação sobre o uso de tanta violência na implantação do Comunismo na Rússia e nos outros países que o adotaram, com o título Por quê? E para tentar esta explicação utilizam de todos os argumentos históricos, biológicos, filosóficos, científicos e sociais. Buscam sua origem na história de violência que praticamente marcou toda a vida da Rússia ao longo do tempo, tanto é que na literatura russa seus romances, geralmente terminam em tragédia. Procuram explicações, mesmo nos dirigentes comunistas como Lênin, Stalin e muitos outros, além de Marx, que não foi, como é muito divulgado, um defensor da Ditadura do Proletariado, mas na realidade este não era um de seus princípios, pois esta expressão foi encontrada, por acaso, em uma de suas cartas. Marx defendia que haveria violência na História, mas não necessariamente o uso da violência na construção do Socialismo. Acreditava, inclusive na possibilidade de um Socialismo Democrático na Inglaterra, Estados Unidos e Holanda. Essa sua visão da história pode ter deixado uma certa ambiguidade para os líderes da Revolução de 1917, na implantação do regime comunista russo. Enfim, os autores não encontram nenhuma explicação plausível para o uso da violência sistemática e generalizada da violência na implantação do Socialismo, apenas apontam as críticas pelo uso da violência e da desinformação em todos os locais em que a experiência comunista foi adotada.

Vale a pena ler todo o livro para uma compreensão melhor do processo de implantação do Comunismo no mundo do século XX.
 
















sábado, 9 de dezembro de 2023

Imprensa em tempo de guerra: Jornal O Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai - Maria de Lourdes Dias Reis

 

Imprensa em tempo de guerra: Jornal O Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai

Maria de Lourdes Dias Reis

Introdução

O tema escolhido pela historiadora faz parte de suas áreas de especialização que são a História e o Jornalismo. Foi muito feliz na escolha do tema, pois teve acesso aos canais próprios de sua área de pesquisa, mesmo sabendo da burocracia dos órgãos públicos para os trabalhos acadêmicos, Escolheu o jornal O Jequitinhonha por sua postura liberal e contrária ao governo Imperial na época, e era um jornal administrado por grande intelectual, Joaquim Felício dos Santos, como é citado textualmente: "inteligência lúcida das Minas Gerais do século XIX'". É um assunto instigante para pesquisa e resenha, pois trata de um dos episódios mais marcantes de nossa história e de seus personagens: a Guerra do Paraguai, D. Pedro II e Caxias. Sabendo-se que foi um fato amplamente pesquisado, e com visões diferentes de avaliações ao longo do tempo. É motivador estudar este livro, e não apenas ler, principalmente quando escrito por uma historiadora da capacidade da autora.


Desenvolvimento

No capítulo 1 a autora escreve um excelente texto sobre as produções históricas e literárias que foram publicadas desde meados do século XX sobre a Guerra do Paraguai. E nesta viagem pelo pensamento e pesquisa dos autores, a pesquisadora nos revela as ideologias por trás de cada produção. Eu particularmente, li as produções marxistas da época, ou seja, o Genocídio Americano e As Veias Abertas da América Latina, que eram leituras obrigatórias para os professores de História na década de 1980. São relatos chocantes sobre o que fizeram com a população paraguaia (Genocídio Americano) e com os povos indígenas da América Latina durante a colonização espanhola. Tínhamos verdadeiro ódio da prática violenta aplicada em nosso continente em nome do capital, principalmente o inglês. A versão sobre o nacionalismo no cone sul, muito me interessou, pois não conhecia essa linha de pensamento. A historiadora foi muito feliz em produzir um texto claro e sistematizado sobre as correntes de pensamento nas produções sobre o evento, sem se posicionar, a não ser um leve respaldo à corrente da História Nova, com a utilização de variadas fontes de pesquisa. No final, realça a questão da pesquisa de jornais da época sobre o acontecimento, ao parece, foi abandonada nestas produções.

No segundo capítulo a historiadora faz uma longa e clara exposição sobre a chamada História Nova, que tem como origem a História dos Annales. Mostra como este pensamento, que tem sua origem no pensamento de Marc Bloch, procura utilizar como fontes de pesquisas várias áreas do conhecimento, além de utilizar de fontes materiais como objetos  artísticos e outros meios que tragam alguma informação sobre o fato pesquisado, como as caricaturas e charges; diferente da História Tradicional ou Factual, que tem nos documentos oficiais, sua principal fonte de pesquisa, ou seja, os próprios documentos já dão a resposta "verdadeira" ao que o historiador está buscando. E dentro desse quadro novo de estudo, o jornal sempre foi uma fonte historiográfica utilizada pelos pesquisadores, e cita Gilberto Freyre como um dos primeiros a utilizar essa fonte, além de outros com menor importância em suas produções. Destaca como as crônicas em jornais foram fontes pesquisadas na Guerra do Paraguai, principalmente aquelas escritas por escritores como Machado de Assis, que defendia e Monarquia e combatia o Ditador Solano Lopez. Mas alerta: precisamos ficar atentos para as posições adotadas pelos jornais em sua publicações, dá como exemplo a verificação se são favoráveis aos governos ou às oposições... enfim, toda atenção é pouca para se buscar a verdade histórica. 

No terceiro capítulo, a autora informa e estuda as principais propostas dos jornais brasileiros e mineiros à época da Guerra do Paraguai, seus fundadores e as cidades de sua localização. Em sua maioria, a imprensa era monarquista, portanto defendia o Imperador e seu governo em relação às políticas adotadas no conflito. Mostra também os recursos utilizados pelos jornais para chamar a atenção dos leitores como charges e desenhos fazendo uma crítica com bom humor do Imperador e da guerra, enfim estes instrumentos ilustrativos faziam com que a população, sem sua grande maioria analfabeta, tivesse acesso à informação. O único jornal que desde sua fundação foi liberal e republicano foi O Jequitinhonha, que será assunto do próximo capítulo, mesmo que de forma pouco desenvolvida, pois seu criador toma um maior espaço no texto. Mas o jornal permeia toda a obra da autora - é seu fio condutor na produção histórica do livro.

Joaquim Felício dos Santos e o Jornal O Jequitinhonha são os assuntos tratados no quarto capítulo. Sobre Joaquim Felício dos Santos, a autora faz uma extensa biografia, elogiando seu caráter humano e libertário, e seu trabalho social e intelectual. Mostra como seu trabalho no jornal era feito no início, e em seu processo evolutivo até chegar a ser o único defensor da República entre os meios de comunicação de Minas Gerais. Suas colaborações intelectuais e jurídicas nunca foram acatadas pela Monarquia, pois era do conhecimento público sua oposição do governo Imperial. Mesmo com a ascensão da República, ainda não foi totalmente reconhecido... coisas da política. Sobre o Jornal O Jequitinhonha, a historiadora traça seu perfil desde sua fundação como um órgão prestador de serviços para a comunidade, além de publicar ideias de intelectuais. Mostra como ocorria seu financiamento, ou seja, com assinaturas de pessoas que não devolviam os exemplares. Tinha assinantes, inclusive no sul da Bahia, minha região de moradia atual.

A Monarquia, e principalmente D. Pedro II, é detonado nas publicações do jornal O Jequitinhonha em seu capítulo 5. D. Pedro é criticado de todas as formas possíveis: por sua saúde, sua voz, seu traje, sua fala no Congresso, os impostos para a família etc. Interessante notar que a questão tributária não é muito diferente do II Império em relação a nossa República de hoje, inclusive sobre alguns destinos dos impostos. Fazem poesia, charges, textos jornalísticos criticando o Monarca. O diferencial de O Jequitinhonha é que este jornal defendia abertamente a emancipação do governo, ou seja, sua queda e a Proclamação da República, pois o Brasil Imperial era uma planta exótica no continente americano. O jornal destacava também que D. Pedro II preocupava-se mais com os problemas das Monarquias europeias do que com os problemas brasileiros, principalmente com as estradas, que em Minas Gerais estavam totalmente abandonadas, depois da decadência da produção do ouro, D. Pedro II, importava mais com a produção do café, que era o produto que mantinha nossa economia na época.

A Monarquia e o Duque de Caxias se confundem nos ataques do Jornal O Jequitinhonha no Capítulo 6. Ora o jornal ataca a Monarquia na pessoa do Imperador Pedro II, e divide a depreciação com Caxias na Guerra do Paraguai. Ataca os aumentos de impostos que o governo cria durante o conflito; e faz uma defesa sutil do governante do Paraguai, Solano Lopes. O que fica claro, nas reportagens do jornais, mesmo que ele tente esconder, é sua intriga partidária com o Partido Conservador que apoia o governo, e portanto a política adotada pela Monarquia para manter a guerra, além de querelas antigas da Revolução Liberal de 1842, em que Caxias foi seu principal vencedor. Daí as batidas frequentes em Caxias, que é um militar sem grande poder de defesa. Mas existiram elogios à atuação de Caxias no conflito por sua postura firme que transmitia segurança aos seus comandados, inclusive foi considerado Patrono do Exército pela República nascente.

Os Voluntários da Pátria, a Guarda Nacional, o Exército Brasileiro e a Polícia Militar de Minas Gerais estão neste sétimo capítulo. Durante a Guerra do Paraguai o governo passou a recrutar "soldados" para participarem dos conflitos, inclusive já tinham restrições dessa participação nos Voluntários da Pátria desde 1841, que foram publicadas no Jornal O Jequitinhonha. A autora entra em detalhes sobre as publicações do Jornal O Jequitinhonha referentes ao recrutamento para a guerra, inclusive como eram chamados os escravos para substituir jovens livres na batalha. Compravam-se escravos e os alforriavam para que participassem em lugar dos filhos dos compradores. Mostra como nessa ocasião o Exército Brasileiro praticamente não existia, mas sim a Guarda Nacional, criada pelo Regente Feijó era a força militar mais importante. Cidadãos do norte de Minas, como Diamantina e Montes Claros foram recrutados para a guerra. No início houve até um certo patriotismo em participar da guerra, mas com a demora, não esperada, de seu final, os jovens perdem o entusiasmo e o governo passa a utilizar da violência para o recrutamento, quase igual ao que faziam durante o combate. Depois da guerra o Exército passou a ter prestígio por sua ação em colocar fim ao conflito.

A questão da Abolição da Escravidão é retratada no Jornal O Jequitinhonha e em outros jornais de Minas, no capítulo 8, mas com o predomínio da divulgação nesses órgãos da imprensa de anúncios de escravos fugidos de suas fazendas e os procedimentos que deveriam ser tomados por quem os encontrassem, inclusive a prisão desses elementos, não importando sua perda, preocupando mais aos proprietários os alistamentos para a Guerra do Paraguai. Este assunto é pouco desenvolvido pela autora. Parece que os fazendeiros tinham medo de uma onda de fugas de escravos para se alistarem, e quem sabe provocar sua emancipação. Vários jornais de Minas e do Brasil faziam essas publicações. O Jornal O Jequitinhonha defendia uma mobilização popular em defesa da Abolição da Escravidão, não acreditando em decisões políticas, e principalmente de D. Pedro II, que fazia sua defesa, mas não fazia nada de concreto para sua realização.

No capítulo 9, a autora compara a narrativa do Jornal O Jequitinhonha com os outros jornais de Minas Gerais sobre a Guerra do Paraguai. Mostra que existia uma disputa ideológica entre os jornais - os de uma visão conservadora, logo favoráveis à política adotada pelo Império brasileiro; e a outra progressista e liberal de O Jequitinhonha, contrária ao conflito e ao Imperador D. Pedro II. A Conclusão segue o mesmo raciocínio, destacando como O Jequitinhonha, quase trinta anos antes, já previa o fim da Monarquia e o início da República, sendo um dos precursores do início da República brasileira. Acho que faltou tratar um pouco do papel do Uruguai e da Argentina no conflito, afinal participavam da Tríplice Aliança contra o Paraguai, de acordo com a visão da autora fica a impressão, para o leitor menos informado, que foi uma guerra apenas entre o Brasil e o Paraguai, caindo o ônus do conflito com suas mazelas citadas no jornal, como as inúmeras mortes, na responsabilidade apenas dos "soldados" e do governo brasileiro.

É um bom livro para se ler pelas informações e análises inéditas, e o estilo literário da autora - uma leitura leve para um tema difícil, traumático e cansativo.


domingo, 26 de novembro de 2023

As negras batinas da conjura de Minas - Maria de Lourdes Dias Reis

Livro As negras batinas da conjura de Minas
Maria de Lourdes Dias Reis
Introdução
Nos textos que dão início ao livro, são realçados o contexto da Devassa em Minas Gerais, em 1789, e um leve perfil de seus participantes, os padres, que apesar de terem uma formação religiosa em Seminários, não levavam muito a sério seu papel religioso de autoridade que conduzia as comunidades nos caminhos da fé. Preocupavam muito mais com seus bens patrimoniais e de riqueza, por isto eram, geralmente, proprietários de terras e de escravos. Como intelectuais tinham acesso à literatura mais moderna da época, mesmo sendo proibida na Colônia, como as obras dos Iluministas, possuindo, inclusive alguns padres, ampla biblioteca, certamente ajudados pelos advogados da época para sua aquisição, como Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa, mas não deixa de ser um mistério como estes livros chegavam ao Brasil, pois era proibida a entrada de livros na Colônia. Os textos introdutórios também informam sobre as várias obras publicadas sobre o assunto, e os Autos da Devassa, por longo tempo desaparecidos em Portugal. Foram sete padres envolvidos na Conjura, mas apenas cinco foram condenados. No Desenvolvimento do livro, a autora traça uma biografia de cada padre envolvido na Inconfidência Mineira. É uma obra mais informativa, com uma leve análise na conclusão.

Desenvolvimento
Esta parte tem início com a narrativa e estudo da vida do Cônego Luís Vieira da Silva, homem culto e voltado para os estudos em suas várias áreas do conhecimento. Era apaixonado por História, mas estudava Filosofia, Matemática, Geometria, Astronomia, Artes Militares e Literatura. Admirava Voltaire na Filosofia, pois em sua opinião "Era o campeão das liberdades individuais", coisa mais desejada na Colônia. Atuou nas cidades de Diamantina e Tiradentes, sempre defendendo as ideias iluministas aplicadas na França e nos Estados Unidos. Era amigo de Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel do Costa, e defendia a atuação firme de Tiradentes, inclusive afirmando que se tivéssemos mais homens como Tiradentes, a Conjuração teria avançado. Tinha uma biblioteca de qualidade pela existência de livros de vários autores renomados da época, em todas as áreas. Viveu pobre, e sua riqueza se resumia a sua cultura e livros. Tinha duas filhas, portanto era normal na época os padres não seguirem o celibato.

Sobre o Padre José da Silva e Oliveira Rolim a autora também dedica um longo capítulo, pois sua história de inconfidente é fascinante, sendo o inconfidente mais preocupado com sua riqueza pessoal do que com seu trabalho religioso. Fazia de tudo para se enriquecer cada vez mais, fazendo contrabando de escravos e de diamantes, além de ser um agiota. Foi considerado o mais rico da Inconfidência, pois recebeu herança da família que se aliou a sua ganância por riqueza. Foi o primeiro inconfidente a admitir o valor de Tiradentes como herói de um Movimento. Inclusive foi Tiradentes que levou a Maçonaria para Minas depois de uma viagem à Bahia indo para Vila Rica. Também foi o último inconfidente a ser preso, pois sua fuga foi uma verdadeira epopeia. Ninguém conseguia pegá-lo, pois era muito esperto, certamente tinha medo de perder sua fortuna. Viveu longamente, chegando aos 88 anos, sendo que a média de vida era de 60 anos na época. Ficou preso por 14 anos, e depois da Independência do Brasil conseguiu reaver sua fortuna. Chica da Silva faz parte de sua vida, pois foi filha adotiva de seu pai. Não foi enforcado por intervenção de D. Maria I, pois esta não permitiu o enforcamento de clérigos.

Os padres Carlos Correia de Toledo e Melo e o Padre José Lopes de Oliveira, são estudados pela autora, em suas biografias, nas quais se percebe a pouca importância desses clérigos no movimento da Inconfidência Mineira, pois tinham, em geral, interesses financeiros para solucionar, daí o apoio aos inconfidentes. O Padre José Lopes de Oliveira foi o primeiro padre a morrer na prisão, sendo enterrado pelos próprios soldados da guarnição como um mendigo. Sua morte teve como fator positivo o abrandamento das penas dos demais padres da Fortaleza. Importante notar como estes padres atuaram em várias cidades do interior de Minas, como Tiradentes, Resende Costa, Barbacena, Itapecerica, entre outras, pois na Escola, quando estudamos a Inconfidência Mineira, temos a impressão de que todos moravam em Vila Rica, atual Ouro Preto. O padre Manuel Rodrigues da Costa, apesar do belo texto escrito pela autora, não deve ser considerado um inconfidente, na minha opinião, pois não participou efetivamente da Conjura, apenas ouviu as palavras de Tiradentes, quando o mesmo se hospedou em sua fazenda, informações depois denunciadas nos Autos. Era um intelectual interessado nas ideias iluministas, e pode ser considerado um dos traidores dos inconfidentes, pois depois, inclusive, recebeu D. Pedro I em sua fazenda com honrarias, quando a cidade toda o repudiava. Teve longa e vitoriosa carreira política após seu retorno do exílio.

Os demais padres tiveram participação quase nula na Conjura, a não ser o fato de terem ouvido falar e participar dos depoimentos. É um livro de fácil leitura pela proposta informativa da leitura e por sua escrita clara. As informações são importantes para futuras análises da participação dos clérigos na Inconfidência Mineira, principalmente sobre o jogo de poder entre os padres e o governo português da época, muito ligado à Igreja Católica. Certamente o governo aliviou a participação dos padres no evento. Eu recomendo a leitura do livro para todos os leitores interessados em História, e principalmente pela História de Minas Gerais.

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Uma Breve História do Cristianismo

Uma Breve História do Cristianismo

Geoffrey Blainey

Introdução:
O autor faz um estudo histórico da vida de Jesus e do Cristianismo. Insiste em afirmar que não escreve o livro como teólogo, mas como historiador. Inclusive utiliza expressões próprias de historiadores quando não tem informações seguras do fato como: "parece que Jesus foi batizado..."; "muitos afirmam que..." Utiliza muitos acontecimentos da Bíblia conhecida para exemplificar sua pesquisa. Nas páginas iniciais apresenta vários mapas da Palestina para localizar os fatos ocorridos no início do Cristianismo.

Desenvolvimento:
Começa o livro relatando o início da vida de Jesus com algumas informações históricas sobre seu nascimento e vida na comunidade dos judeus. Relaciona suas parábolas com seu conhecimento da realidade social de sua época, pois utiliza nessas parábolas, informações sobre a agricultura, principalmente. Sobre a morte e ressurreição de Cristo, o autor segue os textos dos evangelhos, principalmente Marcos, que é o primeiro evangelho. Destaca a participação das mulheres na vida de Jesus, sendo que a mulher era muito discriminada na religião judaica. Mostra também como Jesus sempre esteve ao lado dos pobres e trabalhadores mais simples. Não acrescenta nenhuma novidade a respeito da ressurreição de Cristo, apenas alguns relatos com pequenas diferenças, principalmente sobre sua fala na hora de sua morte, que um soldado ouviu e transmitiu. Enfim, segue a tradição bíblica. No início da expansão do Cristianismo, Paulo torna-se o principal personagem em sua divulgação, fato determinado por sua conversão, que ainda continua envolta em mistério. Neste período, o Cristianismo conviveu com outras religiões mais antigas, fato que determinava sua credibilidade. Daí a procura da relação do Cristianismo com o Judaísmo, religião milenar, da qual Paulo tem sua origem.

O autor começa a narrar como funcionavam as comunidades primitivas do Cristianismo, ou seja, logo após a Ressurreição de Cristo. Mostra que alguns líderes foram surgindo e que deram o nome de Bispos, que quer dizer inspetor. A partir desse Cristianismo primitivo tem início alguns definições teológicas que entraram para a História como a inserção da Trindade, em que existem três pessoas na formação da divindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Também o Batismo e o jejum são debatidos e seguidos pelas comunidades. Os encontros eram realizados nas famílias, pois ainda não tinham uma visão de Igreja Templo, como no Judaísmo. Reuniam para comer o pão e beber o vinho, como fez Jesus na última ceia. Mas as perseguições aos cristãos aumentavam cada vez mais, pois existiam vários cultos à época, principalmente o culto aos deuses do Imperador. Muitos morreram em nome da religião cristã, incluindo muitas mulheres. As perseguições cessaram quando o Imperador Constantino se "converteu" e concedeu liberdade de culto a todas as religiões do Império. Constantino foi considerado pelo autor como o Libertador dos cristãos, mas buscava mesmo era uma unidade de seu Império que estava muito dividido, e os cristãos, apesar das perseguições, continuavam crescendo, pois não discriminavam credos em suas obras de caridade, principalmente durante as epidemias.

A partir do século IV começam a surgir as chamadas heresias, e a primeira foi o Arianismo que defendia que Cristo era mais humano que Deus, fator que parece aproximar essa teologia da vida do povo. Mas os arianos valorizavam muito a pessoa de Jesus, acreditando que ele era filho de Deus, mas não igual a Ele, o que leva a sua valorização. Essa doutrina se espalhou muito pelo mundo conhecido à época, situação que criou uma divisão no Império Romano, portanto incomodando ao Imperador Constantino que defendia a unidade de seu reino. Constantino, para resolver o problema convoca um Concílio para resolver as divisões existentes. No final, saiu vencedora a ideia da Trindade defendida pelos primeiros cristãos, mesmo que a decisão não tenha contemplado a maioria do Império, pois houve pouca participação de Bispos, principalmente do Ocidente. E como disse o historiador do livro, em caso de teologia e política 10º de diferença vira 90º. Logo não dá pra discutir esses assuntos.

O autor passa a relatar sobre a formação das Ordens Religiosas, que na verdade não foram de iniciativa da Igreja, que ainda não era organizada como instituição, fato ocorrido a partir de sua liberdade de culto no Império de Constantino; mas por iniciativas de vários leigos religiosas em diversas regiões da Europa e África. Estes líderes criavam os mosteiros e determinam regras para seus membros, eram mais normas disciplinares do que religiosas, porque a Bíblia era o texto básico a ser lido e ouvido nesses locais, mesmo na oração das refeições. Além da questão religiosa, os mosteiros tiveram papel importante na resolução parcial de vários problemas sociais, como a questão da pobreza vivida pelo povo. Trata, o autor, também da situação do casamento, pois achavam que o patrimônio de padres e bispos fazia parte da riqueza da Igreja quando seus mandatários morressem, por isso eram a favor do celibato. As mulheres criaram seus próprios Conventos, pois ao lado dos homens seriam um problema mundano. Os mosteiros diferem da vida de Jesus, pois ele vivia no meio da multidão nas cidades e nas sinagogas para ensinar. Algumas Ordens ficaram famosas como a dos Beneditinos que desenvolve seus trabalhos até hoje.

Como o Cristianismo primitivo sempre foi questionado sobre questões doutrinárias, estas favoreceram o surgimento de novas teologias na Europa. As questões sobre a divindade e humanidade de Jesus sendo avaliadas e revistas em Concílios, deram margem a posições "heréticas" e até para o surgimento de outras religiões e culturas com a muçulmana. O Islamismo criado por Maomé no século VII conseguiu se expandir para a maior parte da Europa e norte da África com suas ideias e conquistas militares. Apenas Jerusalém ofereceu alguma resistência ao seu domínio, mas ali os muçulmanos permaneceram por muitos séculos, disputas que continuam até hoje. Ninguém nunca pensou que o domínio muçulmano permanecesse por tanto tempo no mundo, mas um fator que favoreceu este domínio foi a escrita do Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, escrito apenas por uma pessoa, Maomé, enquanto a Bíblia foi escrita por várias pessoas e em um espaço muito longo de criação, além das constantes mudanças que sofreu, principalmente na Idade Média. Portanto sua compreensão fica muito mais complicada.

O autor trata também de um tema que ainda hoje é discutido em todas as religiões, ou seja, a adoração de imagens. Na Idade Média se discutia, tanto na Igreja Católica do Ocidente, em Roma, como na Ortodoxa, de Constantinopla. Discussão que voltaria à tona com a Reforma Protestante. A Igreja Ortodoxa se expandia mais na Idade Média do que a Igreja de Roma. O Papa que ficava em Roma não se comunicava com o Patriarca, de Constantinopla. Era como se fossem duas Igrejas diferentes. A questão das imagens nunca chegou a uma solução. No livro também é tratada a situação do celibato, também sem nenhuma solução definitiva, pois permaneceu um caos a questão dos casamentos de padres até o Concílio de Trento, quando se criaram os Seminários para a formação de padres. Se discute a questão dos Mosteiros, que eram mais uma forma assistencialista de acolher os mais necessitados, e tinha pouca participação de mulheres. Os Mosteiros são estudados com mais profundidade no próximo capítulo, mostrando seu funcionamento, poder e rotina, além da ampliação de seu número a partir do ano 1000, pois os religiosos esperavam uma segunda vinda de Cristo. Muitos Mosteiros prestavam um ótimo serviço religioso e de trabalho para a comunidade da época, ou seja, eram mais próximos do povo do que as Igreja, é o que o texto deixa transparecer. Faz, o autor, uma leve explanação sobre os péssimos Papas que a Igreja Católica teve no período.

Pelo texto percebe-se que a Igreja Católica, com o tempo, foi assimilando decisões e ideias das comunidades que interessavam a ela (a Igreja), durante a Idade Média. Por mais de mil anos ninguém falava sobre o Purgatório, pois o povo acreditava que seria salvo em nome de Cristo, e todos iriam para o céu, inclusive imaginavam o tamanho do céu para abrigar tantos salvos. O inferno começou a ser aceito depois de um certo tempo, para punir os maus. E o purgatório surgiu no início do ano 1000, talvez pela desilusão com a segunda volta de Cristo. Acreditavam que pecados menores deveriam ser perdoados em um lugar que oferecesse alguma punição a esses pecadores. Falavam também que as orações e contribuições ajudariam a antecipar a ida dos pecadores ao céu. Aí entrou o interesse da Igreja em receber doações com essa finalidade; certamente foi o início das famosas indulgências contestadas por Lutero 500 anos depois.  A procissão de Corpus Christi é mais uma contribuição de uma monja que interpretou um de seus sonhos. E o culto a Maria teve seus momentos altos e baixos. O autor discorre sobre o século XII, que foi um período de grande progresso artístico, especialmente na construção de Igrejas no estilo gótico, e do surgimento da principais universidades europeias.

As Ordens Religiosas têm um capítulo dedicado a seus fundadores, seguidores, origem e evolução. Os Franciscanos e Dominicanos são as Ordens mais estudadas. No início essas Ordens caracterizaram-se pelo voto de pobreza de seus líderes e seguidores. Mas com o tempo de desenvolvimento das cidades no século XII, essas Ordens se enriquecem, principalmente por seus envolvimentos na Educação e Universidades. Surgem templos ricos e belos dessas Ordens. São Francisco de Assis é conhecido por seu amor às aves e à natureza. Deixa uma vida de riqueza para viver na mais extrema pobreza, situação que desagrada seu pai, rico comerciante. É nessa época que surgem os bancos na Europa, ou comerciantes de dinheiro. Sobre as Cruzadas, o autor fala pouco, apesar de sua importância histórica. Realça os objetivos das Cruzadas, que incluía a devoção cristã na batalha, e não só as recompensas de perdão dos pecados, e a herança do Paraíso. Mostra como as Cruzadas duraram quatro séculos e a existência de defensores/acusadores de suas ações, ou seja, como alguns historiadores a defendem e outros a condenam. Reforça os interesses comerciais das cidades de Veneza e Gênova na Itália no empreendimento das Cruzadas.

O trabalho social da Igreja Católica na Idade Média é valorizado pelo autor. Mostra como a participação da Igreja era ampla, desde o atendimento aos mais necessitados até sua participação em quase todas as Universidades da Europa. As Ordens Religiosas também participavam deste trabalho. Apesar deste belo trabalho, a Igreja continuava desunida pelas posições papais, inclusive chegando a ter duas sedes e três papas ao mesmo tempo, pois a Igreja Ocidental foi dividida em duas, com uma na França e outra em Roma, além da Oriental. A sede da Igreja passou a funcionar na França, pois o Papa não queria conviver com a confusão da cidade de Roma, fato que provocou um declínio das atividades econômicas da cidade. Mesmo que considerassem Roma a cidade central do Cristianismo, pois São Pedro foi sepultado na cidade. Começam a surgir, já no final da Idade Média, os primeiros reformistas que contestavam a vida pregressa dos papas, bispos e padres, e dogmas da Igreja, como John Wycliffe e Jan Hus. Foram os precursores de Lutero no século XVI. Novamente o autor volta às questão das Cruzadas entre cristãos e muçulmanos, realçando que as Cruzadas não tinham objetivos apenas religiosos, mas comerciais também. A vida dos peregrinos foi assunto bem desenvolvido pelo autor, mostrando que muitas ações deles eram apenas viagens a passeio, e noutras eram realmente uma preocupação religiosa, ou seja, de perdão dos pecados para aliviar as penas do purgatório. Muitas vezes essas viagens eram planejadas por anos pelas longas distâncias, e nem sempre realizadas, pois geravam muitas despesas.

A partir da segunda parte do livro, o autor deixa a Idade Média e começa a Idade Moderna, tempo da famosa Reforma Protestante e da Contrarreforma Católica. Começa o texto estudando sobre o grande teólogo e intelectual Erasmo de Roterdã, e Martinho Lutero, dois nomes importantes do período. O primeiro foi excelente professor, mas não tinha a ousadia de Lutero, outro grande teólogo e professor de Universidade. Na Reforma de Lutero, este tem a coragem de enfrentar o poder da Igreja Católica e da classe política da época para divulgar suas ideias, aproveitamento de um momento favorável que foi a criação dos tipos móveis de Gutenberg para imprimir suas obras, além de conflitos militares contra Roma. Outros líderes reformadores continuam a obra de Lutero, mesmo com algumas diferenças, e são todos perseguidos e assassinados pela Igreja Católica. Mas apesar das perseguições, o Protestantismo atinge outros países além da Alemanha, como a Suíça e a Inglaterra. O Protestantismo não modifica muito as doutrinas católicas, mas o elemento essencial é a abolição do celibato e o culto das imagens. E João Calvino foi o maior divulgador do Protestantismo, talvez por já ter encontrado um campo aberto de oposição à Igreja Católica, além do surgimento de várias igrejas protestantes em vários lugares, além de sua prática ser mais moderada que a de Lutero. Também surgiram vários líderes como John Knox que deu origem à Igreja Presbiteriana que se espalhou para a América do Norte. Mostra o autor, como a Reforma Protestante contribuiu para a democratização da sociedade, saindo da hierarquia católica. As seitas dentro do Protestantismo e seus líderes são assuntos desenvolvidos pelo autor, além de sua expansão para a América do Norte.

O autor dedica um capítulo ao Concílio de Trento, certamente por sua importância religiosa e histórica. Realça como foi sua organização, vindo gente de vários países da Europa e seus preparativos como alimentos para as pessoas e animais. Mostra que praticamente não houve a presença de protestantes, fato que deixou a Igreja Católica livre para resolver seus problemas. Durante o Concílio houve algumas paralisações por motivos sanitários, tendo a reunião durado quase vinte anos. No final a Igreja Católica foi favorecida, pois fez reformas necessárias para manter seu bom funcionamento administrativo e religioso. Das contestações protestantes retirou apenas as indulgências, principal ponto combatido por Lutero, mas manteve as demais mudanças propostas pelos líderes da Reforma, como o celibato clerical. O principal ponto assumido pelo encontro foi a criação de Seminários para a formação de Padres e Bispos, pois muitos deles mal conheciam os ensinamentos bíblicos. No final o Concílio qualificou o trabalho da Igreja Católica, encontro de tal envergadura só ocorreria no Concílio Vaticano II, no século XX. Além do Concílio de Trento, o autor faz um estudo histórico da descoberta da América e sua colonização em nome do poder econômico e religioso da Europa. As potências da época, Portugal e Espanha são os principais protagonistas desta colonização, em que a Igreja e as Ordens Religiosas têm papel essencial. Segue o autor falando da expansão do Protestantismo, principalmente sobre o papel de John Wesley que deu origem à Igreja Metodista, que se tornou por um século a maior denominação religiosa dos Estados Unidos.

A França do século XVIII passa a ser o foco principal de estudo do historiador, pois o país era considerado a nação mais importante do mundo, não só por suas imensas possessões na América, Ásia e África, mas pela efervescência de ideias religiosas e filosóficas. Vários estudiosos questionavam o poder da Igreja ligada à Monarquia e que vivia, em muitos casos, em desacordo com os ensinamentos cristãos, apesar de ainda ser a que melhor funcionava na Europa. Daí surgirem ideias ateístas e o poder da Ordem Jesuíta, ligada ao Papa. Além da França se preparar para a famosa e importante Revolução Francesa em 1789. Além disso, passava o país por uma grave crise financeira por ter ajudado na Independência das 13 colônias americanas, depois chamadas de Estados Unidos da América. A partir da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, o novo momento histórico torna-se mais rápido e complexo devido ao desenvolvimento econômico e social do mundo, principalmente da Europa e Estados Unidos. Esta situação faz surgirem várias seitas religiosas, principalmente protestantes. Há uma preocupação espiritual e material maior, inclusive de atendimento aos necessitados que alguns líderes e seitas assumem. A mulher passa a se envolver mais com as questões religiosas e sociais, reivindicando seus direitos iguais aos dos homens. É o tempo da intolerância religiosa nas próprias seitas, que aos poucos vai sendo solucionada, inclusive sobre a escravidão negra, que interessava muito às nações desenvolvidas da época e aos proprietários de escravos africanos.

O autor passa a mostrar como aconteceu a "cristianização" da Ásia e África por missionários protestantes e católicos, e seus vários líderes. Relaciona os países católicos e protestantes no século XIX, e como a I Guerra Mundial foi um enfrentamento de países cristãos, em sua grande maioria. Realça também como o Papa Bento XV foi contra o conflito do início ao seu final, sendo que na Segunda Guerra, o Vaticano não se posicionou sobre a matança de judeus pela Alemanha. Não seria porque Mussolini doou o território do Vaticano para a Igreja Católica, fato que o autor não cita? Durante o período das duas Grandes Guerras, os cristãos foram perseguidos pelos regimes nazista, comunista e fascista. Lênin, no início de seu governo, já definia o cristianismo como uma religião a ser extirpada da Rússia, pois era considerada o maior mal do planeta pelo líder comunista. O Concílio Vaticano II, foi considerado o evento católico que trouxe as maiores modificações do cristianismo na História; ou seja, acabou com a Missa em latim e o padre passou a celebrar de frente para o público. Numa História em que o autor vai e volta no tempo, ele trata do surgimento de várias seitas religiosas no mundo, principalmente nos séculos XIX e XX. Trata também da Teologia da Libertação surgida na América Latina, inclusive no Brasil, mas sem tomar posição contra ou a favor.

Excelente livro para quem deseja conhecer a História do Cristianismo desde suas origens até os dias atuais. Passando pelo Papa João Paulo II, os Muçulmanos, os Protestantes e os Beatles. Além de informativo, o autor analisa os fatos com seu jeito objetivo e elegante de escrever. Eu recomendo com louvor!





 

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